Quando suas estadias estavam chegando ao fim, Sergio e Yvonne receberam ofertas para continuar suas carreiras nos Estados Unidos. Completar o programa de doutorado levaria entre quatro e seis anos; depois, quem sabe. Os dois eram conscientes de que estavam diante de um ponto de inflexão em suas vidas. A Yvonne não se importava em ficar; Sergio era mais inclinado a voltar: e eles voltaram.
—As coisas teriam sido muito diferentes. Talvez tivéssemos tido uma formação melhor. Pelo menos teríamos podido nos formar sem ter que trabalhar ao mesmo tempo. Mas eu acredito que nosso lugar é, e sempre foi, o Brasil. Apesar de todos os desgostos que me causa, não consigo me imaginar vivendo longe daqui. Naquela época, tínhamos a sensação de que aqui seríamos importantes, de que poderíamos contribuir com coisas úteis. No meu caso: introduzir a cristalografia estrutural experimental no Brasil. Naquele momento, ela era explicada em alguns cursos universitários, mas não havia nenhum laboratório. Sendo o Brasil um país tão rico em minerais… Isso não podia ficar assim! Enfim, olhando as coisas em perspectiva, parece que acertamos.
A partir de então, Yvonne se tornaria uma promotora. O centro em torno do qual o campo da cristalografia no Brasil se articularia. Era uma jovem de apenas trinta anos, mas seus colegas já se apoiavam nela sem hesitar.
—Não te deu vertigem tanta responsabilidade de repente? —pergunto.
—Eu não sou competitiva. Nunca me lancei para presidir nem para dirigir nada. Simplesmente fui solicitada e as coisas foram acontecendo de maneira natural. Por isso, não tive dúvidas de que conseguiria fazer bem. E a verdade é que não foi um grande sacrifício. Eu gostava.
Yvonne exibe um ar aristocrático no melhor sentido. Ela considera o futuro, mas não se desfaz perante o presente. É capaz de controlar suas paixões e acha fácil estar à altura das circunstâncias. Não dá para imaginar ela se desculpando com um: «desculpa, mas você me pegou em um mau momento». Visto de fora, parece ter encontrado certas chaves, ter chegado a entender algo profundo e ininteligível, algo como que a vida está viva. Certamente, parece ter menos dúvidas que os demais. Se você sugerir isso, ela acha engraçado:
—Não, não… —ela nega e me olha gentilmente—. Eu também tenho minhas dúvidas e meus medos. Quando estou desorientada, o que me ajuda é não parar. Acredito que fazer coisas, e tentar fazê-las da melhor maneira possível, dá um sentido à vida. Todas as pessoas deveriam encontrar uma nobre tarefa e se dedicar a ela. Cada um com a sua, pode ser qualquer coisa, há uma infinidade de alternativas. Só com isso, o mundo estaria muito melhor.
Os que trabalharam com ela brincavam dizendo que Yvonne era a primeira inimiga do segundo princípio da termodinâmica: por onde ela passava, as coisas se organizavam. Em todas minhas buscas, não encontrei ninguém que falasse mal dela.
No que diz respeito à cristalografia, nos anos 60, a maioria das moléculas, mesmo as mais utilizadas em aplicações industriais, ainda estavam por ser caracterizadas. Era uma questão de reunir dinheiro para montar os equipamentos e depois trabalhar na resolução de suas estruturas. A tarefa era complicada. Resolver uma simples molécula poderia significar anos de trabalho. As complicações que surgiam pelo caminho costumavam ser de caráter técnico: um elemento que não cristalizava bem, outro cujas ligações se rompiam se a intensidade dos raios X fosse muito alta, imagens ruidosas ou problemas de cálculo. Esses em geral eram resolvidos por meio de uma série de soluções particulares. Não havia necessidade de grandes ideias abstratas, mas sim de habilidade, paciência e astúcia. Os desafios que cada amostra apresentava eram diferentes e era preciso ser inventivo para determinar suas estruturas da maneira mais precisa possível.
—Nunca sabias o que irias encontrar quando escolhias uma amostra para estudar. As mais complicadas eram as biológicas. Essas sim que davam problemas, porque são muito delicadas e complexas. Nós começamos estudando amostras mais simples: moléculas orgânicas pequenas, ligas metálicas…
As colaborações que Yvonne havia estabelecido em Pittsburgh permitiram-lhe dar continuidade a alguns experimentos que, com a infraestrutura disponível no Brasil, não teriam sido possíveis. Durante sua estadia nos Estados Unidos ela teve a oportunidade de conhecer membros da União Internacional de Cristalografia (IUCR), e já de volta no Brasil, recebeu uma carta em que secretario solicitava sua intervenção. Pelo visto, o Brasil estava há vários anos sem pagar a cota da União Internacional de Cristalografia (IUCR). Apenas algumas ligações telefônicas foram suficientes para resolver o problema: a dívida foi paga e ela foi nomeada delegada do Brasil na próxima reunião.
—Qual é realmente a função das Academias, Sociedades, Uniões e demais organizações deste tipo? —pergunto.
—Talvez não sejam os elementos mais apaixonantes da ciência —diz ela—, mas não são meros clubes de amigos destinados a monopolizar o poder político. Eles dão suporte aos diferentes campos. São instituições eficazes para obter financiamento e divulgar os resultados. Também servem para estabelecer normas. Uniformizam as nomenclaturas, os conceitos e as categorias. Em cristalografia, por exemplo, existem certas regras para descrever os cristais, coletadas e expostas pela IUCR. Assim, os cristalógrafos podemos nos comunicar de maneira eficiente com outros cientistas. Com os mineralogistas, por exemplo.
—Entendo… —digo.
—Não subestime o trabalho político —responde ela, perspicazmente—. A política é muito importante. Para que a ciência funcione, é necessário coordenar milhares de pessoas. Tem que decidir como e quando distribuir os recursos… Recursos que são limitados. É uma tarefa complicadíssima e incessante para aqueles que têm que exercê-la. Para toda instituição, os problemas administrativos são vitais. E, apesar de ser um trabalho aparentemente simples, intelectualmente falando, a nível emocional é muito difícil. Um bom líder realmente faz a diferença.
—O carisma é importante?
—Claro. Muito importante. O carisma e a inteligência. Somos animais sociais.
Em 1961, na época em que nasceu Helena, sua terceira filha, Yvonne organizava alguns dos resultados que já tinha e incorporava outros à sua tese de doutorado. Sua mãe, que vinha do Rio de Janeiro e passava temporadas em São Carlos, e as empregadas domésticas, ajudavam-na com a criação dos filhos. O título de doutora lhe proporcionaria uma maior independência. Seu grupo de pesquisa, conhecido como o grupo de cristalografia da EESC/USP, seria formado nos anos seguintes. Yvonne tinha consciência de que as carreiras de seus estudantes dependiam de seu desempenho como orientadora. Não só dos conhecimentos técnicos que pudesse ensinar ou do grau de motivação que fosse capaz de provocar neles, mas também de sua capacidade para conseguir financiamento e estabelecer colaborações internacionais onde seus alunos pudessem realizar estadias produtivas, como a sua. Como chefe, Yvonne era respeitada sem ser autoritária. Seus ex-alunos concordam que, quando chegavam trabalhos pesados, ela era a primeira a arregaçar as mangas, e que exercia a liderança pelo exemplo. Eu tenho a impressão de que, aqueles que trabalhavam com ela (alunos e professores), tentavam sempre estar à altura, para não decepcioná-la, e talvez, um dia, ter sua admiração. Por sua parte, Yvonne diz que nunca teve nenhuma grande decepção com seus alunos:
—Tive alguns mais tranquilos, aos quais não preocupava muito se as coisas não funcionassem, e outros que se angustiavam se os resultados não chegavam logo. Isso depende do espírito de cada um. Por exemplo, há pessoas que não são capazes de realizar várias tarefas em paralelo. É muito curioso. Evidentemente, há alunos que quase não precisam de ajuda, porque são brilhantes. Mas enfim, eu procurei estimulá-los da melhor forma que pude.
Se pudesse escolher, Yvonne preferia alunos um pouco inconformistas, com iniciativa própria, porque por trás dessa atitude poderia estar o germe da curiosidade.
