Robôs no campo: da plantação e monitoramento à mesa de casa

Por Monique P. G. de Oliveira, Angel P. Garcia e Daniel Albiero

Existem dois grandes desafios além do desenvolvimento das novas tecnologias: torná-las mais disponíveis comercialmente, integrando equipamentos e ideias que hoje se encontram espalhados em diversos trabalhos científicos, e viabilizar seu uso por pequenos produtores, de modo que também possam se valer da precisão e da economia de recursos a elas associadas. É necessário o barateamento dos equipamentos e sensores utilizados e que se conheça a infraestrutura disponível, como o acesso à energia elétrica e à internet.

O último censo demográfico da população brasileira, realizado em 2010, reiterou os resultados observados nos anos anteriores quanto ao crescimento e distribuição da população brasileira: aumento no número de habitantes nas cidades e ligeira queda no número de habitantes do campo. Isso significa que, à medida que o tempo passa, a mão de obra rural tem se tornado mais escassa. Some a isso a necessidade do aumento da produção – já que há projeções[1] de que seja necessário alimentar, apenas no Brasil, mais 20 milhões de pessoas nos próximos 20 anos e mais um bilhão de pessoas no mundo todo. Para tornar a tarefa ainda mais complexa, a expansão da produção de alimentos deve ocorrer em um contexto de diminuição do uso de recursos como água e fertilizantes e da poluição causada pela dispersão de defensivos agrícolas e fertilizantes excedentes.

A solução que vem sendo buscada consiste na ampliação do uso de robôs. O estudo de robôs se concretizou na década de 40 do século passado, quando Wiener se interessou em estudar a aplicação da teoria de controle em sistemas biológicos. Surgia então a cibernética, ramo do conhecimento que estuda os seres vivos desde o neurônio e suas sinapses até o comportamento subjetivo dos animais — inclusive nós — com vistas a aplicar esse conhecimento em robôs. Basicamente, essa área do conhecimento se atém aos processos de comunicação, controle e ação de sistemas artificiais baseados em sistemas vivos. Hoje, um robô é um sistema desenvolvido e projetado em função de uma interação entre diversas áreas de conhecimento, em que conhecimentos teóricos e práticos da cinemática, dinâmica, projeto de mecanismos, sensoriamento, planejamento de movimentos, teoria de controle, programação, arquitetura de sistemas e inteligência artificial interagem de forma a permitir que o robô possa realizar tarefas específicas definidas por seu projeto. Assim, ao deparar-se com “obstáculos” não previstos o mesmo deve ter capacidade “mental” de diagnosticar o obstáculo, avaliar as hipóteses para superá-lo e escolher a que tenha maior probabilidade de sucesso, finalizando o processo com a implementação de uma mudança “comportamental”. Desde o primeiro robô industrial viável (1961) até os dias de hoje, a tecnologia em robótica tem avançado a passos exponenciais, de tal forma que hoje podemos definir um robô como qualquer máquina automática que tem capacidade de decisão.

O uso de máquinas no campo já é amplamente difundido e muitas dessas máquinas já são altamente sofisticadas. As máquinas que atuam no campo hoje são, por exemplo, capazes de aplicar com precisão quantidades específicas de um produto químico em um local designado em um mapa, sejam eles defensivos agrícolas ou fertilizantes. Já existem, comercialmente, também tratores e colhedoras que se deslocam apenas com o uso de GPS e mapas pré-definidos. O plantio é realizado por um sistema de piloto automático que utiliza dados georreferenciados. Os mapas das linhas de plantio são pré-definidos por meio de sistemas inteligentes que otimizam as rotas e aumentam a quantidade de plantas por área. Esses mesmos dados são utilizados pelas máquinas que irão realizar os tratos culturais e posteriormente a colheita, fechando todo o ciclo da produção.

Entretanto, toda vez que pensamos em robôs, imaginamos um sistema robótico que tem uma forma humanoide, operando de maneira autônoma e com capacidade de aprender ao longo do tempo em função das suas decisões. E o uso desses sistemas ainda é incipiente. Para que ele seja mais disseminado, uma série de pesquisas vêm sendo desenvolvidas para cada pequena função que a unidade deva realizar.

Primeiramente, para ir até o campo e caminhar na lavoura esse “agricultor” deve possuir uma série de habilidades. O desenvolvimento de um sistema de direção e tomadas de decisão passa pela capacidade de caminhar entre linhas de plantio, desviar de obstáculos ou ainda definir o melhor trajeto para realizar a operação agrícola. Diversos trabalhos vêm sendo desenvolvidos por vários pesquisadores em diferentes países. Em um deles, pesquisadores da Flórida (EUA) utilizaram sensores de laser para a navegação do veículo e detecção de obstáculos que podem comprometer a locomoção. Outras pesquisas utilizam uma série de sensores em conjunto com algoritmos baseados em genética evolutiva, na qual o robô agrícola é capaz de coletar essas diversas informações do meio, tais como, imagem, sensores laser e ultrassom e aprender com essas informações para definir as entrelinhas de plantio reduzindo pisoteio das plantas, consumo de combustível e tempo de operação. Essas informações podem ser utilizadas para gerar mapas de infestação, produtividade ou previsões de safra.

