Por Juliana Vicentini
Os perigos do compartilhamento constante de informações entre pessoas e objetos pode ser reduzido pelos instrumentos jurídicos e uso consciente das tecnologias
Levantamento realizado pela Data Reportal aponta que mais de 5.16 bilhões de pessoas no mundo usam a internet para entretenimento, estudo, trabalho e para conectar dispositivos. O cenário previsto na década de 1960 no desenho Os Jetsons é uma realidade: smartphones, tablets, notebooks, brinquedos, TVs, geladeiras, automóveis, residência, pulseiras e relógios estão interconectados.
A Internet das Coisas é “a infraestrutura que integra a prestação de serviços de valor adicionado com capacidades de conexão física ou virtual de coisas com dispositivos baseados em tecnologias da informação e comunicação existentes e nas suas evoluções”. Essa definição, proposta pelo Plano Nacional de Internet das Coisas, é considerada incompleta.
Eduardo Magrani, afiliado a Berkman Klein Centro de Internet & Sociedade na Universidade de Harvard, esclarece que o conceito de Internet das Coisas “não acompanhou a evolução da tecnologia que hoje permite interconexão para além da internet”. O relatório da IoT Analytics aponta que a conectividade da Internet das Coisas se concentra em três tecnologias principais: Wi-Fi (31%), Bluetooth (27%) e celular (20%).
“Como a internet é um dos dispositivos, a expressão Internet das Coisas ficou conhecida por isso. Quando falamos Internet das Coisas, excluímos conceitualmente as pessoas e a interconexão dos artefatos que está em constante interação com os seres humanos”, esclarece Eduardo Magrani.
Os artefatos inseridos no âmbito da Internet das Coisas trazem diversos benefícios. Dentre eles, destacam-se monitoramento da saúde, automatização de tarefas, redução do esforço humano, aumento da produtividade, agilidade para buscar e acessar informações e conforto.
O Plano de Ação de IoT no Brasil contempla quatro segmentos principais nos quais a Internet das Coisas é utilizada: cidades (mobilidade; segurança pública; eficiência energética e saneamento; inovação), saúde (doenças crônicas; promoção e prevenção; eficiência de gestão; inovação), rural (uso de recursos naturais e insumos; uso eficiente de maquinário; segurança sanitária; inovação) e industrial (recursos e processos; bens e capital; estoque; inovação).
Tudo que é conectado é vulnerável
O levantamento divulgado pela Associação Brasileira de Internet das Coisas (ABINC) estima que haverá 27 bilhões de dispositivos conectados no mundo no ano de 2025. A interação entre objetos conectados e seres humanos traz alguns riscos para seus usuários. Eduardo Magrani que também é professor de Direito e Tecnologia na Universidade Católica de Lisboa explica que “as coisas compartilham, processam, armazenam, analisam e tratam dados o tempo todo. O tipo de dado coletado varia de acordo com o serviço utilizado. Se você tem um ecossistema doméstico de internet das coisas, ele vai pegar dados relativos à esfera privada do seu domicílio, dados pessoais”. Os dados coletados são armazenados em nuvem, cujo servidor, acesso e compartilhamento depende da empresa detentora das informações.
Há diversos casos de vazamento de dados e violação da privacidade. Uma das situações mais recentes é uma investigada pela Comissão Federal de Comércio e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América, na qual a Alexa, a assistente virtual da Amazon, é acusada de gravar e armazenar a voz de crianças e dados de geolocalização. Segundo a Human Rights Watch, no Brasil, o Ministério Público apura denúncias de que o governo de São Paulo coletava dados de crianças e jovens a partir de plataformas educacionais que foram disponibilizadas para aulas remotas. A mesma organização denuncia que fotos de crianças que sequer foram postadas na rede são utilizadas para alimentar a inteligência artificial, com nome e localização expostos.
Mecanismos jurídicos
A elaboração de leis para regular a Internet das Coisas é desafiadora. É preciso conciliar “interesses políticos, econômicos, sociais e diversas entidades, e definir conceitos adequados que contemplem a evolução tecnológica. A legislação brasileira se inspira em muitas regulações europeias”, completa o professor Magrani. Os mecanismos jurídicos aplicáveis para o contexto da Internet das Coisas no Brasil são o Código de Defesa do Consumidor, Marco Civil da Internet, Lei Geral de Proteção de Dados, Plano Nacional de Internet das Coisas, Marco Legal da Inteligência Artificial, Política Nacional de Cibersegurança.
Medidas de segurança
A diminuição dos riscos que a interconectividade traz não passa pela exclusão tecnológica na vida das pessoas, mas sim, por seu uso consciente. Magrani, que é também autor do livro A Internet das Coisas, pontua que é preciso estar atento à “internet das coisas inúteis”. Para ele, “nem tudo que é conectado é necessário, então, muitos avanços tecnológicos implicam no aumento dos preços e às vezes o artefato analógico já dava conta do recado. É preciso ter uma escolha consciente e informada sobre a tecnologia”.
O posicionamento crítico frente à Internet das Coisas passa pelo conhecimento sobre o tema. “É preciso buscar treinamento e capacitação. Tendo consciência dos riscos, buscar as empresas que estejam sintonizadas com valores que você procura. Há empresas que estão mais envolvidas com o valor de privacidade do que outras. Hoje é possível fazer uma pesquisa sobre isso antes de comprar um equipamento”, afirma Magrani.
No Brasil há iniciativas no sentido de capacitar os usuários para o uso crítico das tecnologias. O Ministério da Educação (MEC) oferece o curso de especialização “Tecnologia Educacional” voltado para educadores, que visa ao treinamento de agentes multiplicadores em educação digital. O Comitê Gestor de Internet também disponibiliza cursos e organiza eventos dedicados a isso.
Juliana Vicentini é doutora em ciências (USP) e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp