O longo percurso para se chegar à vacina contra a febre amarela no Brasil

Por Juan Mattheus Costa

A forma mais eficaz de prevenção da febre amarela é por meio da vacina, que para chegar ao modelo atual passou por diversas pesquisas, que iniciaram com uma simples questão: qual o agente causador da doença? De acordo com o professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz, Jaime Larry Benchimol, autor de Febre amarela a doença e a vacina, uma história inacabada, diversos médicos e cientistas, entre os séculos XIX e XX, debruçaram-se sobre a questão.

Benchimol cita nomes que contribuíram para as pesquisas da vacina, como o catedrático de química orgânica na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, Domingos José Freire, que criou a primeira vacina no Brasil, ao usar injeções de salicilato de sódio, um anti-séptico e antipirético, que ganhou reconhecimento internacional; e do médico João Batista de Lacerda, famoso por ter seus estudos usados para a formulação do soro antiofídico e teorizado que a febre amarela era causada por um fungo. Outros nomes que marcaram a pesquisa sobre a febre amarela foram Francisco Fajardo, Eduardo Chapot Prévost, Carlos Seidl e Oswaldo Cruz.

“As controvérsias a respeito do germe e do germicida envolveram médicos convencidos de que a febre amarela era produto de miasmas, de algum outro envenenamento químico ou, ainda, de fermentos inanimados; alopatas e homeopatas que propunham tratamentos rivais; doentes que os endossavam ou criticavam; e cronistas que escreviam com muito humor sobre as experiências feitas pelos médicos na capital brasileira”, conta o professor.

Uma das únicas opções preventivas e para tratamentos, no início do século XX, era utilizar o soro e a vacina antipestosa importados do exterior, segundo explica o livro A história da febre amarela, disponibilizado pelo Ministério da Saúde, escrito pelo médico e ex-coordenador do combate à doença no Brasil, Odair Franco. Foi então que Barão de Pedro Afonso criou o Instituto Soroterápico Federal, dirigido por Oswaldo Cruz, que posteriormente deu nome ao atual Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Na direção do Instituto, Cruz decidiu iniciar um processo de higienização da cidade e aplicar o soro e a vacina na população do Rio de Janeiro. “A imprensa, mal orientada, preferiu colocar-se ao lado da oposição, investindo violentamente contra os atos oficiais e pessoalmente contra Osvaldo Cruz. Seus opositores não esperavam sequer que aparecem os primeiros fracassos (se houvesse) da nova doutrina, para então atacá-la”, explica Franco. A população, amedrontada, não aceitou a obrigatoriedade da vacina, o que ocasionou conflitos violentos. O episódio ficou conhecido com a Revolta da Vacina.

A pesquisadora em comunicação e autora do livro El movimiento antivacunas. Argumentos, causas y consecuencias, Emilia Pareja, explica que esse tipo de reação surgiu primeiramente nos Estados Unidos e na Inglaterra, quando a população era obrigada a ser vacinada e as políticas públicas eram extremamente invasivas. Entretanto, depois de controlada a situação, a obrigatoriedade da vacina continuou e, pelo menos, a varíola foi erradicada do Rio de Janeiro.

Os testes da vacina

Ainda segundo o livro de Odair Franco, alguns dos primeiros estrangeiros a chegar ao Brasil para pesquisar sobre a febre amarela foram os cientistas do Instituto Pasteur, Marchoux, Salimbeni e Simond. Franco explica que era tão grande “o desconhecimento dos cientistas europeus do progresso já existente na capital do país, que os membros da benemérita comissão francesa vieram munidos de fósforos, na suposição de não os encontrar entre nós”.

Entretanto, em 1903, esses três cientistas franceses, como conta Benchimol, demonstraram que o soro de uma pessoa com a febre amarela, quando colocado em outra, era capaz de protegê-la da doença. Demonstraram, assim, que a imunidade resultante de um acometimento de febre amarela era devida à presença, no soro, de substâncias que asseguravam proteção passiva no homem.

