Por Marina Gomes
Ivan Candido-Ferreira, graduado em Biologia pela USP, doutor por Oxford pós-doutorando pela Universidade de Stanford e pelo Instituto Stowers de Ciências Médicas (EUA)
A Febrace foi transformadora e propulsionou o avanço da minha carreira. Participei em 2009 com um projeto feito no Instituto Butantan descrevendo um novo grupo de antibióticos naturais descobertos em aracnídeos, sob orientação do professor Pedro Ismael da Silva Júnior. Meu projeto foi selecionado pela Febrace para a maior competição pré-universitária em ciências e tecnologia do mundo – a Intel International Science and Engineering Fair, onde conquistei o segundo lugar global na área de microbiologia. Acredito que o legado mais importante da Febrace não são as premiações, mas encontrar minha própria voz junto à uma comunidade com fome por conhecimento.
De 2009 para cá, concluí minha graduação em Biologia pela Universidade de São Paulo, onde fiz questão de defender minha dissertação em 2015 com o projeto iniciado na Febrace. Em seguida, fui aceito no doutorado direto pela Universidade de Oxford na Inglaterra, e hoje faço pós-doutorado pela Universidade de Stanford e pelo Instituto Stowers de Ciências Médicas nos Estados Unidos. Nesse meio tempo, o grupo do professor Pedro Ismael manteve as portas abertas orientando diversos outros alunos e alunas pré-universitários da rede pública e particular – todos tendo seus trabalhos e relevância reconhecidos pela Febrace e ISEF.
Nesses 15 anos como pesquisador científico, numa trajetória que teve início nos laboratórios do Instituto Butantan e apresentada para o Brasil pela Febrace, pude convencer dezenas, centenas ou talvez milhares de pessoas da importância da minha ciência – e sobre a necessidade fundamental e inegociável de investir em ciências e tecnologia para a sociedade brasileira.
Tamara Gedankien, 31 anos, engenheira biomédica pelo Illinois Institute of Technology, atualmente em Columbia. Na Intel ISEF 2010 (segunda vez participando da feira) conquistou o 1º lugar na categoria de Ciências Sociais e Comportamentais
As feiras de ciência como a Febrace tiveram um impacto enorme na minha trajetória. Hoje eu sou cientista na Columbia University, como pós-doc. Terminei meu doutorado no ano passado também na Columbia e antes disso já estava envolvida com pesquisa na faculdade, e até antes, nas feiras de ciências – que foram realmente o início de tudo para mim. Eu participei da Mostratec e também me envolvi com a Febrace. Nos anos do colegial eu participei das duas, e foi na Mostratec que conquistei prêmios, e um deles foi a oportunidade de participar em uma feira internacional nos Estados Unidos, na época se chamava Intel ISEF – hoje em dia o patrocinador mudou. É uma feira que traz 1.500 alunos com seus projetos do mundo inteiro e abriu a porta para mim, para vir para cá e fazer faculdade.
Isso tudo já faz muito tempo, pelo menos uns 15 anos. Sempre gostei muito de aprender, mas com certeza não lembro de muitos projetos em que estava inspirada, motivada. Os exames padronizados, a lição de casa, a minha vida escolar na maior parte tinha os elementos comuns. Mas no segundo colegial a minha escola tinha esse projeto de iniciação científica que incentivava os alunos a desenvolver um projeto e depois apresentá-lo em feira de ciências, como a Febrace e a Mostratec.
Quando esse projeto começou fiquei encantada, muito motivada. Não só eu tive a flexibilidade de escolher uma pergunta que me interessava como eu tinha também o apoio de um mentor que tinha essa flexibilidade, essa liberdade, que para mim foi muito estimulante intelectualmente de uma maneira que todo o resto, os outros trabalhos escolares, não eram. Tive mais de um projeto na época, trabalhei nisso por uns 3 anos e era incrível. Não só fazer o projeto mas depois participar nessas feiras de ciência, onde eu conheci muitas pessoas incríveis do Brasil inteiro.
Gabriel Ronatty, 24 anos, aluno de Medicina na Unifesp (5º ano). Faz parte da equipe de pesquisa do Spaulding, na Havard Medical School, e do Media Lab no Massachusetts Institute of Technology (MIT)
Minha trajetória transita no mundo acadêmico, científico, depois para o mundo mais business. E foram muitas as maneiras como a Febrace impactou na minha vida, de forma essencial. Foi realmente uma dádiva dos céus poder ter feito parte da Febrace em 2017.
Eu vim de uma família muito humilde, fui o primeiro a fazer universidade da minha família, e me apaixonei pela medicina aos 12 anos. Lembro de quando contei para o meu pai que queria fazer medicina, por qual motivo eu escolhi a medicina: foi uma grande inspiração a história do Ben Carson, neurocirurgião. Li a autobiografia dele por incentivo de uma professora do Ensino Fundamental. Eu não queria ler o livro, mas ela insistiu muito para que eu fizesse um resumo de cada capítulo, e foi uma peça fundamental para que eu me apaixonasse pela medicina.
Participei da Febrace, que era um ambiente inédito para mim, e meu projeto ganhou a credencial para ir para International Science and Engineering Fair (ISEF) em Los Angeles. Tudo isso me deixou pasmo de alegria, liguei na hora para o meu pai.
Fui pra Los Angeles graças à Febrace, meu primeiro voo de avião, e foi quando mudou tudo na minha vida, percebi meu caminho. Foi algo sem precedentes, se tornou uma grande credencial ao longo da minha vida. Vim de um lugar com tanta escassez de oportunidade, e a Febrace pôde me dar um turbilhão de chaves para abrir muitas portas.
