Editorial:

Clones e medos crônicos
Carlos Vogt

Reportagens:
Clonagem ainda é técnica em desenvolvimento
Clonagem terapêutica ainda é promessa
Leis restringem pesquisas com células-tronco
Quem defende a clonagem humana
Polêmica também envolveu primeiro bebê de proveta
Clonagem humana é debatida por juízes brasileiros
Políticos tentam regulamentar mundialmente a clonagem
Clonagem já tem amplo uso na agropecuária
Técnica não é novidade na agricultura
Clonagem sob o olhar da religião
Artigos:
Nada contra a clonagem
Bernardo Beiguelman

Clones na mídia
Hélio Schwartsman

Humanos ao amanhecer
Ulisses Capozoli
Seres Híbridos & Clones: da literatura para as telas, das telas para a realidade
Edgar Franco
Poema:
Clones
Carlos Vogt
 
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Clonagem já tem amplo uso na agropecuária

A clonagem animal passou a ser mais conhecida em 1997, quando pesquisadores do Instituto Roslin, da Escócia, anunciaram a clonagem do primeiro mamífero, a partir de células mamárias de uma ovelha. O nascimento de Dolly, como foi chamada a ovelhinha, marcou o início de uma corrida pelo aperfeiçoamento da técnica que, se em humanos cria expectativas que ainda não podem ser satisfeitas, e que esbarra em conceitos éticos e religiosos, em animais e plantas tem apresentado resultados positivos a uma velocidade surpreendente.

A clonagem de animais tem aplicação para a conservação e de melhoramento genético. Com fins de conservação ela serve para implantar bancos genéticos que guardem material de diferentes espécies. Para melhoramento, porque é uma técnica que permite reproduzir de maneira mais ampla, filhos de animais de qualidade superior, como touros e vacas com maior capacidade reprodutiva ou vacas que produzam mais leite.

Associada à técnica de transgenia, a clonagem animal pode servir ainda para produzir nos animais transgênicos substâncias que auxiliem no tratamento de doenças em humanos. Como exemplo, em 1997, os pesquisadores do laboratório PPL Therapeutics, que financia as pesquisas do Instituo Roslin, produziram por clonagem uma ovelha, a Polly, para produzir a proteína sangüínea alpha-1-antripsina, usada no tratamento da fibrose cística, uma doença genética incurável que afeta uma em cada 1.600 crianças de origem caucasiana. Como matéria-prima, os biólogos usaram uma célula tirada de um embrião de uma ovelha. No núcleo desta, enxertaram um gene humano. A seguir, usaram um óvulo de outra ovelha, descartaram o seu núcleo e o substituíram com o núcleo da célula geneticamente modificada. Criaram assim, uma célula clonada do feto original, que foi introduzida no útero da mãe substituta (de aluguel).

Outras ovelhas, irmãs de Polly, foram programadas para produzir fibrinogeno e proteína ativada C, drogas usadas para impedir a coagulação do sangue.

Clone brasileiro

As pesquisas em reprodução animal na Embrapa começaram em 1984, e são o resultado da tecnologia de transferência nuclear. Vitória foi obtida como resultado de núcleos transferidos de um embrião de cinco dias coletado de uma vaca simental pela técnica de transferência de embriões clássica, na qual uma célula é enucleada (célula recipiente) e depois é feita a fusão com a célula doadora retirada de um embrião. Foto: divulgação.

No Brasil, o primeiro mamífero clonado foi a bezerra Vitória, da raça simental (leiteira), fruto de experiência conduzida por Rodolfo Rumpf, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa), de Brasília. O anúncio do nascimento da bezerra foi feito em março de 2001, oito meses antes da empresa americana Advanced Cell Technology anunciar o sucesso de seus experimentos com bovinos, que comprovaram um bom desenvolvimento de 24 bezerros clonados. Com isso, o Brasil se tornou o primeiro país fora do grupo dos países ricos a produzir um mamífero clonado.

