Yvonne Primerano nasceu em 1931, em Pederneiras, uma pequena cidade no interior do estado de São Paulo, onde, naquela época, ainda não havia nem sinal das indústrias automotivas. A cidade, assim como o restante dos municípios da região, vivia da agricultura: principalmente das plantações de café. Sua mãe, Luiza Lopes Primerano, tinha um temperamento tranquilo. Descendia de uma antiga família de fazendeiros de Campinas empobrecidos no fim do século XIX. Seu pai, de origem italiana calabresa, era mais agitado e tinha vocação para o comércio. É difícil imaginar os motivos pelos quais seu avô paterno, Giuseppe Primerano, decidiu emigrar aos 57 anos, viúvo e sem companhia, da Calábria para o Brasil. Mas o fato é que aprendeu rápido o português e logo encontrou Catharina Cangemi, outra imigrante que estava em situação parecida com a dele. Eles se casaram e juntos montaram um pequeno hotel justamente lá, em Pederneiras. Funcionou ao menos para manter a família durante um par de décadas, no entanto, quando os pais de Yvonne herdaram, o negócio já estava em declínio. Os efeitos da quebra da bolsa americana de 1929 também haviam alcançado aquela remota região. De modo que, sendo Yvonne ainda criança, a família mudou-se, em busca de melhores oportunidades, para o bairro de Santana na cidade de São Paulo. No início, seu pai tentou a profissão de vendedor de seguros de vida, viajando por todo o estado de São Paulo para vendê-los. Mais tarde, foi contratado em um grande empório de produtos alimentícios. Os que o recordam, dizem que era um senhor exuberante e que foi ele quem inventou o negócio das cestas de Natal; pelo menos no Brasil.
—Meu pai falava muito e conhecia muita gente —conta-me Yvonne—. Era um homem simples, mas sabia recitar de cor trechos da Divina Comédia. Pouco tempo depois, o senhor Francisco Primerano, foi contratado como gerente em uma companhia de seguros no Rio de Janeiro, que na época era a capital do país, e a família mudou-se novamente. Com o novo salário, puderam se permitir viver no bairro de Copacabana. E, além disso, que Yvonne e suas irmãs pudessem estudar em um de seus melhores colégios: o prestigiado «Mello e Souza».
—Meus pais nunca foram pessoas de luxos —diz Yvonne, que lembra, mais bem, sua infância como uma época de sacrifícios—. Agora temos tantas coisas que não precisamos… —acrescenta, e olha ao seu redor, satisfeita e ao mesmo tempo resignada.
Eu penso que, por mim, certamente, gostaria de ter esse jardim, e a olho assentindo com a cabeça.
—Talvez muitas comodidades —diz, encerrando o assunto—. Mas enfim: diga-me o que você quer saber—; e se prepara para escutar outra pergunta.
Ela insistiu que prefere que eu vá adiantando os temas, principalmente se vamos tocar em filosofia, porque não quer ter que dizer a primeira bobagem que lhe vier à cabeça. A Yvonne gostava de ir à escola. Não era a mais bonita nem a mais engraçada da classe, passava mais despercebida, mas gostava de estar na companhia das outras meninas. Por outro lado, foi uma boa aluna. No início, sentia-se mais atraída pelo currículo de letras do que pelo de ciências. Provavelmente porque tinha lido romances de aventura, como A Ilha do Tesouro, e ouvido as façanhas de alguns grandes homens da história: Cervantes, Napoleão, o rei Dom Pedro, os primeiros missionários cristãos, as expedições dos bandeirantes…
—Apesar de que optei pelo Curso Clássico, onde, entretanto ainda tínhamos algumas disciplinas de ciências —me diz—. Lembro de um professor, Albert Ebert, que era muito bom, muito motivador. Então éramos mais fáceis de impressionar, e penso que talvez tenham sido suas aulas que me fizeram decidir pela carreira em Química. Provavelmente tive outros motivos, não sei; ao final, sempre tentamos dar uma ordem e um sentido à nossa vida. Não é?
Consigo imaginar aquelas aulas, nas quais Albert explicava às suas alunas e alunos que, no fundo, tudo era Química e que as descobertas que se faziam diariamente nos laboratórios eram capazes de transformar o mundo. Suponho que Yvonne, a jovem de dezessete anos, não chegou a compreender as implicações dessa postura em relação à natureza e ao papel das ciências, mas sem dúvida percebeu o entusiasmo do professor, e intuiu o poder dessa disciplina capaz de analisar a matéria até seus elementos fundamentais. Ao comentá-lo com suas companheiras, Yvonne notou que elas também gostavam daquelas aulas, mas que não eram cativadas da mesma maneira. Simplesmente admitiam que sim, que aqueles temas eram «muito interessantes», mas não lhes davam maior importância. Então a Yvonne, pela primeira vez, passou pela cabeça a ideia de que talvez pudesse se destacar como cientista.