Notícias falsas: a pós-verdade e as redes sociais

Por Sarah Schmidt

Não à toa, os holofotes se voltaram para a questão das fake news após as eleições norte-americanas de 2016, quando o magnata Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos e um grande volume de boatos e notícias falsas foram relatados pela mídia.


É muito provável que você já tenha lido alguma notícia, recebida por meio de redes sociais ou aplicativo de conversação, e tenha ficado em dúvida sobre a veracidade das informações. Esse tipo de situação tem se tornado rotina quanto utilizamos plataformas digitais, nas quais a proliferação de notícias falsas, as chamadas fake news, tem atingido números elevados.

De acordo com uma análise realizada pelo BuzzFeed Brasil, baseada em dados do Facebook, no ano de 2016, as dez principais notícias falsas sobre a Operação Lava Jato atingiram 3,9 milhões de engajamentos, enquanto as notícias verdadeiras tiveram 2,7 milhões. O engajamento é medido com base em compartilhamentos, likes e comentários de uma publicação.

Muitas informações falsas se apresentam travestidas de notícias, se utilizando da estética jornalística para confundir internautas. “Geralmente apresentam logotipos muito parecidos com os de veículos renomados e apostam em um layout muito semelhante aos portais sérios”, analisa a pesquisadora em processos colaborativos em jornalismo digital, Ana Brambilla, professora da Cásper Líbero e doutoranda na Universidad Austral com um projeto sobre microjornalismo colaborativo em redes sociais.

Títulos chamativos e inflamados também fazem parte das características comuns desses textos, que ganham dimensões ainda maiores quando o assunto é política. Não à toa, os holofotes se voltaram para a questão das fake news após as eleições norte-americanas de 2016, quando o magnata Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos e um grande volume de boatos e notícias falsas foram relatados pela mídia.

Neste cenário, a Oxford Dictionaries elegeu “pós-verdade” (post-truth) como a palavra do ano de 2016. De acordo com a instituição, pós-verdade designa algo que “se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”. A palavra atingiu um pico de utilização em 2016.

“Não existe mais instituição que me represente na pós-modernidade. O próprio Manuel Castells falou disso, da auto-comunicação. Eu tenho que criar meus fluxos de comunicação, e esses fluxos vão ocorrer inclusive nas redes sociais, pela minha seleção, em quem eu vou confiar ou não. Isso tem a ver com o conceito de pós-verdade”, avalia Brambilla, organizadora dos ebooks Para entender as mídias sociais volumes 1, 2 e 3.

Plataformas de redes sociais e as ações de combate
É comum que as notícias falsas cheguem até nós por meio de plataformas de redes sociais, como uma postagem no Facebook, no Twitter ou mesmo uma mensagem no WhatsApp. Para o professor da Universidade da Beira Interior (Covilhã, Portugal), João Canavilhas, as redes sociais “têm sido o palco privilegiado para a difusão de notícias falsas. A situação atingiu uma dimensão tal que elas próprias se viram obrigadas a criar formas de minimizar o fenômeno”.

Em sua fala, Canavilhas faz referência às propostas do Facebook e do Google para coibir a propagação de fake news em seus sistemas. A plataforma de Zuckerberg pretende criar um mecanismo que permitirá aos usuários marcarem notícias que forem suspeitas. A ideia é que elas sejam avaliadas pela empresa, em parceria com agências de jornalismo e de checagem de fatos (fact-checking). A primeira experiência deve ocorrer durante as eleições presidenciais francesas, que ocorrem em abril e maio.

A Google também anunciou que pretende combater as notícias falsas e uma das ações envolveu a criação do selo “verificação de fatos”, exibido nas URLs das matérias da seção Google Notícias. O mecanismo foi lançado em fevereiro na América Latina e a Agência Lupa, com base no Rio de Janeiro e especializada em fact-checking, é uma das agências do continente que recebem o selo em suas publicações, ao lado da Agência Pública e Aos Fatos. “A parceria vem sendo negociada há um bom tempo, desde o ano passado [2016], quando esteve por aqui o vice-presidente do Google Notícias, Richard Gingras, e houve um jantar, do qual participei, com os principais veículos de comunicação do Brasil”, conta a diretora da Agência Lupa, Cristina Tardáguila.

A parceria, segundo ela, traz, além do selo de verificação de fatos, “uma relevância preferencial na entrega [de textos produzidos pela Agência] nas buscas no Google Notícias”. Segundo a jornalista, uma parceria com o Facebook também deve ocorrer. “Logo após as eleições americanas, a International Fact-Checking Network (IFCN), do Poynter Institute, rede da qual a Lupa faz parte, decidiu elaborar uma carta aberta ao Mark Zuckerberg propondo uma parceria em favor de melhores informações dentro da plataforma. E, para a nossa grata surpresa, a resposta foi positiva. Ocorreram diversas reuniões para alinhar essa parceria”.

A diretora da Agência Lupa explica que o sistema deve chegar em breve ao Brasil e funcionará da seguinte forma: quando um internauta encontrar uma notícia que ele desconfie e fizer uma notificação na plataforma, entrará em ação o trabalho dos checadores. “Eles serão selecionados por uma auditoria dentro do Poynter Institute. Eles vão receber um alerta, entrar nesta base de dados e podem, ou não, fazer a checagem daquela informação. Se o fizerem, publicam em uma plataforma associada ao Facebook e aquela primeira postagem recebe um alerta com uma conclusão do checador, apontando se a informação é verdadeira ou falsa. É um grande avanço”, explica Tardáguila.

Verificação de dados mostrada pelo Google

Segundo a jornalista, a notícia que for marcada como falsa por um checador não será deletada do Facebook. “E também não há nenhum impedimento para compartilhá-la. No momento em que alguém for compartilhar, receberá um alerta: ‘esta notícia foi verificada pela plataforma de checagem X ou Y e foi identificado que essa informação é falsa. Você realmente quer compartilhar isso?’ A lógica com o Facebook vai por aí”.

Engrenagens da propagação: redes, pessoas e microjornalismo
Na visão do professor João Canavilhas, a introdução desses sistemas por parte das plataformas sociais “é um passo gigante no sentido de normalizar um ecossistema noticioso que viu irromper novos intermediários com tamanha força, que têm hoje mais poder do que as próprias fontes tradicionais”. Apesar de as medidas tomadas pelas plataformas se mostrarem importantes, é muito provável que elas, sozinhas, não deem conta do recado.

Isso porque existem outras variáveis envolvidas no processo de disseminação de fake news. Uma delas está ligada à questão econômica: os sites que fabricam notícias falsas ganham dinheiro com publicidade personalizada. De acordo com uma reportagem da Folha de S. Paulo, muitos deles se utilizam da ferramenta Google AdSense para isso.

A ativação dos anúncios ocorre de forma automática e leva em conta número de acessos do site e cliques nos anúncios que são exibidos. Por isso mesmo, os títulos chamativos e sensacionalistas são tão importantes para os sites de notícias falsas. Na mesma reportagem, a Folha fez uma estimativa de quanto o site Pensa Brasil, apontado como um espaço de informações duvidosas, teria ganhado com publicidade online: entre R$ 100 mil a R$ 150 mil por mês, dos quais até 50% ficariam com o intermediário e o restante com o dono do site. O cálculo foi baseado no número de acessos: em março de 2016 o site alcançou 3,2 milhões de visitantes únicos e 10,7 milhões de páginas vistas, segundo a comScore.

Para a pesquisadora em processos colaborativos em jornalismo digital, Ana Brambilla, a ação das plataformas de redes sociais é importante, mas é preciso uma conscientização das pessoas em relação ao que é compartilhado. “O Google pode eventualmente até punir um site de notícias falsas, impedindo que ele coloque publicidade em seu espaço. Mas isso não impede a pessoa de criar um novo endereço, utilizar um novo servidor e começar tudo de novo”, avalia.