—Eu penso que durante o doutorado adquire-se uma certa maneira de pensar —diz Yvonne—; uma maneira de pensar que poderíamos chamar de «científica», que consiste em não aceitar as coisas tal como se apresentam, mas em refletir sobre elas. Além disso, e isso é muito importante, o trabalho científico obriga a comprometer-se com certos princípios éticos. Por exemplo, nunca jamais se devem alterar os dados experimentais. Isso, de alguma forma, acaba permeando no caráter das pessoas. Também para suas vidas fora da ciência. O compromisso com a verdade implica uma ética.
A partir de então, uma parte considerável do seu tempo seria dedicada a escrever projetos destinados a solicitar financiamento. Os principais órgãos brasileiros encarregados de financiar a ciência, o CNPq e o CAPES, recém-fundados em 1951, conseguiram dar um primeiro impulso aos centros de pesquisa do país. No caso do estado de São Paulo, a situação era ainda mais favorável, pois em 1962 foi criada a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A própria Constituição paulista, em uma lei estadual recolhida em seu artigo 123, estabelecia: «Anualmente, o Estado atribuirá a essa fundação uma quantia não inferior a 0,5% de seus rendimentos tributários». Quantia que seria elevada para 1% em 1989. O Estado de São Paulo apostava assim de maneira firme pela ciência e as consequências se materializariam de maneira quase imediata. A presença de professores estrangeiros no Brasil, e de brasileiros no exterior, começou a ser algo habitual. E suas universidades, com a USP à frente, a aparecer em posições de destaque nos rankings mundiais. A ciência brasileira começava a abrir um espaço no panorama internacional. Neste contexto, Yvonne viu como alguns de seus projetos eram aprovados. O primeiro equipamento caro que puderam financiar foi uma câmera de Weissenberg, um tipo de difratômetro de raios X, destinado a realizar experimentos de cristalografia. E pouco depois, em associação com outros professores, formaram o Centro de Processamento de Dados (CPD) e puderam comprar um computador IBM1620. Assim, o grupo de Yvonne iniciava uma lenta transição que os levaria da análise manual dos padrões de difração para os novos métodos de aquisição de dados automatizados, que agilizavam enormemente o processo.
—Muito dinheiro público é investido nas universidades e em pesquisa —digo, e Yvonne me olha, curiosa para saber onde quero chegar—. Ainda assim, sempre pedimos mais —continuo—. Mas quais são esses produtos indiscutivelmente benéficos que a ciência trouxe, ou tem trazido, para as nossas sociedades? E se existem necessidades mais urgentes e os recursos são limitados: até que ponto vale a pena investir em ciência?
—Primeiro, tenho que dizer que o conhecimento é um valor em si mesmo. Um valor inestimável… As universidades produzem conhecimento e formam seus alunos. Em uma civilização, quanto mais pessoas houver preocupadas em conhecer o mundo, mais alta estará na hierarquia internacional. Além disso, a pesquisa gera tecnologia. Países que não investem em pesquisa empobrecem porque seus produtos têm pouco valor agregado. Por exemplo, no Brasil, temos acesso a muitos produtos, mas somos apenas consumidores. Não sei até que ponto devem chegar os investimentos, mas sei que hoje, neste país, estamos longe de alcançá-lo. Dito isso, reconheço que existe um problema que não deve ser ignorado: a pesquisa científica não ser auto-sustentável. Deveríamos avançar nessa direção envolvendo as empresas nos projetos de pesquisa. Tentar vender produtos resultantes de projetos anteriores para financiar os novos. Pelo menos para que o financiamento não dependa apenas de recursos públicos.
—A propósito do conhecimento científico: com quais verdades da ciência podemos realmente nos comprometer?
—Há certos aspectos em que as ciências estão sujeitas a interpretações. Elas também partem de certos princípios. Mas exigem evidências replicáveis e estatisticamente significativas. Sem observações experimentais, as teorias não podem ser verificadas. São elucubrações úteis, mas elucubrações. A verdade nas ciências tem que ser baseada em fatos. Hoje, transplantes de coração que duram anos são um fato, isso é ciência.
—E em campos menos tangíveis? Por exemplo, o seu, a cristalografia.
