Riqueza mineral e carência de desenvolvimento regional na Amazônia

Por Maria Amélia Enríquez e Marcela Paz Enríquez

O Brasil tem adotado políticas[i], programas[ii], e linhas de financiamento[iii] especialmente voltados para explorar economicamente os bens minerais, em particular, os considerados críticos e estratégicos[iv]. Nesse contexto, a Região Amazônica se apresenta como espaço de grande interesse em função dos recursos minerais existentes, havendo forte argumentação de que essa riqueza seja mais bem explorada para beneficiar o país, principalmente tratando de minerais indispensáveis para a transição energética.

De fato, há muita riqueza mineral no subsolo da Amazônia, conhecida e desconhecida, mas sua distribuição é bastante irregular. Nem todos os nove Estados que constituem a Amazônia Legal Brasileira têm minérios passíveis de extração, tanto por causa da geologia do território, ou em razão do sistema de logísticas, quanto em prol da necessária legislação de proteção ambiental (Mapa 1), considerando a relevância global do bioma amazônico.

Mapa 1 – Potencial mineral da Amazônia Legal. Fonte: elaboração SEDEME/PA

O Mapa 1 revela que muitas áreas de interesse mineral coincidem com áreas de especial interesse ecológico, como Terras Indígenas (TI) e Unidades de Conservação (UC). Isso fica evidenciado no estado do Pará, o qual é o maior estado minerador da região, e em que boa parte das áreas com condições geológicas favoráveis para mineração há uma superposição com outras formas de uso do território, como as TI e UC, tanto as de proteção integral como as de uso sustentável, a exemplo das Reservas Extrativistas (Resex) que não permitem quaisquer tipos de atividade da extração mineral no seu interior, acendendo um alerta preocupante quanto à possibilidade de potencialização de conflitos.

O Mapa 1 também mostra que a maior parte da bacia amazônica, principalmente os Estados do Amazonas e do Acre, não são dotados da diversidade de jazidas que tem o Pará, por exemplo. Assim, a efetiva produção mineral da Amazônia está concentrada fundamentalmente no Pará e isso é representado tanto pela produção comercializada de minerais e metais, cujas informações são disponibilizadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM), e representado também pela exportação desses minerais e metais, com dados disponibilizados pela Secretaria de Comércio Exterior (Secex).

Tabela 1 – Exportações dos Estados da Amazônia Legal e o peso dos bens minerais

Estado da Amazônia Legal Minerais e metais Exportações totais -2024

US$ milhões (A)

Exportações de minerais e metais -2024 US$ milhões (B) % das exportações minerais e metais (B/A)
Acre Água mineral, min. construção civil. 87 0 0%
Amapá Ouro, ferro, manganês, cromo, água mineral, caulim, granito. 161 0,017 11%
Amazonas Petróleo, gás natural, estanho, granito, tântalo, água mineral, ouro, ferro-gusa e cascalho. 970 380* 39%
Maranhão Alumina, alumínio, ouro, ferro e ferro-gusa. 5.600 2.196 39%
Mato Grosso Ouro, cobre, minérios de chumbo, zinco e níquel. 27.600 0,507 1,8%
Pará Minério de ferro, cobre, produtos da cadeia do alumínio, manganês, níquel, ouro, estanho, min. const. civil. 23.000 19.000 82,6%
Rondônia Estanho, zinco, manganês, chumbo, zircônio, nióbio, ouro. 2.600 56 2,2%
Roraima Granito, água mineral, estanho, min. const. civil. 314 0,72 0,23%
Tocantins Calcário, ouro, fosfato, granito, ferro, manganês, min. const. civil. 2.500 132 16.5%

Fonte: elaborado a partir de informações do Comex stat e ANM.

Considerando-se o valor arrecadado da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), disponibilizado pela ANM, que é uma proxy da produção mineral, Pará e Minas Gerais responderam por 85% da arrecadação, em 2024. O Pará comercializou minérios a um valor de R$ 98 bilhões[1], o equivalente a 88% de toda a Amazônia Legal. Em termos de exportação total, em 2024 o Pará exportou US$ 23 bilhões, dos quais 82,6% foram provenientes da cadeia de minerais e metais. Essas exportações minero-metálicas representam 87% do que os nove estados da Amazônia Legal exportaram nessa categoria e 19% do que o Brasil exportou.

