Mais que um eclipse para iluminar a educação cearense

O centenário da observação do eclipse em Sobral (CE), que contribuiu para a comprovação da teoria da relatividade de Einstein, é explorado na formação educacional do povo cearense, mas são as políticas implementadas nas últimas décadas que determinaram a excelência dos alunos e seu desempenho em olimpíadas do conhecimento

Adilson Roberto Gonçalves

Parsifal Barroso cunhou o termo cearensidade como tentativa de definição de um povo em particular, uma modalidade de brasilidade calcada nos estudos de Gilberto Freyre. O termo aparece em seu livro O cearense, de 1969 (Editora Record), um ensaio incompleto que definiu o habitante do Ceará com várias ambivalências. Conseguir se adaptar ao meio parece ser a mais diretamente relacionada à moldagem que as políticas públicas fizeram para tornar o estado destaque nacional na educação.

Como professor, jornalista e governador do Ceará, Parsifal Barroso dava muita importância à educação e à ciência de seu estado, apresentando Sobral como um polo de desenvolvimento. Porém, não houve espaço em sua obra para discorrer sobre a efeméride do eclipse assistido naquela cidade meio século antes. Escreveu ele que “o Ceará deveria sobralizar-se, isto é, valorizar-se a todo custo, à base de um conhecimento cientificamente válido de sua realidade global, que também afastasse do seu povo as velhas sombras e os antigos fantasmas que o impedem de ir ao encontro do destino […] no seu próprio meio ambiente”.

O sistema educacional cearense tem se destacado em nível nacional, conforme o Ideb e outros índices, devido a um conjunto de ações formado por incentivos e premiações, combinado com uma prática pedagógica que inclui a autonomia das instituições e constante atualização dos professores. Outro aspecto significativo é o rígido controle da frequência dos estudantes às aulas. Um levantamento mostrou que há também críticas ao sistema, que valoriza a excelência do ensino fundamental, em detrimento de uma melhor estratégia para o ensino médio. De qualquer forma, na média nacional, continua sendo destaque e exemplo de política pública que atinge seus objetivos.

Ilona Becskeházy possui doutorado em política educacional pela USP e acompanha o desenvolvimento educacional em Sobral. “No meu trabalho com a rede municipal, que atende até o 9o ano, fizemos um currículo bastante ambicioso, que já está em implementação, que permitirá aos alunos uma compreensão de fenômenos matemáticos mais complexos que a média brasileira. A concepção de política pública para a formulação de currículos que eu sigo leva em conta a construção histórica de cada disciplina e campo de estudos, como é feito nos países desenvolvidos”.

Assim, para Ilona, o eclipse de um século atrás é um dado de realidade. “A preocupação com a história da cidade, estado e região está refletida nos livros didáticos e paradidáticos utilizados e nos inúmeros eventos de caráter cultural e educacional que a prefeitura e a rede municipal de escolas promovem regularmente; há enorme valorização do legado cultural e patrimonial da cidade, com respeito ao conjunto arquitetônico que é, inclusive, tombado em toda a área central da cidade”, segundo a pesquisadora.

Em Sobral, por exemplo, há um planetário em uma das principais praças da cidade, regularmente visitado pelas escolas. Além disso, 2019 será o Ano da Matemática e Ciências na cidade, com inúmeras comemorações.

Ceará nas olimpíadas científicas

O Ceará possui apenas 4% da população brasileira, mas responde por 12% dos alunos participantes nas últimas edições da Olimpíada de Astronomia e Astronáutica (OBA). Em 2017, dos cinco alunos brasileiros premiados na edição internacional, realizada na Tailândia, três eram do estado.

Renato Cândido da Silva é mestre em educação, e estudou os trabalhos acadêmicos que olharam para as olimpíadas científicas no período entre 2002-2014. Na sua avaliação, “a maior quantidade de medalhistas cearenses tem impacto direto em aprovações em instituições com vestibular concorrido, como o ITA”. Isso determina “uma grande motivação por parte dos professores para participar desse projeto, um investimento alto feito pelas instituições escolares e um esforço grandioso por parte da coordenação das olimpíadas para divulgarem os eventos dentro do estado”. Ou seja, há uma combinação favorável de vontade dos alunos participarem e o entusiasmo dos professores, simbiose essa estudada por Renato.