—Em geral, as verdades científicas são verdades dentro de um conjunto de definições e experimentos. Um cristal é resolvido dentro do campo da cristalografia. Creio que, nesse caso, a distância entre a realidade (o cristal em si) e o resultado (a estrutura resolvida) está determinada pela resolução espacial da medida. Até aí vai nossa verdade. Mas eu acredito que existem verdades que transcendem os próprios campos. Que o universo é feito de ondas e partículas que trocam energia. E que quanto menores forem as partículas a ser observadas, mais energia terão de transportar as ondas com as quais «iluminá-las».
—Ao definir as linhas estratégicas da sua pesquisa, quando era jovem e estava começando, teve tempo de considerar esse tipo de questão?
—Ao pesquisador moderno convém ter uma noção geral do que é a ciência, e da história do seu campo, mas isso não é o que o levará ao sucesso. Para ser competitivo, precisa se concentrar em uma área muito específica, em um pequeno problema, e tentar fazer algo novo. Observar algo que ninguém observou; ou fazê-lo, pelo menos, de outra forma. Foi o que eu fiz. Quando começa, nunca se sabe com certeza onde o trabalho o levará. É por um esforço coletivo, de muitos pesquisadores, que a ciência progride.
—Isso quer dizer que os tempos dos grandes pensadores, como Newton ou Leibniz, acabaram?
—Deve ter sido uma época linda —diz ela; gosta do desafio—. Não me importaria de viver nela…
—Mas se ninguém pensa no geral, quem deve legislar sobre as novas tecnologias?
—Pessoas especializadas com profundos conhecimentos técnicos. Isso com certeza. Se possível, com boas intenções… —sorri—. Estou ciente de que é um problema de suma importância; e muito complicado. A situação ecológica do planeta é desesperadora, mas sou otimista. As ciências não devem ser amorais. Existem soluções que são objetivamente melhores para o ser humano: para sua sobrevivência. Confio que, de alguma forma, provavelmente em colaboração com as ciências humanas, as encontraremos e faremos um bom uso da tecnologia.
Presumo que Sergio e Yvonne não sentiam maior atração pelo luxo. Talvez estivessem preocupados em garantir o futuro de seus filhos, mas isso já haviam conseguido. O fato é que seus salários permitiam levar uma vida confortável, sem preocupações econômicas de qualquer tipo. As coisas iam bem para eles. O jardim de sua casa, amplo, verde e cheio de árvores floridas, havia se tornado um dos locais mais agradáveis para passar a tarde na cidade. Professores estrangeiros que passavam por São Carlos para ministrar um curso ou realizar uma estadia frequentavam aquele jardim, onde eram convidados a beber cerveja e comer carne na brasa. E quando partiam, faziam-no surpresos pelo caloroso tratamento recebido. Partiam, sobretudo, com vontade de voltar. Assim, o terreno era preparado para futuras colaborações e a rede da ciência brasileira se expandia. Que «os brasileiros são muito acolhedores» é algo que ainda hoje se ouve nos círculos acadêmicos de todo o mundo. Naquelas noites no jardim dos Mascarenhas, as conversas costumavam se estender até altas horas. Falavam, entre outras coisas, sobre política. Após o golpe de estado de 1964, acabara de se instaurar a ditadura militar no Brasil. O cenário de fundo era bastante similar ao vivido, ao longo do século XX, pelos demais países latino-americanos: um presidente reformista, campanhas de expropriação de capital privado, inflação e outros problemas econômicos, generais do exército e grandes meios de comunicação frontalmente opostos ao governo e, por último, intervenção estrangeira.
—Estávamos preocupados —conta-me Yvonne—. Não sabíamos muito bem o que esperar.
Os mais assíduos ao jardim dos Mascarenhas, e também os eventuais, concordavam sobre este assunto. Eram a favor da democracia e do respeito aos direitos humanos. Mas consideravam que sua luta deveria ser travada nos artigos científicos e na formação de estudantes, mais do que em panfletos, resistência ou exílio.
—O que você acha da Declaração Universal dos Direitos Humanos? —pergunto—. Você acredita que é verdade que o humanismo está em crise?