“A partir de 1927, o soro de convalescentes começou a ser usado nas experiências de imunidade cruzada, e também como método de proteção ‘passageira’ dos pesquisadores que trabalhavam com a doença”, explica Benchimol, pontuando ainda que “muita gente estava morrendo em consequência de infecções acidentalmente contraídas durante os estudos de campo e laboratório. Entre 1928 e 1931, houve 32 infecções graves que custaram a vida a cinco cientistas que trabalhavam com febre amarela”.

Outro pioneiro na busca pela vacina contra a enfermidade foi o médico e pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz, anteriormente chamado de Instituto Soroterápico Federal), Henrique Aragão, que preparou uma vacina antiamarílica, aproveitando a permanência do vírus no organismo dos macacos rhesus e cynomolgus infectados. “A vacina de Aragão foi aplicada em 25 mil pessoas. Infelizmente os resultados não foram satisfatórios, pois entre os vacinados observaram-se uns 25 casos de febre amarela, alguns fatais, havendo a infecção ocorrido entre 5 dias e 2 meses após a inoculação”, explica Franco em seu livro.

Produção da vacina

Após longo percurso para saber o que, de fato, causava a doença, descobriu-se que o vetor eram os mosquitos. Segundo o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), em ambientes rurais e silvestres o mosquito Haemagogus é o principal agente de contaminação. No meio urbano, a transmissão é feita pelo já conhecido Aedes aegypti, o mesmo que causa a dengue.

A infecção acontece quando uma pessoa que nunca tenha contraído a febre amarela ou tomado a vacina contra ela circula em áreas florestais e é picada por um mosquito infectado. Ao contrair a doença, pode se tornar fonte de infecção para o Aedes aegypti no meio urbano. Uma pessoa não transmite a doença diretamente para outra.

De acordo com o assessor científico de Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) – e considerado uma das 50 pessoas mais influentes na indústria de vacinas no mundo – Akira Homma, desde 1937, as preparações vacinais são obtidas nos laboratórios da Fiocruz a partir da cepa atenuada 17D do vírus da febre amarela.

Homma salienta que essa cepa foi trazida inicialmente pelo pesquisador americano Hugh Smith, da Fundação Rockfeller. “Já no Brasil, foram feitos mais estudos voltados para o escalonamento de produção, utilizando embriões de pintos. A partir da infecção do embrião no ovo da galinha, ele é coletado e triturado para obter o suco embrionário e a suspensão do vírus. Essa suspensão é formulada com alguns termoestabilizadores (sacarose e glutamato) e, então, obtém-se a vacina”, explica Homma.

(Foto: Bio-Manguinhos-Fiocruz)

A cepa utilizada para a produção da vacina é livre de qualquer tipo de vírus, bem como o ovo utilizado, que são categorizados como Specific Pathogen Free (SPF, livre de patogênicos específicos).  Atualmente Bio Manguinhos é reconhecido internacionalmente como o mais importante fabricante da vacina febre amarela (antiamarílica).

A vacina no novo surto

Homma explica que o novo surto da doença não é causado pelo Aedes aegypti (causador em área urbana), mas sim por mosquitos da área rural. “Isso está acontecendo devido às diversas invasões às áreas de mata e ainda pelo desmatamento e desequilíbrio ecológico. As pessoas que estão próximas à mata estão sendo picadas por insetos contaminados”.

A última atualização do Ministério Saúde, de 25 de maio de 2017, mostrou que foram confirmados 778 casos de febre amarela no Brasil. Das 429 mortes notificadas, 267 foram confirmados, 39 ainda são investigados e 123 foram descartados.

Para conter o surto, foram encaminhadas para os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Espírito Santo – mais afetados – 25 milhões de doses da vacina. Além disso, foram distribuídas 856.910 mil doses extra rotina e 5,9 milhões de doses na rotina para todos os estados.

Juan Mattheus Costa é jornalista pela Universidade Federal do Amazonas e especialista em jornalismo científico pela Unicamp. Atualmente é bolsista Mídia e Ciência com projeto na Faculdade de Educação da USP.