Regulamentação
do acesso à biodiversidade ainda não é definitiva
O
governo federal reeditou no dia 25 de maio a medida provisória que
estabelece regras para o acesso ao patrimônio genético brasileiro.
Além de estabelecer o conceito de patrimônio genético e regular
a bioprospecção como atividade exploratória de uso potencialmente
comercial, a MP 2.126-12 cria o Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético. A sua efetiva instalação, no entanto, depende de um decreto
que regulamente a medida provisória até o fim do ano. Até lá, continua
a polêmica entre pesquisadores, que precisam de materiais genéticos
para seus trabalhos, e entre as iniciativas contra a biopirataria
e de defesa da propridade intelectual de comunidades com direitos
difusos.
"Algumas
pesquisas podem parar enquanto a medida provisória não for regulamentada",
afirma Janice Casara, da organização social Bioamazônia, criada
para colaborar com o Ministério do Meio Ambiente (MMA) na
implantação do programa de uso sustentável da biodiversidade da
Amazônia.
A MP, em seu artigo 8°, protege o conhecimento associado ao patrimônio
genético de comunidade indígena ou tradicional, para fins de pesquisa
científica. O parágrafo 4° desse artigo, no entanto, diz que essa
proteção "não afetará direitos relativos à propriedade intelectual".
A medida diz também que o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
deve ser composto por membros de vários ministérios e presidido
por um representante do Ministério do Meio Ambiente.
Em
1997, o Congresso Nacional criou uma comissão externa para apurar
denúncias de exploração e comercialização ilegal de plantas e material
genético na Amazônia. O relatório da comissão aponta casos como
o da associação Selvaviva, dirigida por um austríaco, que vendia,
para outros países, sem autorização legal, plantas medicinais e
o conhecimento tradicional de comunidades indígenas associado a
elas.
Um caso singular apontado pelo relatório é o que envolve o químico
Conrad Gorinsky, presidente da Fundação para Etnobiologia, sediada
em Londres. Ele nasceu em Roraima, onde conviveu com os índios wapixana
e morou até os 17 anos. Com os índios, Gorinsky conheceu uma árvore
cuja semente é usada como anticoncepcional e uma planta que possui
uma substância venenosa, utilizada pelos wapixana na pesca. O químico
obteve junto ao Escritório de Patentes Europeu o direito de propriedade
intelectual sobre os compostos farmacológicos das plantas amazônicas
e se associou à empresa canadense Greenlight Communications para
produzir e comercializar os medicamentos. O Brasil, e em especial
os wapixana, não recebem nenhum benefício por essas patentes.
Casos como o dos índios wapixana não se amparam na distribuição
equitativa dos benefícios, prevista na Convenção de Diversidade
Biológica e ratificada pela atual medida provisória. Para novos
casos, quando houver perspectiva de uso comercial, a MP condiciona
o acesso ao componente do patrimônio genético à assinatura de um
Contrato de Utilização do Patrimônio Genético e de Repartição de
Benefícios.
"Biodiversidade
é poder", afirma Marina Silva
O Rio de Janeiro sediou em 1992 a Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como ECO 92. Nesse
encontro, foi estabelecida a Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB), que visa a conservação e utilização sustentável da diversidade
biológica do planeta, a adequação do acesso aos recursos genéticos
e a repartição justa e equitativa dos benefícios gerados pelo seu
uso.
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Marina
Silva - Rio-92 deixou claro o que já era público
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O
texto do Preâmbulo da CDB, que reafirma a soberania dos países sobre
seus próprios recursos biológicos, foi aprovado pelo Congresso Nacional
através do Decreto Legislativo n° 2, de fevereiro de 94, quase dois
anos após a Conferência do Rio. Essa aprovação, no entanto, não
dá caráter de lei ao texto. No fim daquele mesmo mês, as Nações
Unidas emitem um instrumento de ratificação da CDB, que passa a
vigorar para o Brasil a partir de maio de 94. Mas ela só é efetivamente
promulgada pelo governo federal em março de 1998, através do Decreto
2.519.
"Na
Conferência (do Rio) ficou publicamente claro o que já se sabia
nos círculos especializados: biodiversidade é poder", afirma a senadora
Marina Silva, do PT do Acre. Ela propôs no Congresso, em 1995, o
Projeto de Lei n° 306, sugerindo instrumentos de controle do acesso
aos recursos genéticos do país. Esse projeto de lei determina o
pagamento de royalties para as populações locais, como caboclos
e índios da Amazônia, sobre o conhecimento da biodiversidade levado
para o exterior. O PL 306/95 está tramitando no senado até hoje.
O Brasil é um dos doze países de megadiversidade, que concentram
juntos cerca de 70% da diversidade biológica do planeta. Segundo
o Ministério do Meio Ambiente, entre 15 a 20% dessa diversidade
está no Brasil. O Ministério da Ciência e Tecnologia, por sua vez,
revela que 80% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento na
área de fármacos está concentrado nos sete países mais ricos do
mundo. Parte da matéria-prima utilizada pela indústria de fármacos
é formada por recursos genéticos colhidos no Brasil, especialmente
na Amazônia.
A Constituição Federal, promulgada em 1988, já determinava no artigo
225 do capítulo VI (dedicado ao meio ambiente), a incumbência do
poder público de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio
genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa
e manipulação de material genético. A presidente da comissão, criada
em 97 para apurar as denúncias de desvio do patrimônio genético,
deputada Socorro Gomes (PCdoB-PA), solicitou um parecer sobre o
assunto às intituições de pesquisa atuantes na Amazônia, como o
Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa).
A Associação dos Pesquisadores do Inpa (Aspi) apresentou aos parlamentares
da comissão um documento que dizia haver pouco ou nenhum controle
sobre o material científico que ia para o exterior, através de convênios
internacionais. Em seu relatório, a comissão parlamentar recomenda
ao Ministério Público a instauração de inquéritos para investigar
os convênios do Inpa com instituições de pesquisa estrangeiras.
Ozório Fonseca, diretor do Inpa publicou no período das apurações
- maio de 1999 - um artigo sobre biopirataria, no qual ele diz que
"não existe uma legislação definindo essa prática como crime ou
contravenção". Nesse artigo, Fonseca lamenta que as acusações de
biopirataria recaiam sobre instituições de pesquisa como o Inpa.
A MP 2.126-12 é a décima segunda versão da primeira Medida Provisória
a tratar do assunto, a MP 2.052, assinada pelo então presidente
em exercício, Marco Maciel, em junho de 2000. Ela já recebeu 45
emendas na comissão mista do Congresso que analisa medidas provisórias
do executivo. O Decreto 2.972, de 1999, já atribuía à Secretaria
de Biodiversidade e Florestas, do MMA, a competência para proposição
de políticas e normas para o acesso aos recursos genéticos do país.
Mas até o momento, essas normas continuam na transitoriedade das
medidas provisórias.
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