O valor em dólar das exportações minero-metálicas paraenses alcançou US$ 19 bilhões, o que equivale a posição 122 de 216 países elencados pelo Banco Mundial, ou seja, apenas o que o Pará exporta com minerais e metais está acima do PIB dos 94 países; corresponde ao PIB do Afeganistão (US$ 20 bi, em 2022).

O Estado do Mato Grosso é também um grande exportador; em 2024, gerou divisas da ordem de US$ 27,6 bilhões, mas o grande destaque é para os produtos do agronegócio, com a mineração respondendo por apenas 1,8% desse total, proveniente em quase sua totalidade do ouro.

Ressalte-se que apenas com exceção do Acre e de Roraima, todos os sete estados restantes da Amazônia Legal registraram produção de ouro em 2024. Em 2019 havia registro de extração de ouro em apenas três estados, o que demonstra forte incremento do interesse por essa substância, com sérios efeitos socioambientais, já que boa parte dessa produção é oriunda dos garimpos, muitos dos quais informais e com indícios de produção proveniente de áreas proibidas (Manzolli et al, 2021[v]). Esse avanço se explica pelo forte crescimento dos preços, devido às instabilidades do cenário internacional e a perspectiva para 2025 é também de crescimento, de acordo com análise do Minng Journal (Gráfico 1).

Mapa 1 – Potencial mineral da Amazônia Legal. Fonte: Mining Journal analysis of Trading Economic data [vi]
Em 2024, o ouro foi a commodity que mais se valorizou entre o conjunto de 14 elencados pela análise do Mining Journal; cresceu 28%. Somando-se a isso a forte desvalorização cambial não é difícil estimar que os ganhos elevados, de fato, incentivam o aumento dessa exploração, e tudo o que representa em termos socioambientais.

O Maranhão extrai de seu território, além do ouro, minerais diretamente usados na construção civil (areia, argila, cascalho), granito, calcário e água mineral, todavia, exporta bens minerais processados, cujos minérios são provenientes do Pará (ferro e bauxita, que é a matéria-prima da cadeia do alumínio), que representam 39% no total de suas exportações (US$ 2,2 bi). No caso do Amapá, a mineração responde por 11% das exportações, mas o montante é ínfimo quando se observa o valor total que esse Estado exporta: US$ 161 milhões.

Assim, considerando-se a potência mineral do Pará, e partindo-se da premissa de que a riqueza mineral é fator de prosperidade, era de se esperar que o Estado apresentasse os melhores índices de desenvolvimento da Amazônia. No entanto, não é isso que as estatísticas socioeconômicas revelam. Quando se observa pela ótica econômica, como as exportações já descritas, e pelo do PIB, de fato, o Pará se destaca. É o segundo maior exportador e o maior PIB da Amazônia Legal, ficando na 10ª posição entre as 27 unidades da Federação, nesse indicador.

Gráfico 2 – PIB dos Estados brasileiros (2021) – (excluído São Paulo). Fonte: IBGE – Produto Interno Bruto.

No entanto, considerando-se os impostos recolhidos como proporção do PIB, o Pará cai para a penúltima posição no ranking nacional, apenas perdendo do Amapá, que exporta menos de 1% do que o Pará em termos de minerais e metais, e abaixo do Acre, que em 2024 exportou tão somente US$ 87 milhões e zero de minerais (Gráfico 3).

Gráfico 3 – Impostos como proporção do PIB (2021) dos Estados brasileiros. Fonte: IBGE – Produto interno bruto dos municípios.

Essa limitada capacidade de arrecadação tributária do Pará está diretamente relacionada à sua condição de território de extração e exportação, uma vez que se instituiu no Brasil que produtos básicos e semielaborados destinados ao mercado internacional não recolhem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)[2]. Porém, o ICMS é a principal fonte de financiamento dos Estados e, por conseguinte, das políticas estaduais.

O resultado disso se reflete no deprimido nível dos indicadores socioeconômicos do Estado. Na área da educação, por exemplo, os indicadores de instrução das pessoas de 25 anos ou mais de idade que concluíram curso superior (2023), revelam que o Pará fica na 22ª posição, atrás dos estados do Maranhão e de Alagoas (Gráfico 4), além de registrar 6,4% da população nessa faixa sem instrução, que embora registre melhora ainda está acima da média nacional (6%).

Gráfico 4 – Nível de instrução das pessoas de 25 anos ou mais de idade por Unidades da Federação, em 2023. Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, 2º trimestre, 2023.