Segundo Rumpf, para se chegar à Vitória foi preciso, em primeiro lugar, equipar o laboratório. Em seguida, foi necessário desenvolver competências em fecundação in vitro e transferência nuclear para enfim dar início às experiências. Ele conta que as experiências visavam a avaliar a qualidade do citoplasma e do núcleo dos animais, antes de dar início às pesquisas com a técnica de clonagem propriamente dita. "A intenção era verificar a capacidade de produção de embriões e a qualidade do material, além de verificar a capacidade de reprodução das células", afirmou o pesquisador da Embrapa. No caso da Vitória a célula usada para o processo era a de um embrião, mas as pesquisas seguiram também com uso de células somáticas, que têm sido transferidas para animais para avaliações. "Porém, o índice de gestação ainda é muito baixo, em torno de 5%. Entre 45 e 50 dias é a fase em que se tem as maiores perdas", afirma. Mas Rumpf comemora com a equipe, pois tem conseguido gestações de até mais de 120 dias, sem falar, é claro, do sucesso da bezerra clonada em março deste ano. Rumpf alerta para o fato de que ter fêmeas gestando embriões de 120 dias não significa que os animais cheguem a nascer.

Os experimentos da Embrapa com clonagem tiveram início com o objetivo de implantar um banco genético de bovinos, a partir de células dos animais, ao invés de embriões ou outro material, que poderia ocupar mais espaço nos laboratórios. Para Rumpf, esse banco de células seria muito mais simples.

A partir daí iniciaram-se as pesquisas com a transferência nuclear, técnica que, segundo o pesquisador mostra grande avanço no que tange à embriologia. Ela permite a multiplicação de animais de qualidade superior, o que é de extrema importância para a pecuária. A técnica abre também a possibilidade de gerar clones transgênicos, com fins terapêuticos, e também de se obter animais mais resistentes.

Até o momento, a Embrapa fez experimentos apenas com bovinos, mas segundo Rumpf, no programa de transgênicos, deverão ser incluídos caprinos e ovinos que possuem valor comercial inferior e que apresentam tempo de gestação menor.

Visintin ao lado da vaca da qual foram tiradas células para clonar embriões

Na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo, as pesquisas em clonagem animal também vêm sendo feitas com bovinos, mas da raça nelore (produtora de carne), sob a coordenação de José Antônio Visintin.

Visintin afirma que os trabalhos deste ano apresentaram melhores resultados que no ano anterior. Os embriões estão se desenvolvendo bem no laboratório e vários deles já estão sendo transferidos para o útero das mães substitutas. Segundo Visintin, na maioria das vezes a gestação tem um bom início, mas depois ocorrem abortos. "Estamos conseguindo gestações mais longas, por volta de 120 dias, mas ainda não nasceu nenhum bezerro".

Em fecundação normal, também é comum a perda, tanto de óvulos quanto de embriões, devido a problemas na gestação, doenças e manejo inadequado. Porém essa perda fica em torno de 30%. No processo de clonagem a perda tem sido de 90%, segundo Visintin. Nas experiências desenvolvidas por sua equipe, as principais dificuldades encontradas no processo estão ligadas à fase de reprogramação celular, que é a fase em que deve iniciar a divisão celular. "Essa reprogramação é difícil, talvez precisemos estudar um pouco mais o óvulo. Hoje tem-se verificado que há interferência do citoplasma no processo de clonagem, que também tem DNA", afirma Visintin.

O objetivo das pesquisas da USP é verificar que tipo de embrião será produzido. "Comparamos os embriões desenvolvidos in vitro com aqueles fecundados naturalmente. Avaliamos como esses embriões se desenvolvem. Nós os fixamos, depois contamos o número de células, fazemos a microscopia eletrônica e vários ensaios para comparar com o grupo controle", afirma Visintin.

Em geral, na área de veterinária, a finalidade da clonagem é melhorar os rebanhos, seja para produção de carne ou de leite ou para aumentar a produção de alimentos. O pesquisador da USP lembra que a clonagem em animais, associada à transgenia pode também ajudar em terapias em humanos. Ele dá o seguinte exemplo: "Pela transgenia você consegue um único animal capaz de produzir uma proteína no leite que pode ser usada em um tratamento. Qual a maneira mais lógica de multiplicar esse animal com tal característica? Através da clonagem. É difícil conseguir outro transgênico igual e às vezes este não consegue transmitir para a cria a característica desejada".

Para Visintin, a técnica também se apresenta válida para evitar a extinção de espécies e como um avanço para melhorar a qualidade dos produtos animais. "É claro que tem que ser feita com cuidado, para que não se perca a diversidade genética. Mas no futuro, se o criador tem animais de alta qualidade, poderá fazer o cruzamento entre eles e manter uma diversidade genética. O que não se pode ter é um rebanho único, geneticamente idêntico, com o risco de que haja algum problema e todos os animais serem perdidos", alerta.

