Por Carolina M. Idelfonço
A relatividade geral é a teoria moderna que descreve a gravidade e a conexão existente entre espaço e tempo. Seus conceitos de dilatação temporal e contração espacial parecem elementos de filmes de ficção científica, mas na verdade são recorrentes no dia a dia e aplicados em discos rígidos, microondas, aparelhos de ressonância magnética e sistemas de GPS.
De acordo com Albert Einstein, a gravidade é o efeito de curvatura no tecido do espaço-tempo. É como se o espaço-tempo curvo “dissesse” para massa e energia (incluindo a luz e partículas de matéria) como se mover, enquanto massa e energia dissessem ao espaço-tempo como se curvar. Para exemplificar: o movimento da Lua em torno da Terra ocorre pois a Lua segue o caminho no espaço curvado pela Terra.
Interessante é que não somente os corpos com massa são afetados pela curvatura. A luz, que é uma partícula desprovida de massa, também sofre efeito da gravidade. A luz segue um princípio que estabelece que ela sempre percorre o menor caminho entre dois pontos quaisquer. Em um espaço plano, o menor caminho é uma reta. Porém quando há curvatura a trajetória é alterada para uma geodésica. Em suma, o caminho da luz é curvo.
Em seu trabalho “Sobre a influência da gravidade na propagação da luz”, Albert Einstein previu que um raio de luz passando pelo Sol sofreria um desvio por causa do campo gravitacional do Sol. Trocando em miúdos: imagine que já se saiba de antemão a posição de uma estrela, e essa posição é “atrás” do Sol. Seria impossível observar o brilho da estrela se a luz viesse em linha reta. Mas com o efeito da curvatura do espaço, é como se a luz “driblasse” o Sol.
Em 29 de maio de 1919 a cidade de Sobral, no Ceará, foi palco de um eclipse solar total. Astrônomos brasileiros, norte-americanos e ingleses reuniram-se na cidade com cerca de 10 mil habitantes para comprovar a previsão feita por Einstein, confirmando então a teoria da relatividade – que mudou radicalmente os conceitos científicos do século XX.
Ilustração do efeito da deflexão da luz previsto pela teoria da relatividade. A trajetória da luz da estrela distante é alterada por causa da presença do Sol. O eclipse permitiu visualizar a estrela muito próxima ao Sol, o que não ocorreria caso sua luz viajasse em linha reta. Os elementos do desenho estão fora de escala. Fonte: Divulgação/Observatório Nacional.
Cem anos após o eclipse solar em Sobral, as previsões da relatividade continuam sendo comprovadas: lentes gravitacionais, ondas gravitacionais e a recente imagem do horizonte de eventos de um buraco negro no centro da galáxia M87. Esses fenômenos referem-se a objetos do espaço sideral: estrelas supermassivas, buracos negros, galáxias e aglomerados de galáxias. O que dá a impressão de que a relatividade diz respeito apenas a objetos e fenômenos do “macro cosmo”. No entanto, existem consequências de tal teoria no cotidiano, bem como algumas aplicações.
Imagem: Outra previsão da relatividade, as lentes gravitacionais. A galáxia em primeiro plano (laranja) possui um campo gravitacional tão intenso que curva a luz da galáxia que está atrás, vista como um arco azul em volta da primeira galáxia. Fonte: Hubble/ESO/Nasa.
A relatividade estabelece que tempo e distância não são absolutos: diferentes observadores fazem diferentes medidas de um mesmo evento e ambas estão corretas – tudo é relativo! Por exemplo, o tempo contabilizado por alguém na Terra pode ser de algumas décadas enquanto que para alguém em uma nave espacial viajando próximo da velocidade da luz seja apenas alguns minutos. Ou então, alguém pode medir o comprimento de um trem parado, mas quando este começa a se mover, seu comprimento aparenta ser menor para quem o observa. Estes efeitos são, respectivamente, a dilatação temporal e a contração espacial.
Embora ainda não disponhamos de naves que viajem próximas à velocidade da luz, experienciamos todos os dias os efeitos da dilatação do tempo. O sistema de posicionamento global (GPS da sigla em inglês) funciona com 24 satélites em órbita da Terra, determinando a posição dos dispositivos através do método de triangulação. A velocidade de tais objetos é de aproximadamente 14.000 km/h. Embora seja apenas cerca de um milésimo da velocidade da luz, os satélites acabam por experimentar a dilatação temporal. A defasagem dos relógios dos satélites com relação aos que estão na Terra poderia levar a um erro de 8 km por dia na posição indicada pelo GPS. Os dispositivos são programados para realizar as correções necessárias com cálculos baseados na relatividade de Einstein.
Imagine um trem com 10 metros de comprimento e 10 vagões, a grosso modo diz-se que a densidade do trem é de 1 vagão por metro. Se o trem entra em movimento, então de acordo com a relatividade, para um observador externo ele irá comprimir na direção em que se move, além disso os relógios dentro do trem vão correr mais devagar. Suponha que após a compressão o trem fique com 5 metros. Isso implica que o número de vagões por metro irá aumentar, sendo portanto 2 vagões por metro. Obviamente os valores aqui utilizados são apenas para facilitar a compreensão do que ocorre. Em uma situação real, a compressão do trem não é visível, bem como a dilatação do tempo de seus relógios.
Embora a contração espacial seja imperceptível para o caso de trens em movimento, é graças a ela que os objetos eletromagnéticos funcionam: discos rígidos, microondas, aparelhos de ressonância magnética etc.
As antigas TVs de tubo ajudam a explicar. Elas eram equipadas com tubos de raios catódicos, que aceleravam os elétrons e disparavam contra um revestimento que, ao ser atingido, emitia luz. Mas não era tão simples quanto disparar alguns elétrons em uma tela. Os elétrons carregados negativamente eram direcionados para um ponto muito específico na tela utilizando a carga positiva de ímãs. A velocidade dos elétrons acelerados chegava em torno de 30% da velocidade da luz e, portanto, era preciso fazer correções devido à contração espacial que sofriam, caso contrário as imagens formadas na tela seriam incompreensíveis.
A proposta deste breve texto foi, portanto, desmistificar a ideia de que os objetos de estudo da relatividade são exclusivamente temas longínquos – mesmo que corriqueiramente seus efeitos sejam quase imperceptíveis.
Carolina M. Idelfonço é aluna de graduação no Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp, faz iniciação científica em cosmologia observacional e integra o Grupo de Pesquisa e Ensino de Ciências (GPEC), atuando em projetos de ensino de astronomia e divulgação científica.
Referências
Isaacson, W. Einstein: sua vida, seu universo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Travnik, N. “Sob o luminoso céu do Brasil” [acessado pelo editor em 6 de maio de 2019]