O quadro educacional certamente tem influência decisiva sobre a renda domiciliar e, neste quesito, novamente o Pará fica na 21ª posição, na frente de estados nordestinos que não têm a mesma dotação minerária que o Pará (Gráfico 5). Este quadro reflete também a falta de oportunidades econômicas para gerar emprego decente à população do Estado.

Gráfico 5 – Rendimento real efetivo domiciliar per capita médio por Unidades da Federação, em 2024. Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.

O Censo 2022 revela as profundas assimetrias quanto ao acesso ao saneamento, cujo atendimento é crucial para a qualidade de vida, pois afeta diretamente a saúde, a educação, a produtividade e a renda como um todo. Nesse quesito o Pará só perde para Rondônia e para o Maranhão (Mapa 2).

Mapa 2: População com acesso a saneamento, por Estado da Federação. Fonte: Poder 360 com base no Censo do IBGE,2022 [ PODER 360}
Em síntese, o Estado do Pará gera muita riqueza, e com a crescente demanda pelos minerais, em especial os considerados críticos e estratégicos, a perspectiva é de expansão na produção mineral. Essa riqueza é fundamental ao país, pois se trata de divisas que são essenciais para o equilíbrio das contas públicas, mas não fica retida no Estado, o que gera a contradição de o Pará ser um ‘Estado rico e de povo pobre’, com o enfrentamento de enormes carências seu desenvolvimento, revelados por indicadores socioeconômicos bem ruins.

Nesse contexto, o questionamento é: para quem vai a riqueza resultante da mineração no Pará, já que esse imenso potencial não está refletido em seus principais indicadores socioeconômicos?

A resposta é: para os acionistas (Beluzzo, 2019[viii]) e para “apaziguar” a conta cambial do país. Ao Estado resta uma parcela muito pequena, incapaz de promover as mudanças estruturais que tanto necessita. Para o município minerador, a atividade mineral, por intermédio CFEM, chega a representar uma alta proporção das receitas, mas a renda é concentrada e com limitada capacidade para gerar efeitos multiplicadores em uma perspectiva de desenvolvimento regional.

Dessa forma, há muito que ser debatido em termos de política fiscal e de pacto federativo, especialmente neste contexto de reforma tributária, a fim de que a mineração possa ser, de fato, um vetor relevante para o efetivo desenvolvimento da Amazônia, e não apenas um fator de crescimento de setores isolados e de equacionamento das contas externas do Brasil.

Maria Amélia Enríquez é PhD em Desenvolvimento Sustentável, professora da UFPA.
Marcela Paz Enríquez é graduanda em Economia pela UFPA

  • Este artigo é uma versão ampliada e atualizada do artigo “Paradoxo da Riqueza Mineral da Amazônia”, publicado em 2020, pela na revista Brasil Mineral. Disponível em BRASIL MINERAL.

Notas

[1] Considerando-se o dólar médio de R$ 5,39 (https://www.acinh.com.br/publicacoes/indicadores-economicos-e-cambio/moedas/dólar), em 2024, o valor dessa produção nessa moeda equivale a US$ 18,2 bi. Nesse ano o Pará exportou US$ 16,1 (desconsiderando-se o ouro, a alumina, o alumínio e o gusa que são contabilizados como produtos da indústria de transformação). Assim, estima-se que são exportados 88,5% do que o Pará produz de minérios.
[2] Primeiramente pela chamada Lei Kandir (Lei Complementar nº 87 de 13 de setembro de 1996) e ratificada sete anos depois por uma PEC (Emenda Constitucional nº 42, de 18.12.2003).
[i] Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME) criado dentro da Política Pró-Minerais Estratégicos (Decreto nº 10.657, de 24 de março de 2021). Disponível em MME-GOV.
[ii] Acesso em CNN BRASIL.
[iii] BNDES anuncia Chamada Pública de Planos de Negócios para Investimentos em Transformação de Minerais Estratégicos. Disponível em BNDES-GOV.
[iv] Comitê Interministerial de Análise de Projetos de Minerais Estratégicos (CTAPME) criado dentro da Política Pró-Minerais Estratégicos (Decreto nº 10.657, de 24 de março de 2021). Disponível em MME-GOV.
[v] Manzolli et al., B. (2021). Legalidade da Produção de Ouro no Brasil. Belo Horizonte: ICG/UFMG.
[vi] Acesso em MINING JOURNAL.
[vii] Acesso em PODER 360.
[viii] Belluzo, L. G., & Sarti, F. (10 de fevereiro de 2019). Vale: uma empresa financeirizada. Fonte: Le Monde Diplomatique.