Alguns meses depois da última entrevista, voltei à casa de Yvonne para buscar uns livros que eu havia emprestado a ela.
—Se tudo sair perfeito —eu havia dito—, o texto poderia se parecer com algum destes.
Eram três coleções de crônicas literárias: El viaje más largo de Leonardo Padura, Il est avantageux d’avoir où aller de Emmanuel Carrère e Music for chameleons de Truman Capote. Quando cheguei, Yvonne os tinha colocado em cima da mesa. Ao abri-los, encontrei um papel dentro de cada um, com breves resenhas sobre as crônicas que ela havia lido. O primeiro que chamou minha atenção foi sua caligrafia cuidadosa. Depois, numa rápida olhada, vi que o que ela havia anotado era o tema sobre o qual tratavam, certas palavras cujo significado teria de buscar no dicionário, e sua opinião. Como já imaginava, o que mais havia gostado era o de Leonardo Padura.
—São umas histórias muito bonitas —ela me disse.
—O que você acha da literatura sombria?
—Que, se você não tem algo belo para dizer, muitas vezes é melhor não dizer nada. A vida está cheia de obrigações que devemos cumprir, e cumprir bem, e cumprir contentes.
Depois, falamos sobre literatura em língua portuguesa. Sobre João Guimarães Rosa, Jorge Amado, Fernando Pessoa e alguns outros. Ela se surpreendeu quando lhe disse que, para mim, José Saramago me parecia um escritor medíocre. Yvonne reconhecia que, após uma vida dedicada a determinar a estrutura da matéria a nível atômico, agora preocupava-se mais com os «problemas macroscópicos». Questões como: a espécie humana será capaz de sobreviver outros 70.000 anos? Mostra-se preocupada, mas no fundo tem mais esperança que dúvidas. Confia na ciência e nas virtudes do ser humano. Talvez os pessimistas antropológicos possam acusá-la de acreditar no sonho do humanismo, mas eu acho que Yvonne refletiu bastante sobre este assunto. Um dia ela me contou como o gato de sua filha caçava pássaros sem necessidade de comer:
—Matava-os com uma patada e depois os deixava no chão…
Esse tipo de coisa a fazia pensar. Talvez nós também sejamos bichinhos tão limitados e sujeitos às nossas necessidades primárias que não haja solução possível. Pelo menos em grande escala. Para ela, se olhasse para trás, naquele jardim, em seus círculos, o sonho do humanismo tinha sido, de alguma forma, possível. Suponho que a pergunta essencial, para a qual Yvonne não tinha resposta, é: será possível estender esse jardim por todo o mundo?
Em algum ponto da conversa, Yvonne me perguntou:
—E você? Como está indo com o texto?
Eu tinha me comprometido a passar-lhe algumas amostras, mas não estava convencido com os resultados.
—Bom —disse a ela—, acho que ainda não encontrei a forma de contá-lo. Estou…
—Esse negócio de escrever é um trabalho sem fim; eu sei —disse-me ela—, sempre ficam detalhes para corrigir —e em seguida explicou que tinha em mente escrever as biografias de algumas cientistas relevantes—: se ficarem boas, talvez possa publicá-las todas juntas em um livro.
A Yvonne adora as histórias daquelas pessoas que se propuseram grandes coisas, e que as alcançaram. Contou-me sobre Kathleen Lonsdale, e sobre Tu Youyou, e então, ao me ver um pouco pensativo, apressou-se em dizer:
—Não é necessário que me mostre o texto. Estou apenas curiosa, nada mais. Não tenho intenção de censurá-lo. O que você escrever corresponderá à visão que você tem de mim; algo que, a estas alturas, já não me pertence. Para escrever é preciso ter liberdade. Faça o melhor que puder. Só espero que não fique esquecido em um memorial.