Na leitura de Brambilla, “muitas pessoas, quando entram no Facebook, agem como se estivessem ligando a televisão, abrindo um jornal, e se colocam diante daquelas informações como se fossem jornalísticas. Há uma falta de filtro e de critério do público para consumir as informações que estão na rede. Ou seja, a gente consome rede social como se estivesse consumindo mídia de massa”, afirma.

Para a pesquisadora, uma medida importante e necessária é ter paciência diante de uma informação que acabamos de receber e que não sabemos se é verdadeira, e não compartilhar imediatamente. “Se você não consegue checar no exato momento em que recebeu, então aguarde. Mande em privado para uma pessoa de confiança, para avaliar se é algo plausível, se ela está sabendo de algo. Espere até poder checar”.

A validação entre pares é um traço do microjornalismo, conceito que Brambilla está desenvolvendo em seu doutorado na Universidad Austral. Sendo um desdobramento do jornalismo colaborativo, o microjornalismo “é um modelo de jornalismo entre pares em que as microrrealidades contadas pelas redes sociais têm muito mais relevância na vida daquelas pessoas envolvidas. Mais do que o conteúdo abordado de maneira genérica, ampla e tradicional pela grande mídia”, explica.

A proposta é repensar critérios de noticiabilidade, por exemplo. “A própria credibilidade, que é um valor jornalístico, entra em discussão no microjornalismo. Porque eu acabo tendo uma confiança muito maior nos pares do que nas instituições sociais, e vejo como um processo orgânico, de comunidades dentro das redes sociais”.

Neste cenário, Ana Brambilla acredita que o microjornalismo pode ajudar a fortalecer os laços entre os pares e, com isso, as comunidades se auto organizarem, repudiando as notícias falsas. “Se uma pessoa próxima a mim compartilhou uma notícia falsa, naturalmente vou crer porque foi uma pessoa do meu círculo, da minha comunidade. E aí? Acredito que haverá um processo orgânico. Vai acontecer uma vez, até duas vezes, e eu vou acreditar. Até chegar uma hora em que eu vou saber, por outros caminhos, que aquela pessoa está compartilhando um link falso. E eu vou dar um toque nela. Este é o processo que eu imagino”.

Quando a mídia vira notícia
A própria mídia tem sido pauta de matérias ao redor do mundo quando a discussão são as fake news. Há uma comoção para que as notícias falsas sejam denunciadas e seus esquemas expostos. Muitos veículos nacionais e internacionais têm noticiado a questão, como os links que foram compartilhados nesta reportagem, e até o Senado Federal lançou um infográfico com dicas para combater “boatos na internet”, como foram denominados.

Infográfico divulgado pelo Senado com dicas para evitar os boatos de internet

Seguindo esta linha, o jornal Correio Popular, de Campinas (SP), lançou em fevereiro a seção diária “Boatos na rede”, que traz em espaço fixo no impresso e na internet a checagem de informações que circulam em redes sociais e aplicativos. “O principal critério para a escolha do que vai ser checado é a atualidade – boatos recentes são mais interessantes para a publicação. Eles chegam pelos leitores, são captados nas redes sociais e checados junto às fontes oficiais para serem desmentidos, ou não. Os jornalistas também vasculham a rede à procura de falsas notícias para gerar o conteúdo da seção”, explica o jornalista Ricardo Fernandes, editor do Correio.com.

Para Cristina Tardáguila, da Agência Lupa, é preciso estar nas redes sociais e combater as informações falsas com as verdadeiras. “As redes sociais são o campo de batalha para o fact checker. É o lugar onde ele exercita a coleta de informações truncadas, na grande maioria das vezes, e também onde ele desova e apresenta com mais eficiência seu trabalho. É um espaço de luta do checador, e é um espaço que tem que ser cada vez mais ocupado por eles”.

Sarah Schmidt é jornalista, mestre em divulgação científica e cultural pelo Labjor/Unicamp e professora da pós-graduação em Gestão da Comunicação em Mídias Digitais do Senac-Campinas. Escreve sobre novas tecnologias, mídia e cultura digital.