http://www.comciencia.br/reportagens/2005/08/09.shtml
Autor: Carlos
Roberto Sanquetta | ||
Perspectivas da
recuperação e do manejo sustentável Carlos Roberto Sanquetta A floresta ombrófila mista ou floresta de araucária é um dos mais exuberantes ecossistemas do Brasil. Ela abriga uma das poucas coníferas de ocorrência subtropical no hemisfério Sul do continente americano: a araucária brasileira, conhecida como pinheiro-brasileiro ou pinheiro-do-Paraná (Araucaria angustifolia Bert. O. Ktze.). Por sua beleza e singularidade, a araucária tem atraído a atenção de muitos estudiosos. A floresta de araucária não abriga apenas a sua espécie típica, mas muitas outras que formam comunidades interativas e diferenciadas em florística, estrutura e organização ecológica. Existe muita riqueza na floresta de araucária, seja nos seus componentes arbóreos, no sub-dossel ou nas copas que formam dosséis irregulares. Ali a biodiversidade atinge níveis elevados, apesar de sua aparente simplicidade estrutural. Desafortunadamente a floresta de araucária não foi respeitada ao longo do processo de colonização do sul do país, o que levou à redução drástica de sua ocorrência. O processo de geração de riqueza e desenvolvimento econômico experimentado na região foi acompanhado pela dilapidação da maior parte do patrimônio ecológico desse ecossistema. Ao longo do processo histórico de ocupação do sul do Brasil, assistiu-se a uma rápida eliminação de sua cobertura florestal, produto dos ciclos econômicos, particularmente o da exploração da madeira, o do café em áreas restritas e, mais recentemente, o da soja. Informações recentes indicam que ainda existem extensos remanescentes da floresta ombrófila mista. No Paraná são cerca de 2,7 milhões de hectares (23% da área original de 11,6 milhões de hectares) que ainda restaram, ou seja, uma área ainda bastante expressiva. Contudo, a maior parte desse remanescente constitui-se de fragmentos bastante alterados em sua composição e estrutura e extremamente desconexos entre si. Essas áreas, em diferentes graus de antropismo, compõem atualmente um mosaico de formações em distintas fases sucessionais e com grandes variações florísticas e estruturais. Essa característica diferencia o ecossistema de outros, onde o processo de sucessão florestal secundária se processou de forma demarcada. Na floresta de araucária, a distinção das fases sucessionais da vegetação se constitui em tarefa difícil. Até meados da década de 1980 não existiam grandes restrições à exploração indiscriminada das florestas de araucária. Nos chamados “Planos de Exploração Florestal”, era permitida a supressão de praticamente todos os indivíduos com diâmetros acima de 40 cm. Mudanças ocorreram a partir de então com a substituição dos “Planos de Exploração” pelos “Planos de Manejo Florestal em Regime de Rendimento Sustentado”, que traziam em seu bojo princípios da perpetuidade e da conservação da floresta. Contudo, a falta de compromisso de muitos detentores e técnicos com a seriedade e a ineficiência dos órgãos de fiscalização forjaram Planos apenas para atender à burocracia. Por outro lado, detentores de floresta e profissionais sérios persistiram com a fixa convicção de que o manejo sustentável é o caminho mais eficaz para garantir a conservação da floresta em um sentido mais amplo, com benefícios diretos e indiretos para toda a sociedade. Planos de Manejo bem elaborados e executados dentro da ética e da competência profissional se contrapõem àqueles mal formulados e desonestos. O manejo florestal deve ser entendido como um elemento decisivo para perpetuar a sobrevivência da Araucaria angustifolia, uma vez que pode contribuir para estimular a regeneração natural, aumentando também as taxas de crescimento das árvores remanescentes e diminuindo as taxas de mortalidade natural na floresta. Manejo também é sinônimo de recuperação da capacidade produtiva e ecológica da floresta. Cabe citar que é comum se observar, em florestas maduras com predominância de pinheiro, um grande número de plântulas desta espécie que definham e morrem antes mesmo de atingirem um a dois metros de altura. Estudos em áreas com dossel fechado mostram uma sobrevivência de no máximo 5%. Quando intervenções programadas são promovidas, por outro lado, a regeneração natural é restaurada e observa-se um grande número de indivíduos jovens e de meia idade crescendo favoravelmente. Pesquisas mostram que esse percentual pode aumentar para até 20% em condições ideais. Inventários florestais mostram também que, em florestas maduras com predominância da araucária (pinhais), as taxas de crescimento volumétrico por hectare comumente são inferiores a 2,00 m³/ha.ano-¹. Áreas bem manejadas, por outro lado, podem ter seu incremento periódico anual aumentado para até 5,00 m³/ha.ano-¹. Assim, se uma área