Por Sophia La Banca de Oliveira
O “relógio” do corpo fica numa área do cérebro que controla a secreção da melatonina – um hormônio – indicando quando estamos prontos para agir e quando devemos descansar. Mas o estilo de vida moderno tem tornado cada vez mais difícil seguir esse ritmo (chamado circadiano), com consequências graves para a saúde.
A forma mais perceptível de contrariar o ritmo circadiano é trabalhar durante a noite. “O trabalho em turnos está associado a doenças cardiovasculares, gastrointestinais, problemas metabólicos e alguns tipos de câncer. Os problemas mais comuns são os relacionados ao sono, como a dificuldade para adormecer durante o dia e a manutenção do sono”, diz Claudia Roberta Moreno, professora do Departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade da USP. As consequências negativas do trabalho noturno são sentidas com intensidade ainda maior pelas mulheres, especialmente as mães, devido às tarefas domésticas que elas exercem, além da atuação profissional.
Quando questionada sobre o que os trabalhadores noturnos podem fazer para reduzir o dano causado pelo horário de trabalho à saúde, Moreno reformulou a pergunta: “A pergunta deveria ser sobre o que as empresas podem fazer para reduzir as consequências negativas para a saúde dos trabalhadores noturnos, pois não se pode supor que o trabalhador poderá evitar esses problemas sem a parceria de seu empregador”. Para a pesquisadora, as medidas podem variar, dependendo do tipo de trabalho, mas é importante instalar áreas de descanso e oferecer alimentação mais leve aos trabalhadores.
Jovens e adolescentes
Os adolescentes precisam de atenção especial com relação ao seu ritmo circadiano. Na puberdade o ritmo tende a atrasar, ou seja, o adolescente dorme e acorda mais tarde, naturalmente. No Brasil, isso não costuma ser levado em consideração pelas escolas, que muitas vezes começam as aulas cedo demais para essa faixa etária. Hoje, 53,6% dos adolescentes dormem menos do que deveriam, sendo o turno da escola um dos principais fatores associados a isso.
Fernando Mazilli Louzada, professor do Departamento de Fisiologia da UFPR, defende que as aulas deveriam começar mais tarde para melhorar o rendimento e a saúde dos alunos. “O país mais avançado em relação a essas experiências é os Estados Unidos, e há algumas experiências esparsas na Inglaterra, na Itália, em Israel. A verdade é que em muitos países europeus as aulas já começam 8h30 ou 9h. O problema é o Brasil com esses horários das 7h ou 7h30, que são incompatíveis com as necessidades não só dos adolescentes, mas de crianças também”.
Outro fator que interfere no ritmo de jovens e adolescentes são os eletrônicos como celulares, tablets e computadores, devido à exposição à luz. Quando a luz atinge a retina, a produção de melatonina é inibida. Isso é normal durante o dia, mas a exposição durante a noite pode desregular o relógio biológico. Louzada adverte que o ideal seria não se expor às mídias eletrônicas nas duas horas anteriores ao sono para evitar esse efeito. “Também existe um efeito de ativação. Se você está conectado a uma mídia social e, no meio da noite, recebe uma notícia excitante ou alarmante, isso tem um efeito prejudicial”.
Às vezes, os próprios estudos podem prejudicar o ritmo dos alunos, comenta Vânia D’Almeida, professora do Departamento de Psicobiologia da Unifesp. “Os alunos, especialmente universitários, podem ter até 8 horas de aula por dia. Além disso, os professores solicitam tarefas fora desse horário. Os alunos, obviamente, também têm direito ao lazer, vida familiar, vida social, praticar esportes, e para adequar isso tudo em 24 horas, descontam do sono”. D’Almeida explica que, para compensar essa falta de sono, o ritmo tem que se adequar, e os alunos passam a dormir durante o dia. “Dormem na hora do almoço, nos intervalos, às vezes até durante a aula, e não à noite, que é o indicado para a nossa espécie”.
Essa perturbação do ritmo biológico pode ter consequências mais graves do que apenas uma queda de rendimento acadêmico, e pode também estar associada a transtornos de humor, principalmente a depressão. As taxas de depressão entre universitários são bem maiores do que a média da população em geral, chegando a 30,6%. “A longo prazo, observamos a depressão, quadros de estresse, pensamentos suicidas, uma série de efeitos que podem estar relacionados com a dessincronização dos ritmos. As preocupações são maiores do que apenas o desempenho”, alerta D’Almeida.
Também já foram observados efeitos físicos negativos. John Fontanele Araújo, professor do Departamento de Fisiologia e Comportamento da UFRN, mediu o jet-lag social – a diferença entre o horário e duração do sono durante a semana e no final de semana – de estudantes universitários. Quanto maior a diferença (ou seja, dormem menos durante a semana e muito mais aos sábados e domingos), mais alta a pontuação. “Aqueles com escores maiores apresentam uma redução na variabilidade da frequência cardíaca”, aponta Araújo. Essa redução é um sinal da ativação do sistema nervoso simpático, um sistema ativado durante situações de estresse. “Isto representa um maior risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares”, adverte o pesquisador.
Sophia La Banca de Oliveira é formada em ciências farmacêuticas (UFPR), mestre em bioquímica (USP) e doutora em psicobiologia (Unifesp). É aluna do curso de especialização em jornalismo científico Labjor/Unicamp e bolsista Mídia Ciência (Fapesp).