Por Renan Chisté e Ana Augusta Odorissi Xavier
Os pigmentos naturais estão amplamente distribuídos ao nosso redor. Estão nas cores que enxergamos em diferentes frutas e vegetais que conhecemos, como a cenoura, acerola e kiwi; nas folhas das diversas árvores em uma floresta; nas rosas, orquídeas e amores-perfeitos do nosso jardim. Da mesma forma, os pigmentos também colorem as penas de aves como o flamingo, além de estarem presentes em outros animais e alguns minerais. Graças aos avanços da ciência, hoje sabemos que alguns microrganismos também são capazes de sintetizar pigmentos, a exemplo de algumas microalgas (Chlorella), bactérias e também fungos.
Desde os tempos mais remotos, o homem utiliza os pigmentos disponíveis na natureza para colorir tecidos, materiais de decoração, corpos humanos durante cerimônias, cosméticos e alimentos. Nos alimentos, tanto em nossa casa quanto na indústria, os pigmentos são empregados a fim de tornar os produtos mais atrativos ou para conferir identidades à eles, mantendo a cor esperada pelo consumidor. Assim, é possível reforçar a cor de algum alimento ou ainda compensar a sua cor original perdida durante a fabricação ou preparação.
No entanto, quando extraídos da sua fonte de origem e aplicados nos alimentos, os pigmentos naturais apresentam baixa estabilidade e estão suscetíveis à perda de coloração, sobretudo quando expostos à algumas condições de processamento e estocagem como a presença de luz, altas temperaturas (acima de 35 °C), presença de oxigênio, enzimas que estão presentes nos alimentos, entre outros fatores. Visando ultrapassar tais limitações, avanços científicos na síntese química permitiram a produção industrial de um grande número de corantes. Dentre eles, vários nomes que certamente todos já leram em algum rótulo de alimento, como a tartrazina (amarelo), amarelo crepúsculo (laranja-amarelo), eritrosina (vermelho), e ponceau 4R (vermelho), e que não são encontrados em produtos naturais. Estes corantes produzidos em laboratório são mais estáveis frente aos agentes que degradam a cor dos pigmentos naturais e ganharam ampla aplicação na indústria por manterem a coloração desejável dos produtos por muito mais tempo quando comparados ao pigmento natural da mesma cor e também por apresentarem preços mais baixos.
Com o passar dos anos, estudos científicos indicaram que o consumo excessivo e frequente de produtos alimentícios coloridos artificialmente (doces, balas, bombons, sorvetes, refrigerantes, cereais matinais) estava associado ao surgimento de reações alérgicas em crianças, mas com muito baixa incidência na população geral. A partir daí, muitos órgãos internacionais na Europa e nos Estados Unidos passaram a proibir o uso deste tipo de corantes em alimentos, conforme informações compiladas e publicadas na Food Chemistry, revista científica de impacto internacional na área de alimentos [1]. Estas evidências, somadas ao fato de os consumidores estarem cada dia mais conscientes sobre os benefícios de uma alimentação saudável, motivaram a substituição dos corantes artificiais pelos naturais e a procura por novas fontes naturais de pigmentos.
Hoje já se sabe que muitos pigmentos naturais, além da capacidade de conferir cor a um produto, também proporcionam efeitos benéficos à saúde quando ingeridos, e por isso são chamados de compostos bioativos. Neste sentido, a associação entre o consumo frequente de vegetais contendo pigmentos naturais e a diminuição da incidência de muitas doenças crônico-degenerativas na população, como doenças cardiovasculares e o câncer já foi sugerida por muitos trabalhos científicos [2].
Alguns pigmentos naturais já são conhecidos pela população e bastante empregados na indústria de alimentos, como a bixina e a norbixina, que pertencem à classe dos carotenoides e são responsáveis pela cor avermelhada das semente de urucum. No Brasil, estes pigmentos são a base para a produção do colorau. O β-caroteno, carotenoide mais distribuído na natureza e que confere a cor alaranjada da cenoura, também é de grande aplicação industrial. A clorofila, pigmento verde presente nas folhas dos vegetais e em frutos como a azeitona, a betanina, que dá a cor roxa característica da beterraba, e as antocianinas, grupo de que apresenta pigmentação variando do vermelho ao roxo que é encontrado em muitas frutas, completam a lista.