florestal sem manejo ou manejada pela primeira vez, sofrer um corte de 30-40 m³/ha, o ciclo de corte a ser adotado deveria ser de 15 a 25 anos. Para aumentar o incremento e diminuir o ciclo de corte, deve-se promover a regeneração natural, através de tratamentos silviculturais, com condução da regeneração natural e desbastes de liberação de espaço vital. Com uma maior taxa de crescimento é possível diminuir o ciclo de corte ou aumentar o nível de intervenção. Esse é o caso em áreas com alto nível de competição. Deve-se salientar que manejo florestal não é sinônimo de corte de árvores, como alguns querem advogar, e sim um conjunto de atividades silviculturais que promovem o desenvolvimento da floresta. Esse manejo, se conduzido dentro da técnica, deve ser defendido e incentivado, ao invés de coibido indiscriminadamente. Um plano de manejo florestal para ser sustentável deve ter como premissa o respeito à capacidade de resiliência da natureza. Em outras palavras, os cortes promovidos no plano devem respeitar a capacidade de restauração da floresta. Práticas de manejo que extrapolem a capacidade natural de restauração da floresta devem ser sumariamente condenadas. Para exemplificar, se uma floresta cresce a uma taxa de 2,00 m³/ha.ano-¹ e deseja-se efetuar um corte inicial de 40 m³/ha, então será necessário esperar 20 anos para proceder a uma nova intervenção. A definição do volume de corte inicial não deve ser empírica, mas sim fundamentada em inventários florestais, representativos e executados dentro de princípios de amostragem na análise da base florística e da estrutura dimensional da floresta. Esses conhecimentos indicam se uma espécie está ou não se regenerando naturalmente e se será viável realizar cortes e necessário promover a sua regeneração. Atualmente existe pouco espaço na mídia para justificar que o corte de árvores é algo necessário para revigorar a própria capacidade restauradora de florestas senis. A crescente consciência ecológica da sociedade impõe a necessidade de conservar o pouco que resta. A preservação integral da floresta por força da lei e da fiscalização, todavia, parece inócua e impraticável, dado o cenário sócio-econômico dentro do ecossistema. Manejar racionalmente as florestas remanescentes além dos limites da preservação permanente se constitui na única opção à completa substituição da floresta por outras formas de uso do solo. Esse manejo deve contemplar não somente a utilização dos produtos madeireiros, mas também os não madeiráveis, bem como os demais benefícios e serviços proporcionados pela floresta, como o lazer, o ecoturismo, entre outros. Nos dias de hoje existe uma área reduzida de florestas de araucária em boas condições de conservação. Essas florestas devem ser prioritariamente destinadas à conservação ambiental, após definições precisas substanciadas em um zoneamento ambiental e sócio-econômico. Há pouco espaço para defender que essas áreas sejam manejadas com fins eminentemente econômicos. Todavia, conservação também implica em manejo. De outro lado, existem muitas florestas que podem e devem ser manejadas para fins produtivos. É imperativo que medidas sejam tomadas no sentido de conservar os últimos remanescentes mais representativos da floresta original, criando mais Unidades de Conservação e estimulando formas alternativas de proteção ambiental a serem implementadas pelos proprietários. Por outro lado, ainda existem extensas áreas de florestas em diversos graus de alteração que devem ser recuperadas e manejadas. É preciso encontrar formas de estimular os proprietários para que continuem conservando essas florestas e possam utilizá-las racionalmente, sobretudo as florestas em estágio médio de sucessão (florestas sucessoras). Modelos silviculturais precisam ser aplicados a essas florestas para recuperar seu potencial produtivo e para resgatar seus valores ecológicos. Somente a força da lei não será capaz de garantir a sua perpetuação. O manejo florestal conduzido dentro dos preceitos aqui defendidos poderá estimular a utilização racional dos recursos naturais dessas florestas, à luz do triângulo da sustentabilidade. O desestímulo ao uso sustentável dos recursos florestais, pelo contrário, pode frustrar expectativas e incentivar a clandestinidade. Em síntese, ainda existem perspectivas para o manejo da floresta de araucária. Há, entretanto que se ressaltar, que existem limites para intervir na floresta, que devem ser respeitados. Planos de manejo que contemplem esses limites devem ser apoiados pela política florestal oficial. Leis e outros instrumentos legais meramente impeditivos não serão suficientes para reverter o processo de destruição que ainda vige.
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Atualizado em 10/08/2005 | ||
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