—Apesar de terem passado mais de 70 anos e de ainda não serem cumpridos, pelo menos estão escritos preto no branco. Não se pode negar que já houve progresso. As utopias servem como referência, para nos direcionar na direção correta. Mas digo mais: neste momento é perfeitamente viável que ninguém passe fome no mundo, nem tenha falta de trabalho. Isso não é utópico, isso pode e deve acontecer.
—Quanto poder têm os professores universitários?
—Muito pouco.
—Nem mesmo aqueles que ocuparam cargos diretivos importantes? Imagino que, de vez em quando, os reitores se reúnam com os ministros…
—O mundo acadêmico está totalmente submetido a outros poderes. O verdadeiro poder está nas mãos das oligarquias; pelo menos neste país. Os empresários, os latifundiários, a classe política… Os professores não têm poder efetivo para mudar as leis. Mal temos voz e, na verdade, frequentemente falamos apenas para nós mesmos.
Sua posição implicava frequentes reuniões e viagens dentro e fora do país. Yvonne navegava nesse ambiente como um peixe na água. Gostava de conviver com aquelas pessoas refinadas e educadas, que desde o início a aceitaram como uma delas. Aquela seriedade no trabalho, aquelas brincadeiras sem sarcasmos, aquela disciplina e aquela visão ampla; tudo isso fazia Yvonne se sentir em boa companhia.
—Eu gosto de pessoas que tentam fazer bem as coisas. Acho até desonesto a atitude daqueles que não se esforçam no trabalho. Com a quantidade de bons exemplos que existem… Em todas as áreas! Não há nada mais triste do que estar no consultório médico e perceber que ele não é um bom profissional.
No congresso da União Internacional de Cristalografia realizado em Moscou em 1966, Yvonne teria o privilégio de conviver com Jenny Glusker e de conhecer Ada Yonath. Ambas mundialmente conhecidas pela resolução da estrutura de proteínas e complexos
—O que fazer com colegas que você não gosta? —pergunto.
—Bem, não convidá-los para jantar em casa toda semana… Como trabalhamos em grupo, é necessário ter paciência e cautela. Em todos esses anos, acredito que nunca rompi com ninguém.
Em 1968, os Mascarenhas sairiam, juntos novamente, para realizar outra estadia na Universidade de Princeton. Quando Yvonne chegou ao laboratório de Neil Bartlett, ainda não tinham sintetizado os compostos de gases nobres que ela usaria em seu projeto. Então, sem nada melhor para fazer, deslocou-se cerca de 500 quilômetros para o interior do continente para trabalhar com seus antigos colegas, enquanto durasse a espera. No Laboratório de Cristalografia de Pittsburgh, acabaram de adquirir um difratômetro automático. Esse avanço elevava o rendimento dos experimentos de maneira significativa, devido ao grande número de reflexões que podiam ser captadas. Bryan Craven sugeriu Yvonne fazer turnos: ele pela manhã e à tarde, e ela pela noite. Queria ser capaz de resolver a amostra de um ácido, o clorocuprato de bis-(11-amino-undecanoico), que outra colega, Lucia Tosi, havia sintetizado para ela na França. O problema era que, apesar de ser um difratômetro automático, era necessário interagir manualmente quando os cartões perfurados em que se registravam as medidas se engastalhavam. Em questão de uma semana conseguiram terminar a parte experimental; a análise dos padrões ficaria para mais tarde. Depois, os meses em Princeton passaram ligeiros, e uma vez de volta em São Carlos, no final do ano seguinte, nasceria seu quarto filho, Paulo Roberto; Yvonne tinha 38 anos. Desta vez, depois do parto, sentiu-se mal por algum tempo. Era como se tivesse perdido as forças. Após múltiplas provas médicas, foi diagnosticada com a doença de Crohn. Uma dolência gastrointestinal para a qual nem os medicamentos nem os procedimentos cirúrgicos são capazes de oferecer uma cura; apenas tratamentos para os sintomas. Ao longo das seguintes décadas, Yvonne teria um par de crises passageiras, nas quais procurou se manter ocupada.
—Como é uma doença autoimune, não posso saber se estou curada. Mas há mais de dez anos não voltei a ter nenhum problema. Então, se não sarou, pelo menos está profundamente adormecida.