Voltando dos Estados Unidos eu lembro que pensava: nossa, ganhei reconhecimento da Sociedade Americana de Endocrinologia, os caras viram o meu projeto, apresentei para dois prêmios Nobel, para o Robert Horvitz, que descreveu a apoptose, para o Martin Chalfie, que descreveu a green fluorescent protein, e eu pensava: estou voltando para o Brasil para ainda tentar passar no vestibular. Eu lembro que tudo isso me deixava muito apreensivo. Com 19 anos entrei na Unifesp.
Entrei na Escola Paulista de Medicina com essa pegada que eu aprendi da interdisciplinaridade. Desenvolvi a Liga Acadêmica de Filosofia da Saúde para discutirmos o paciente também na postura antropológica, entendemos mais os cuidados paliativos. A partir daí eu reapresentei dentro da Unifesp o meu projeto da Febrace, é um projeto que até hoje continua sendo inovador, reverberando, que eu lembro que os avaliadores da Febrace falavam que tinha peso de doutorado.
Ao longo desse ano, eu estou agora com a faculdade trancada porque daqui 20 dias vou para a Harvard Medical School e para o MIT, vou ser research intern nessas duas instituições, nós vamos construir inteligência artificial para a medicina para diagnóstico de imagem para construção de proteínas. Esse desenvolvimento no MIT e Harvard é voltado para o business também, é pensando em startups. Hoje eu tenho duas: a Medfy e a Bydoctors que são startups da área médica.
Tudo são conquistas que foram acontecendo sempre com uma credencial muito legal de dizer que eu participei da Febrace, que eu conquistei prêmios importantíssimos que hoje são os maiores no Brasil na área acadêmica pré-universitária. Sou grato à Febrace, à Roseli, a todo time que me acolheu como filho, alguém que torce muito e quer ver você crescer.
Lucas Trambaiolli, 34 anos, formado em engenharia biomédica, doutor em neurociência da cognição pela Universidade Federal do ABC (UFABC), atualmente em Harvard
Participei da Febrace nas edições de 2006 e 2007 e nos mesmos anos também participei da Intel ISEF como um dos classificados da Febrace. A Febrace teve um impacto gigantesco na minha vida, porque foi um dos primeiros contatos que eu tive com desenvolvimento de ciências seguindo um protocolo, seguindo o método científico, organizando um projeto de forma clara, realizando a pesquisa de uma forma estruturada. E isso não só na parte do desenvolvimento do projeto, mas também na parte de apresentação, com relatórios, artigo, pôster e apresentação oral. A Febrace também foi uma oportunidade maravilhosa porque também tive oportunidade de discutir o projeto com os avaliadores, que eram pesquisadores com anos de experiência, então foi muito legal a troca de ideias. E também a interação com outros jovens de interesses parecidos. Ajudou a tirar um pouco daquela sensação de ser o nerd deslocado.
Ter participado da ISEF pela Febrace foi outra coisa que teve um impacto enorme porque foi a primeira vez que eu viajei para fora do Brasil, que eu tive a noção do quão importante é a apresentação do seu projeto no ambiente internacional, de como ter um inglês claro, uma comunicação clara, tanto escrita quanto verbal, era relevante. Era uma coisa que eu não levava a sério, não tinha vontade, não tinha motivação para estudar inglês.
Entrei na universidade em 2008 e no mesmo ano eu já consegui uma bolsa de iniciação científica. Na apresentação de relatórios e tudo mais, por várias vezes mencionavam que era uma estruturação, uma qualidade no nível de mestrado. Então a Febrace te dá essa antecipação de treinamento científico.
Desde 2018 mudei para os Estados Unidos para fazer um pós-doutorado em Harvard. O meu pós-doutorado foi no McLean Hospital, que é o Hospital Psiquiátrico afiliado da Harvard Medical School. Hoje sou membro do corpo docente deles, sou o que eles chamam de instrutor, a gente realiza pesquisa, tem responsabilidades didáticas de ensino e de orientação de aluno. Eu sou instrutor desde outubro de 2022.
A minha linha de pesquisa está bem relacionada com o que começou lá atrás na Febrace. Acho que um outro impacto da Febrace foi abrir a minha mente. Quando eu estava no ensino médio eu tinha muita vontade de fazer engenharia e a Febrace me proporcionou a visão de que a engenharia e a computação podem ser muito úteis para estudar a biologia, para estudar o corpo humano, para desenvolver ferramentas para entender e auxiliar em doenças.
A minha pesquisa desde a iniciação científica, mestrado e doutorado, está relacionada com o uso de inteligência artificial e interface cérebro-máquinas para entender doenças neurológicas e psiquiátricas e desenvolver novas abordagens terapêuticas. Tenho trabalhado usando neuroanatomia de primatas não humanos para delinear circuitos anatômicos relacionados a transtorno obsessivo-compulsivo e depressão. O objetivo é continuar trabalhando nisso até conseguir desenvolver alguma técnica, algum protocolo útil para esses pacientes.
Depois que me formei de ensino médio, e não podia mais participar da Febrace, tentei continuar envolvido como voluntário da organização, revisor de projetos, tanto durante a feira física quanto antes, no processo de seleção, e também orientei aluno. Morando fora do Brasil é um pouco mais difícil, mas já consegui sincronizar visita para o Brasil com as datas da Febrace e visitar a feira, porque é sempre inspirador voltar às minhas raízes, conseguir ver o brilho nos olhos dos jovens da geração atual.
Marina Gomes é editora da revista ComCiência e professora da Especialização em Jornalismo Científico do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (Labjor)