Pesquisadores das áreas de alimentos, química e farmácia têm dedicado esforços no sentido da busca de novas fontes vegetais para extração de pigmentos, que sejam econômica e tecnologicamente viáveis para as mais diversas aplicações industriais (cosmética, farmacêutica, alimentícia). Os principais pigmentos naturais são de origem vegetal e, dependendo do tipo de pigmento e da coloração que se deseja atribuir ao alimento, a extração desses compostos em altas quantidades vai depender do tipo de vegetal a ser explorado. A viabilidade da obtenção de grandes quantidade de corantes naturais depende, basicamente, da quantidade de pigmento presente no vegetal. Para além das fontes, técnicas de extração mais sustentáveis e verdes, como uso de fluidos supercríticos ou solventes iônicos também são objeto de pesquisa nas últimas décadas.
O bioma Amazônico é caracterizado por uma enorme diversidade de espécies vegetais. Suas plantas nativas tem recebido bastante atenção da comunidade científica como potenciais fontes naturais de pigmentos. O açaí, por exemplo, ganhou destaque internacional com o apelido de “superfruta”, pois contém vários nutrientes e compostos bioativos com potencial antioxidante. Sua coloração roxa é dada pela presença de altas quantidades de antocianinas, e por isso esta pequena fruta é uma excelente fonte de corante natural para colorir produtos alimentícios, a exemplo de iogurtes e sucos.
Além do açaí, outro fruto de origem Amazônica bastante expressivo no que diz respeito aos elevados teores de pigmentos naturais é o buriti, considerado atualmente como o fruto com os maiores teores de β-caroteno na natureza. O β-caroteno, além de atribuir cor aos alimentos, é um composto com atividade provitamina A, ou seja, após a ingestão ele é convertido em vitamina A dentro do nosso organismo. A vitamina A é um micronutriente essencial para manutenção de uma visão saudável. Pupunha e tucumã, do mesmo bioma, contém elevadas concentrações de carotenoides, o que as habilitam para estudo de sua potencialidade como corante alimentício. As matérias-primas de origem amazônica merecem destaque na prospecção de pigmentos naturais, desde que essa potencialidade receba a devida atenção no sentido da adoção de políticas de incentivo para o cultivo e a exploração racional e sustentável de todo esse sistema.
Uma outra alternativa é a produção biotecnológica de pigmentos através do cultivo de microrganismos, a exemplo dos carotenoides produzidos por leveduras do gênero Rhodotorula. As leveduras do gênero Rhodotorula são microrganismos capazes de biossintetizar carotenoides no interior de suas células sob determinadas condições de estresse no meio em que se encontram. A produção de carotenoides por via fermentativa pode vir a ser industrialmente viável se o custo de produção puder ser minimizado através do uso de subprodutos de baixo custo como fontes de nutrientes.
A bioprodução de pigmentos naturais a partir do cultivo de microrganismos pode ser realizada em qualquer época do ano, fato este que pode resolver as limitações da exploração de recursos vegetais, como a necessidade de grandes áreas de plantação do vegetal e a sazonalidade, isto é, a disponibilidade dos frutos em apenas uma época específica do ano. As estratégias para a obtenção, comercialização e aplicação dos pigmentos naturais na indústria alimentícia são objetos de muito estudo e discussões, mas que podem incentivar diferentes setores da cadeia produtiva e estimular as políticas de aproveitamento de resíduos, sobretudo quando falamos da obtenção de pigmentos através de resíduos agroindustriais (cascas, por exemplo), incentivando a abordagem sugerida pelas vertentes da economia circular.
Renan Campos Chisté é doutor em Ciência de Alimentos pela Unicamp, e atualmente ocupa os cargos de Professor Adjunto da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal do Pará (UFPA), vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos da UFPA e Membro Afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Em linhas gerais, desenvolve pesquisas científicas com tópicos relacionados ao estudo da extração, identificação, estabilidade e potenciais antioxidante e de cor de pigmentos naturais.
Ana Augusta Odorissi Xavier é farmacêutica e tecnóloga em alimentos pela UFSM, mestre em ciência de alimentos pela UEL e doutora em ciência de alimentos pela Unicamp, onde atua como pesquisadora. Atualmente é aluna do curso de especialização em jornalismo científico do Labjor/Unicamp.
[1] Gavriela Feketea, Sophia Tsabouri. Common food colorants and allergic reactions in children: Myth or reality? Food Chemistry, 230, 578-588, 2017.
[2] Lavecchia, T.; Rea, G.; Antonacci, A.; Giardi, M.T. Healthy and adverse effects of plant-derived functional metabolites: the need of revealing their content and bioactivity in a complex food matrix. Critical Reviews in Food Science and Nutrition, 53, 198–213, 2013