Já no campo, esses robôs podem, por exemplo, reconhecer uma necessidade da plantação e realizar uma intervenção. E as diferentes produções agrícolas, apesar de suas peculiaridades, compartilham demandas de mão de obra que podem ser sanadas por automação: na colheita de frutas, podem ser utilizados robôs que reconhecem o grau de maturação, por exemplo pela cor, e que têm a capacidade de identificar o local apropriado para o corte ou destaque do fruto e sensibilidade para não danificá-los no momento da colheita e do armazenamento. Essa capacidade e essa sensibilidade também são necessárias na colheita de folhosas. Na produção de folhosas também podem ser utilizados robôs capazes de diferenciar plantas daninhas dos vegetais de interesse e removê-las mecanicamente, sem a necessidade da aplicação de produtos químicos. Embora isso também seja possível em grandes produções, como as de milho e soja, as grandes áreas ocupadas por essas produções podem demandar robôs que se locomovem de outra forma, por exemplo, pegando carona em drones. Os drones podem identificar regiões em que o crescimento das plantas é anormal e, por visão computacional, os robôs caronistas podem confirmar a ocorrência de pragas e aplicar pesticidas. A produção animal, por outro lado, pode se valer de automação na ordenha para o gado leiteiro e para o corte nos frigoríficos.

Um ponto relevante para o potencial desses “agricultores” diz respeito aos sensores para detecção das características desejadas na planta ou no ambiente. Quando os sensores capturam imagens, a técnica utilizada chama-se visão computacional. Trata-se de uma forma de reconhecimento de padrões que se vale de milhares de imagens já identificadas para que o computador possa identificar, nas imagens novas, plantas daninhas, pragas, sintomas de doenças, deficiência nutricional, grau de maturação e ponto de corte na colheita. E o quão difícil é, por exemplo, encontrar um fruto verde no meio das folhas? E diferenciar insetos que são pragas de outros insetos benéficos? E diagnosticar, com a maior antecedência possível, uma deficiência de nitrogênio? Parte do esforço de desenvolvimento também consiste em aprimorar as respostas dadas por essa técnica.

Outros tipos de dados e de reconhecimento de padrões também podem ser utilizados. De modo simplificado, a chamada inteligência artificial consiste em prover a máquina com o máximo possível de exemplos de situações e decisões, sejam elas históricas ou simuladas com base em conhecimento já existente, para que, ao se deparar com circunstâncias similares, ela possa tomar uma decisão. Ao invés de serem usadas imagens, pode ser utilizado o espectro de radiação — térmica ou não — emitida pela planta, pelo solo ou por insetos no ambiente. Sensores que monitoram outras características do ambiente e que sejam capazes de se comunicar por rádio ou por meio de internet também podem enriquecer as informações necessárias para que o robô possa tomar uma decisão. Por exemplo, ao coletar uma pequena fração de solo o robô pode realizar uma análise química e verificar a umidade do solo averiguando a necessidade de adubação ou de irrigação. Aliado às condições recebidas de estações meteorológicas (radiação solar, temperatura, vento, umidade relativa do ar), o “robô agricultor” pode definir qual a melhor estratégia a ser tomada: por exemplo, irrigar ou aplicar algum tipo de insumo. Isso abre um amplo leque de possibilidades para potencializar o crescimento da planta e promover a economia de recursos, tais como água, energia e recursos minerais (como fertilizantes). Por meio de sistemas que utilizam os mais variados sistemas de inteligência artificial, esses robôs têm a capacidade de aprender com as ações, observando os resultados obtidos em função das decisões tomadas anteriormente.

Já a utilização de olfato vem sendo empregada numa série de sensores que visam diagnosticar problemas que podem afetar a produção da cultura. Pesquisadores da Universidade de Nanchang (China) desenvolveram e testaram um nariz eletrônico capaz de verificar infestação de moscas e larvas de mosca-da-fruta em citros, até mesmo na fase pré-larval. A definição prematura da contaminação pode permitir a atuação antecipada, diminuindo perdas, e promover redução na aplicação de pesticidas.

Existem dois grandes desafios, além do desenvolvimento dessas novas tecnologias: torná-las mais disponíveis comercialmente, integrando equipamentos e ideias que hoje se encontram espalhados em diversos trabalhos científicos, e viabilizar seu uso por pequenos produtores, de modo que também possam se valer da precisão e da economia de recursos a elas associadas. Por um lado, para que seja possível atingir esse perfil de produtores, é necessário o barateamento dos materiais dos equipamentos e dos sensores utilizados, mas além disso, é necessário também que se conheçam os processos produtivos nessa escala e a infraestrutura disponível, como o acesso à energia elétrica e internet.

Monique Pires Gravina de Oliveira é doutoranda na Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri/Unicamp), sob orientação do prof. Luiz Henrique Antunes Rodrigues, que gentilmente viabilizou a produção deste artigo. É graduada (2014) e mestra (2017) em engenharia agrícola pela mesma instituição. Cursou Meio Ambiente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (2007).

Angel Pontin Garcia é graduado (2002), mestre (2007) e doutor (2011) em engenharia agrícola pela Unicamp, onde é professor da Feagri. As ênfases de seu trabalho são controle embarcado em máquinas agrícolas, agricultura de precisão e automação agrícola.

Daniel Albiero é graduado em física (1996) e engenharia agrícola (2001); mestre (2005) e doutor (2009) em engenharia agrícola pela Feagri, onde leciona Projetos de Máquinas e Robótica. É vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Agrícola (SBEA) e, entre suas ênfases de pesquisa estão o trabalho com máquinas agroecológicas, equipamentos para agricultura familiar, construções rurais com material alternativo, aviação agrícola e energia na agricultura (biomassa e eólica).

[1] https://population.un.org/wpp/Graphs/Probabilistic/POP/TOT/