Por Beatriz Maia
Um dos principais nomes da ciência brasileira no exterior, Duilia de Mello defende a importância de explicar conceitos complexos em linguagem simples para combater a desinformação.
Apresentar a astrofísica Duilia de Mello em poucas linhas é uma tarefa difícil. Doutora pela USP, é professora de física e astronomia da Universidade Católica de Washington (EUA), onde também é vice-reitora. A cientista ainda é pesquisadora associada do Goddard Space Flight Center da Nasa (agência espacial americana) há 18 anos, e mantém a Associação Mulher das Estrelas, ONG que atua na difusão e inclusão do conhecimento científico. Foi escolhida, em 2013, como uma das dez mulheres que mudam o Brasil, em um ranking da Universidade de Columbia.
Seu trabalho é marcado por descobertas importantes, como a Supernova 1997D, a partir de estudos no observatório ESO, no Chile. Descobriu também as Bolhas Azuis, estrelas que nascem fora das galáxias e dão pistas para entender a evolução das galáxias. Com observações do telescópio Hubble notou estrelas jovens, com menos de 30 milhões de anos (e por isso azuis), fora das galáxias. O cenário, definido como um “orfanato de estrelas”, revelou que os corpos celestes só poderiam ter nascido ali, e não ter migrado de galáxias próximas.
Ao mesmo tempo, a cientista promove diversas ações que estimulam o interesse dos jovens para a ciência, que, segundo ela, não é um campo restrito aos gênios. Com uma agenda bastante concorrida, Duilia conseguiu alguns minutos para falar à ComCiência sobre sua carreira e questões espaciais da atualidade.
Quando você descobre estrelas de 30 milhões de anos, fala de estrelas jovens. Como é o conceito do tempo na astronomia?
Na astronomia levamos em consideração a idade do universo. O universo tem 13,7 bilhões de anos, então tudo é relativo. Quando falamos de 30 milhões de anos, é algo relativamente jovem. Estrelas como o Sol têm 4,5 bilhões de anos, então usamos o Sol como tempo relativo. Então 30 milhões, perto de 4,5 bilhões, que é a idade da nossa estrela, é jovem. Usamos comparações para determinar o que é jovem e o que é velho.
É provável que um dia consigamos fazer viagens no tempo?
Hoje em dia temos uma determinada tecnologia que foi desenvolvida a partir das grandes descobertas científicas dos últimos séculos. Se formos levar em conta tudo que sabemos de ciência e de tecnologia, não é possível, e provavelmente não será possível no futuro longínquo. Isso porque não temos como manusear o tempo nesse aspecto. A viagem no tempo teria problemas também, porque se você for ao futuro, pode mudá-lo. E se for ao passado, também pode mudar o futuro. É muito estranho falarmos disso, pois se algum dia tivéssemos feito alguma viagem para o futuro, já teríamos indícios disso, e não temos. É difícil falar, mas acho pouco provável.
Você desenvolve um conjunto bastante diversificado de atividades, e dedica boa parte do seu tempo à divulgação do conhecimento científico. Qual a importância disso para você?
Eu acho muito importante que o cientista divulgue a ciência que faz. É uma responsabilidade dele mostrar para o público o trabalho que vem fazendo. A maioria dos trabalhos científicos é feita com financiamento do governo, isso quer dizer: imposto do povo. Então, o povo precisa saber qual a ciência que está sendo feita, precisa se informar da importância da ciência.
Um país desenvolvido faz ciência séria e divulga a ciência que faz. É por isso que eu faço isso. Faço também um trabalho com as meninas, tentando motivá-las para a ciência, já que temos poucas nas áreas científicas. A contribuição das mulheres tem sido negligenciada por muitas décadas, e precisamos mudar isso. Muitas soluções podem vir das mulheres, e não sabemos quanto já foi desperdiçado do talento daquelas que poderiam ter sido cientistas.
Você fica angustiada como movimentos anticientíficos, como o terraplanista, ganhando força?
É muito preocupante essa onda de notícias falsas, as fake news, que são propagadas pela internet, e as pessoas acreditam. Isso acontece com a ciência também. O movimento terraplanista não é nada mais do que isso, meia dúzia de loucos que resolveram contestar algo que é incontestável. Eles acabam encontrando seguidores, pessoas que são céticas, ou que são extremamente negativas, e acreditam em todo tipo de conspiração. A maioria das fake news tem a ver com essas teorias da conspiração.
É preocupante, e a única coisa que podemos fazer é continuar informando o público do contrário, e explicar porque está errado. Não deixar que isso se espalhe mais, e cada vez mais explicar em linguagem simples os conceitos complexos. Se nós não falarmos em linguagem simples, essas pessoas loucas acabam aumentando a circulação de coisas incorretas. É muito frustrante, mas vejo isso como um desafio para a nova geração de cientistas lidar.
Você dá muitas entrevistas. Sente que as perguntas que lhe são feitas são diferentes das direcionadas aos colegas homens?
As perguntas geralmente têm a ver com a minha trajetória, por que eu fiz isso, ou por que eu escolhi aquilo. Não sei se os homens são perguntados assim. Não tem uma vez que não venha essa pergunta: como você foi fazer isso? E me perguntam muito como é ser mulher na ciência. As meninas nas escolas que visito querem saber como é ser mulher em um campo dominado por homens. E eu sempre respondo que é difícil! Toda minoria passa por dificuldades, então não é muito simples ser minoria. Mas falo sempre para não desistirem, para seguirem os sonhos, se for isso que goste de fazer e que tenha o talento para fazer. Então sim, as perguntas podem ser diferentes, mas nada muito sintomático.
Quais você acha que podem ser as próximas grandes descobertas na astronomia?
Do que é feita a energia escura e a matéria escura.