Sobre a questão da clonagem terapêutica, o pesquisador da USP acredita que são importantes os estudos com células-tronco, tanto para tratamentos em humanos como em animais. A técnica, associada à transgenia pode auxiliar por exemplo, no tratamento do estresse em suínos, responsável por um grande número de óbitos dos animais, principalmente no transporte dos mesmos. O estresse é causado por um gene. Caso os pesquisadores conseguissem eliminar esse gene do genoma do suíno, logo após poderia se fazer clones desse animal para termos vários indivíduos com maior qualidade. "Os transgênicos são bons pra isso, você pode acrescentar um gene ou tirar um gene que cause um efeito indesejável", acrescenta.

Em relação às outras técnicas que vêm sendo utilizadas na pecuária, como a inseminação artificial e a transferência de embriões, Visintin considera que a clonagem é ainda uma tecnologia muito cara e muito mais difícil, porque ainda se encontra em fase de pesquisa. "Eu acredito que as técnicas serão utilizadas de forma associada. Primeiro utilizando-se a biologia molecular, para fazer um rastreamento daquilo que se deseja. O melhor animal é selecionado, faz-se a multiplicação dele por inseminação e usa-se de novo o marcador molecular, separando e clonando os animais melhores", diz Visintin.

Segundo o pesquisador, quando nascerem os bezerros clonados, esses serão disponibilizados para outros grupos de pesquisa para que estudem se o desenvolvimento desses animais é normal. Quando as pesquisas estiverem mais adiantadas haverá também estudos sobre a própria gestação. "Quando a técnica estiver mais avançada teremos muito material para estudos paralelos", acrescenta Visintin.

Legislação

Rumpf lembra que as experiências feitas com animais são permitidas pelas normas estabelecidas pela Comissão Técnica Nacional de Biosegurança (CTNBio), mas acredita que deveria haver uma lei que englobasse todas essas questões, como clonagem, terapia regenerativa e de produção de órgãos em animais, de forma a que não haja nenhuma proibição a qualquer pesquisa nessa área.

"Pesquisa não pode ter limite. Quem vai dizer depois se vai usar é a sociedade", afirma Visintin preocupado com possíveis restrições à pesquisa. "Eu faço clonagem e transgenia, mas não sou eu que vou produzir clone depois, o importante é que vamos poder dizer: isso presta por causa disso e isso não presta por causa disso".

Para os pesquisadores entrevistados não há nada que justifique a clonagem humana, mesmo porque há outras formas de tratamento, utilizando células multipotentes do próprio organismo e o transplante de órgãos de animais, que supririam a demanda de tratamentos. "Além disso é preciso antes de lançar uma nova tecnologia no mercado, esclarecer a sociedade do que trata a técnica", ressalta Rumpf.

Eles também concordam que a clonagem em animais deve poder ser usada em massa, mas apenas para animais de qualidade superior.

Além da USP e da Embrapa, há grupos de estudos sobre clonagem animal na USP de Pirassununga, e na Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Jaboticabal. Estão também se estruturando grupos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Universidade Estadual Norte Fluminense e na Universidade Federal do Pará.

Pesquisa no Brasil

Apesar de o Brasil se encontrar próximo aos países desenvolvidos em relação à técnica de clonagem, os pesquisadores entrevistados apontam dificuldades para realizar os experimentos no país.

Rumpf afirma que a pesquisa teria que ter maior agilidade para acompanhar o que está sendo feito nos outros países: "Aqui paga-se três vezes mais em função das importações e há grande morosidade para se trazer reagentes".

Visintin menciona situações em que perdeu os reagentes por descaso na alfândega brasileira que não manteve o produto sob refrigeração como deveria. "Outra vez tive que solicitar a ajuda do Ministro da Ciência e Tecnologia para que os reagentes fossem liberados rapidamente, nas condições de temperatura adequadas".

Para saber mais

http://www.cenargen.embrapa.br/biotec/biotec_ani/
reproducao/clona.html
- sobre a técnica de clonagem

A falta de contratação de pessoal de apoio nas universidade e institutos de pesquisa (que exige que pesquisadores assumam atividades administrativas), a falta de produtos e de dinheiro para equipar adequadamente os laboratórios, dificultam o andamento das pesquisas. Visintin ressalta que os experimentos em seu laboratório vêm recebendo auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que garantiu os recursos necessários para a estruturação do laboratório.

(S. P.)

Atualizado em 10/12/2001

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