Por Juan Mattheus Costa
Deus castiga. A frase é dita, na maioria das vezes, quando alguém faz algo que não está de acordo com a religião que segue. O pecado, termo que vem do latim “peccatum” e difundido pelo cristianismo, significa tropeçar, dar um passo em falso ou enganar-se, e é passível de punição.
Assim, a punição por motivos religiosos foi definidora de muitos aspectos morais e sociais. De acordo com o artigo “Entre Deus, a culpa e o pecado”, de Adriano Oliveira e Eduardo Castro, pecar significava ir de encontro aos preceitos bíblicos, desrespeitar e trair o Deus criador de todas as coisas.
“A tensão advinda de tal infração aos códigos estabelecidos culturalmente e interiorizada […] acarretaria o surgimento do sentimento de culpa. Todo esse processo disseminava a ideia do exame de consciência na educação de meninos e meninas. Já na baixa idade média, a criança torna-se objeto de uma educação em que a noção de culpa aparece de forma marcante. Isto se dá, principalmente, em relação às representações do além, com suas dores e desesperos para aqueles que foram pecadores no mundo”, ressalta o artigo.
Esses sentimentos de culpa e medo são, em parte, responsáveis pelos sistemas de autopunição entre os próprios cristãos. Dentre esses sistemas, é possível destacar desde jejuns até flagelos físicos. No Brasil, é comum ver, em ritos religiosos como procissões, pessoas caminhando ajoelhadas ou com pedras e tijolos na cabeça.
Na religião cristã, o período em que mais houve punições religiosas foi na chamada “idade das trevas”, com a inquisição. Segundo explica Felipe Pinto em seu artigo “A inquisição e o sistema inquisitório“, os inquisidores promoveram uma perseguição indiscriminada e intolerante à diversidade de opiniões e de crenças, como o objetivo de estruturar uma sociedade cristã sólida e ordenada, que se submetesse a qualquer excesso e desmando da minoria eclesiástica.
As torturas utilizadas nesse período eram as mais variadas. Pode-se citar as mais conhecidas: fogueira, usada para queimar vivo quem praticava heresia e acusados de bruxaria; arranca-seios, usado primordialmente em mulheres, geralmente acusadas de abortos ou adultério; serra, onde a pessoa era cortada ao meio, virada de cabeça para baixo; pera, instrumento de metal inserido nas vaginas das adúlteras e no ânus dos homossexuais, que se abria, arrancando a pele e dilacerando os orifícios dos acusados; e a roda, com os membros presos em uma roda de madeira, as pessoas viam seus braços e pernas serem atingidos pelos torturadores com grandes martelos de metal.
No hinduísmo, código de Manu
Saindo da perspectiva cristã, é possível apontar também as práticas de punições do hinduísmo, por meio do documento de legislação mais antigo da Índia, o código de Manu. De acordo com o artigo “Código de Manu: principais aspectos“, ele se divide em religião, moral e civil. Alguns estudiosos calculam que possa ter sido criado entre os anos 1300 a 800 a.C.
De acordo com o artigo, muitas passagens desse código de leis seguem o princípio da pena de Talião. “Às vezes, extrapolam-no, na medida que consideram não somente que o culpado deve ser ferido à mesma forma que feriu, mas também deve ter mutilado o órgão usado para ferir o outro, indiferentemente do tipo de ferimento que causou. Por exemplo, se ele levantou a mão ou um bastão sobre o superior, deve ter a mão cortada; se em um movimento de cólera lhe deu um pontapé, que seu pé seja cortado”.
De acordo com a professora do Departamento de Filosofia e Teologia da PUC-Goiás Ivoni Richter Reimer, na tradição hindu, os ritos de passagem são importantes e acontecem na presença do fogo sagrado (agni), que é purificador. Por isso quando alguém morre, seu corpo é oferecido às chamas.
Inúmeras seitas indianas utilizam o flagelo corporal como forma de estar mais próximo às divindades, como o ritual Thamithi, no qual homens andam por brasas enquanto seus pés queimam para provar sua pureza e honrar a deusa Draupati Amman. Nas cidades de Ujjain e Bhopal os moradores enfeitam bois e vacas, deitam-se no chão entoando mantras enquanto os animais os pisoteiam. O ritual é feito para trazer sorte e fazer com que pedidos sejam realizados; e ainda há o ritual de furos na língua e na pele do rosto, muito praticado pelos hindus.
Sharia e sanções no islamismo
Segundo o texto “Crime e punição em Islã“, de Abdurrahman al-Muala, o sistema penal islâmico (sharia) tem como objetivo preservar cinco necessidades universais: vida, religião, razão, linhagem e propriedade.
“Para preservar a vida, prescreve a lei de retribuição. Para preservar a religião, prescreve a punição para apostasia. Para preservar a razão, prescreve a punição para consumo de álcool. Para preservar a linhagem, prescreve a punição para fornicação. Para preservar os bens, prescreve a punição para roubo. Para proteger todos eles, prescreve a punição para assaltos em estrada”.
As penas previstas para os crimes vão desde pagamentos em dinheiro à vítima até outros mais severos. No caso do adultério a punição é de cem chibatadas, e/ou apedrejamento. O sexo antes do casamento também é punido com chibatadas. O alcoolismo é visto como um ato de maldade contra o próprio corpo. É punido com chibatadas. A blasfêmia, o pecado de traição a Deus, é punido com prisão perpétua para mulheres e pena de morte para homens. Para quem rouba viajantes, ter a mão cortada, e para o homicídio a pena é morte por enforcamento ou decapitação.
Para a advogada Luísa Faria dos Santos, que estudou o conjunto de leis islâmicas como trabalho de conclusão de curso de graduação no Centro Universitário Salesiano, de São Paulo, “para aqueles que não seguem a religião, a composição da sharia parece fazer uma alusão à idade média, pois esta ficou marcada pela fé, pelas desigualdades e também por suas atrocidades. Para muitos, algumas punições da lei islâmica parecem uma afronta aos direitos humanos em pleno século XXI”, salienta.
Indo na contramão das punições, vale finalizar citando a religião budista. Segundo o texto “Buddhism and capital punishment” as penas físicas são claramente incompatíveis com os ensinamentos de Buda. “No que diz respeito à punição neste mundo, o budismo tem opiniões fortes […] O tratamento desumano de um ofensor não resolve seus crimes ou da humanidade em geral – a melhor abordagem para tratar um ofensor é reformando-o, em vez de puni-lo”.
Juan Mattheus Costa é jornalista pela Universidade Federal do Amazonas e especialista em jornalismo científico pela Unicamp. Atualmente é bolsista Mídia e Ciência com projeto na Faculdade de Educação da USP.