Uma característica é que o sucesso do Ceará se dá porque as olimpíadas fazem parte da cultura estudantil no estado, segundo Renato. “O ensino formal é o foco, mas as olimpíadas escolares despertam interesse em alunos, trabalho que o Ceará realiza muito bem”, completa o professor.

Olimpíadas motivam e garantem aprofundamento nos conhecimentos

A professora Tathiana Guizellini Baruffaldi é química e trabalha com preparação dos chamados “alunos olímpicos” em escolas particulares da região de Campinas. Ela entende que as olimpíadas científicas servem de incentivo para que os alunos se interessem em conhecer mais profundamente as diversas áreas da ciência, pois são desafiados a buscar conhecimento além daquilo que é apresentado em sala de aula. E muitos alunos acabam escolhendo carreiras em áreas relacionadas às competições das quais participaram.

Renato concluiu em seu mestrado que o aspecto competitivo, ainda que combatido por alguns especialistas em educação, também é importante para a formação. Atualmente servidor da Universidade Federal de Goiás, ele coordena as olimpíadas de química e de ciências no estado, e se impressiona com o relato dos professores sobre a “empolgação dos alunos fazerem provas fora do horário habitual para participar de uma competição, o que os incentiva a se prepararem melhor para os exames”.

A regra é que os alunos motivados a participarem de uma olimpíada também se interessam por outras. Renato constatou que “vários alunos, de diversas partes do Brasil, com medalhas na olimpíada brasileira de química, possuem medalhas na de matemática, física e na OBA, ou seja, são estimulados a participar de várias ao mesmo tempo”.

O vestibular da Unicamp, recentemente, aprovou uma modificação no seu sistema de ingresso que garante vaga para os medalhistas de olimpíadas científicas. Os entrevistados concordam que a universidade, ao utilizar esses resultados, incentiva a participação dos alunos, além de ser um exemplo positivo para outras universidades.

A importância do contexto

Nas olimpíadas, mais que questões pontuais, a história da ciência está presente, assim como fatos históricos para que os alunos possam discutir sobre os fenômenos e sua natureza. Se não conhecem os fatos históricos que levaram aos fenômenos, tomam conhecimento através das questões e começam a discutir, após os exames, com os colegas. Assim, a história e a filosofia da ciência auxiliam no desenvolvimento da aprendizagem.

Um exemplo está numa das edições da olimpíada de química em Goiás, quando o acidente com o Césio-137 foi usado para contextualizar um acidente radiológico. Renato explica que “é uma forma de os candidatos entenderem que a ciência está presente no cotidiano e que precisamos dela para resolver problemas do dia a dia”.

Mesmo um assunto considerado difícil, como a teoria da relatividade, pode ser abordado de forma mais compreensível por meio da contextualização com o uso da história e filosofia da ciência. O grupo ao qual Renato pertence observa que, em relação à relatividade, “alguns livros didáticos apresentam frases curtas, sem uso da contextualização”, dificultando a compreensão. Porém, “quando os alunos conhecem a história e a origem de um determinado fenômeno, são capazes de compreender melhor o que está sendo dito e isto é direcionado para uma aprendizagem significativa e não mecânica”, esclarece o professor.

Apesar do sucesso das olimpíadas, no entanto, o professor vê “dificuldades em investimentos ou atraso dos fomentos governamentais como neste ano; é necessário um apoio mais sólido em todas as olimpíadas científicas, eventos de cunho internacional, até para incentivar os alunos a seguirem a carreira científica, e também para mostrar para o mundo o celeiro de talentos que temos no Brasil, nos quais muito jovens sofrem com a falta de oportunidades”. Ele já verifica que, “em virtude das dificuldades em investimentos que as universidades atravessam, vários medalhistas estão interessados em cursar o ensino superior fora do país”.

Adilson Roberto Gonçalves é pesquisador da Unesp, com especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.