Por Daniel Rangel
É preciso soluções integradas, que levem em conta aspectos sociais, econômicos e ambientais
Moradia, local de trabalho e serviços fisicamente próximos, transporte público eficiente e de qualidade para deslocamentos mais distantes, espaço físico planejado ao bem-estar dos pedestres e integrado à natureza são condições da mobilidade de territórios sustentáveis.
A sustentabilidade é bastante complexa e vai muito além do que apenas pensar em motores elétricos ou automóveis movidos a fontes renováveis de energia – entram na conta geometria de ruas, calçadas e espaços públicos em geral. Marcela Noronha, pesquisadora associada do Centro de Estudos sobre Urbanização para o Conhecimento e a Inovação (Ceuci) da Unicamp, explica que quando se pensa em mobilidade leva-se em consideração origens e destinos. Por exemplo: de seu apartamento (origem), desloca-se até seu local de trabalho (destino 1), depois para a academia (destino 2), e mercado (destino 3), retornando ao seu apartamento (origem). No cenário ideal de mobilidade urbana sustentável todos os destinos estariam próximos de sua origem, de modo que fosse possível se deslocar de um ponto ao outro sem a necessidade de utilizar o carro. “O encurtamento das distâncias que os habitantes precisam percorrer diariamente é um dos principais fatores para aumentar a atratividade dos meios ativos de transporte, como o caminhar e a bicicleta, que são os modais mais democráticos que existem, por seu baixo custo e capilaridade”, comenta Marcela. Para isso, é preciso estrutura favorável como calçadas e vias bem construídas para um trajeto seguro.
Uma área com mobilidade sustentável é um atrativo para cérebros e recursos financeiros e, além de favorecer o bem-estar, também pode propiciar o encontro e a troca de ideias, impactando, assim, nos resultados e inovações criadas nesse território. Uma vez que os espaços e transportes públicos são mais utilizados, aumentam as chances de encontros entre os diversos agentes, com conhecimentos e visões variadas. Esses encontros e intercâmbios de ideias têm potencial para gerar transformações sociais profundas e inovações significativas.
Silvia Stuchi, pesquisadora associada do Ceuci que estuda territórios baseados no conhecimento, aponta algumas das boas práticas que foram mapeadas em locais de destaque no mundo: incentivo ao transporte a pé ou de bicicleta; segurança pública e viária, redução dos limites de velocidade, iluminação que prioriza os pedestres, totens com câmeras e interfone para denúncias de situações de risco, transporte público, transporte para pessoas com deficiências, áreas e estacionamentos preferenciais para serviços de compartilhamento de carros e caronas.
A gestão da mobilidade sustentável depende do acesso às tecnologias da informação e comunicação que permitam monitorar e mapear o complexo sistema. A participação social também é crucial para o sucesso das práticas implementadas. Sílvia explica que é importante criar meios para a população expressar suas opiniões e, assim, contribuir na formação de estratégias e políticas para melhorar a mobilidade urbana. “O engajamento efetivo dos interessados (stakeholders), um modelo de governança sólido e a participação social ativa são ingredientes essenciais para a mobilidade urbana bem-sucedida em distritos de inovação e parques tecnológicos”, completa Silvia.
Do círculo vicioso para o círculo virtuoso
A mobilidade nas grandes capitais brasileiras, baseada em carros e poucas opções adequadas de transporte público, é insustentável. Um trabalho publicado por Thiago Neri e Carlos Júnior, das universidades estaduais de Maringá e de Londrina, respectivamente, investigou o efeito barreira que as rodovias podem causar na mobilidade da população ao seu redor. “As infraestruturas rodoviárias em trechos urbanos são elementos que impactam nos padrões de viagens das pessoas, sobretudo nas áreas onde as condições de transposição deste obstáculo são escassas”, escrevem os autores. Os pesquisadores constataram que os mais prejudicados por essas barreiras são os cidadãos com renda menor – que acabam comprometendo parte dos rendimentos que poderiam usar com alimentação, saúde ou educação para a compra de veículos motorizados.
Por outro lado, ações que priorizem e incentivem o transporte a pé, de bicicleta ou público tendem a tornar os deslocamentos de carro menos atrativos (trechos muito curtos para o uso de automóvel, ruas com limites de velocidade mais baixos, taxas de estacionamento, por exemplo). Assim, cria-se a demanda por melhorias constantes nos transportes públicos e nas vias destinadas a pedestres e bicicletas, atraindo mais cidadãos dispostos a deixar o carro de lado, gerando um círculo virtuoso, com benefícios para o território e para os cidadãos.
Daniel Rangel é formado em jornalismo e ciências, doutor em biotecnologia e monitoramento ambiental (UFSCar). Cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp.