Por Rafael Revadam
Após cinco anos do Acordo de Paris, um tratado firmado por 195 países com o objetivo de minimizar as consequências do aquecimento global, já se percebeu que reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera não é o suficiente para combater as mudanças climáticas. Nesse cenário, novas soluções se tornaram essenciais para captura e armazenamento do gás. Assim, cientistas chegaram às técnicas de captura e armazenamento do carbono. Por meio de rochas e cavernas, o CO2 extraído juntamente com gases naturais é aprisionado, e não chega à atmosfera.
“É devolver o CO2 para o local onde você retirou o combustível fóssil, e ter uma garantia de que ele não vá escapar”, explica o professor Julio Meneghini, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Meneghini integra o RCGI – Research Centre for Gas Innovation (Centro de Pesquisa para Inovação em Gás, em português), um grupo de pesquisas da USP, em parceria com a Fapesp, que desenvolve soluções não só sobre captura e armazenamento de CO2, mas como a sociedade também pode gerir, transportar e utilizar o carbono, de modo que ele deixe de ser um ativo poluente e uma ameaça à atmosfera. “A captura e o armazenamento de CO2 não serão a única solução para combater o aquecimento global, a bala de prata, como dizem. Isso não existe. Mas é por meio de um conjunto de ações que você consegue fechar bem a conta para contribuir na redução de emissão de gases do efeito estufa”, pontua.
As técnicas de captura e armazenamento de CO2 são essenciais, principalmente se pensarmos no Acordo de Paris e nas metas de redução da emissão de gases em que o Brasil se comprometeu até 2030, complementa Gustavo Assi, engenheiro naval pela USP e também integrante da equipe de pesquisadores do RCGI. “Explorar as riquezas brasileiras gera carbono, como a extração de óleo e gás, por exemplo, principalmente das águas profundas do pré-sal. O gás que vem de reservatórios, rochas, ou petróleo, vem com muito CO2, e não podemos simplesmente soltar essa quantidade de CO2 na atmosfera”.
Assim como na exploração do petróleo e de gases naturais, a produção de etanol e até a fabricação de cimento também emitem muito dióxido de carbono. Por isso, o desafio dos cientistas não é apenas capturar o CO2 que já está na atmosfera (como fazem as árvores durante o processo de fotossíntese), mas sim conter o que é liberado de grandes fontes emissoras, as indústrias. E como fazer isso? A resposta parece simples: “guardar” em rochas.
“Chamamos de CCUS, que em inglês é carbon capture, utilization and storage (captura, armazenamento e utilização de carbono). Pois bem, e como é que se guarda o carbono? É preciso convertê-lo em algo inerte”, explica Gustavo. “No centro de pesquisa guardamos e separamos o CO2 do metano usando rochas salinas, que denominamos cavernas de sal. Imagine que na região do pré-sal, em alto mar, a grandes profundidades, há grandes rochas salinas e que seja possível escavar uma caverna gigantesca nelas. Assim, dentro do sal, você injeta o CO2 em formato supercrítico, ou seja, ele não é um gás, mas está em um estado próximo a um líquido. Nessa caverna, embaixo d’água, da rocha, você guarda o CO2 para sempre”. Essas cavernas ficam a 3 km de profundidade do leito oceânico.
E não é só na Bacia de Santos, onde se extrai o petróleo do pré-sal, que se encontram rochas capazes de armazenar o dióxido de carbono. Na Bacia Sedimentar do Paraná, um território que vai do Mato Grosso até a Argentina, foi descoberta a rocha do tipo folhelho negro, que é mais argilosa e rica em matéria orgânica. E aí, o processo de armazenamento do CO2 também muda.
Nesses territórios são feitos poços verticais com 2 mil metros de profundidade, que atingem até a camada rochosa dos folhelhos negros. Ao chegar nas rochas, a perfuração faz uma curva e fica na horizontal. Começam então pequenas explosões, que servem tanto para liberar o gás metano que está preso dentro dessas rochas, como também para armazenar o dióxido de carbono. “Guardar carbono é sempre uma solução vinculada à extração, seja à produção de etanol ou à extração de óleo e gás. O carbono é produzido em alguma atividade industrial”, pontua Gustavo.
De acordo com dados do RCGI, o Brasil é o sexto maior emissor de CO2 do mundo, e produziu cerca de 1,7 bilhão de toneladas de dióxido de carbono somente em 2016. A descoberta do pré-sal e um conjunto de decisões governamentais tomadas na última década intensificaram o uso de gás natural na matriz energética do país e, consequentemente, aumentaram a emissão de CO2.
Vale ressaltar que o dióxido de carbono não é considerado o gás com piores efeitos ao ambiente, mas ele é responsável por 70% da emissão dos gases do efeito estufa. E uma solução defendida pelo RCGI, além da captura e armazenamento, é transformá-lo em produtos. Em inglês, esta técnica é conhecida como CCU – carbon capture and utilization (captura do carbono e utilização). “Você captura o carbono, mas em vez de estocá-lo em algum lugar de forma permanente, você o utiliza como matéria-prima de alguma outra coisa”, detalha o pesquisador Julio Meneghini.
As tecnologias e formas de armazenar dióxido de carbono são muitas. Na indústria de refrigerantes ele pode ser injetado diretamente nas bebidas. O gás carbônico congelado também vira gelo seco. Mas existem formas mais “nobres”, como dizem alguns cientistas, que é quando o gás carbônico se transforma em um composto estável com valor agregado. “Por exemplo, a produção de plásticos e até combustível sintético, que poderá ser utilizado para a aviação”, diz o pesquisador.
A indústria do armazenamento do carbono
Além da cadeia produtiva, a extração de CO2 também tem valor comercial. Para as indústrias, a vantagem de armazenar carbono nas proximidades dos locais de extração do petróleo e de gases naturais é extrair o produto desejado ao mesmo tempo em que deixa o carbono ali, guardado. Mas nem todas as indústrias têm capacidade de realizar esse processo, porém podem capturar e armazenar carbono de outros locais. Esta é a dinâmica do crédito de carbono.
“Qualquer processo em que houver a diminuição de emissões de CO2 em relação à emissão, a empresa pode emitir o crédito de carbono. Quem provar que conseguiu diminuir as emissões emite alguns créditos. Na outra ponta, as empresas que são as maiores emissoras, serão obrigadas a comprar esses créditos”, explica o professor Meneghini. “Um exemplo foi a procura recente de uma empresa japonesa para fazer captura e armazenamento de carbono no Estado de São Paulo, e obter créditos de bônus para abater na produção de plásticos no Japão. Não será, claro, um plástico verde, mas será mais sustentável porque estão compensando, em parte, o que emitem”, diz.
Essa relação comercial não precisa ser somente entre empresas, mas entre países também. Para o pesquisador Gustavo Assi, o Brasil tem grande potencial econômico no mercado internacional se investir na captura e armazenamento de CO2. “O Brasil pode vender créditos de carbono para outros países. Por que podemos fazer isso? Primeiro, a nossa matriz energética é muito limpa, não emitimos carbono em grande quantidade para gerar energia elétrica. Segundo, temos grandes lavouras para o uso agrário, onde o CO2 tem um grande papel, então podemos absorver esse gás na agricultura. Terceiro, temos formações geológicas que nos favorecem, ou seja, onde o país emite dióxido de carbono na produção de etanol ou na extração do pré-sal, ele pode também guardá-lo, debaixo da terra”, conclui.
Rafael Revadam é jornalista, pós-graduado em estudos brasileiros pela Fundação-Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Aluno da especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.