Por Adilson Roberto Gonçalves
O cadastro ambiental rural (CAR) agrupa dados dos produtores agropecuários de todo o país, informando ao governo sobre suas atividades. O CAR de 2018 revela, entre outras coisas, os aspectos ambientais da produção de alimentos, informações importantes para uma avaliação ampla da questão. Do total de terras do Brasil, 30% são utilizados para o agronegócio.
José Eustáquio Ribeiro Vieira Filho, diretor de programa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor de pós-graduação em agronegócio da Universidade de Brasília (UnB) aponta que “na década de 1960, o país era importador de alimentos, até de carne de frango e, atualmente, é o maior exportador desse tipo de carne do mundo. O Brasil investiu em ciência e pesquisa, o que proporcionou um crescimento enorme da produtividade, sendo a criação da Embrapa um exemplo”. Assim, segundo ele, “para mantermos a vanguarda na produção agropecuária mundial, é necessário continuar os investimentos nas áreas de ciência e tecnologia; se reduzirmos os investimentos na pesquisa, as inovações na produção serão estancadas, o que fará com que o setor perca sua competitividade no médio e longo prazo, reduzindo a produção e ameaçando, ao mesmo tempo, a segurança alimentar”. O pesquisador é coautor do livro Agricultura e indústria no Brasil: inovação e competitividade, no qual explica a revolução institucional ocorrida no país ao longo dos últimos 50 anos.
Os avanços ocorridos no Brasil para a redução da fome e melhoria da segurança alimentar ao longo dos anos são destacados também pela professora Flavia Mori Sarti, pesquisadora da USP. Suas conclusões se baseiam em resultados de alguns estudos com foco em programas relacionados à alimentação e nutrição. Sarti considera que tais avanços se devem “à quantidade e regularidade do acesso aos alimentos para a população, especialmente a partir de um conjunto de políticas públicas de qualidade relativamente boa que vêm sendo implementadas há bastante tempo, como, por exemplo, o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Programa de Alimentação do Trabalhador, que buscam garantir acesso a grupos populacionais específicos”.
Sarti tem ressalvas, porém, em relação à qualidade da alimentação e à segurança do alimento, para as quais ainda há lacunas. Um exemplo que apresenta são os problemas relacionados à informação ao consumidor sobre processos de produção e composição de alimentos, como as recentes tentativas de excluir o símbolo de produtos transgênicos das embalagens que os contenham.
Uma pesquisa feita pelo Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) evidenciou que os consumidores estão perdendo a confiança na indústria alimentícia. Dados mostram que eles acreditam ter acesso à informação segura quando obtida tanto junto a pesquisadores da área quanto de amigos.
A combinação de escassez de oferta de alimentos de boa qualidade e informações questionáveis em propagandas, aliada às deficiências na formação educacional no país, culminam em favorecimento de escolhas alimentares mal direcionadas, resultando em uma alimentação menos saudável. Com essas premissas, Sarti avalia que “tivemos avanços desde meados do século XX até o momento em termos de redução de problemas de fome e desnutrição; no entanto, mergulhamos no problema de sobrepeso e obesidade mais rapidamente do que esperado, que produzem efeitos de curto, médio e longo prazo na saúde populacional”.
“O país ainda está longe de resolver seus problemas associados à qualidade da alimentação oferecida à população”, diz. A segurança alimentar não é apenas a eliminação da fome via acesso aos alimentos, mas também a busca pela qualidade, via mecanismos de produção competitiva e segura.
Inovação é desafio de produtores
Para sanar os problemas relativos à alimentação, é fundamental existir pontes entre ciência básica e a indústria. Parcerias e projetos em bioeconomia voltados à indústria de alimentos que atendam aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela ONU em relação à fome, têm sido promovidos por instituições de pesquisa. Em evento realizado em 27 de maio, o Instituto Fraunhofer da Alemanha e o Ital apresentaram resultados sobre “resíduo zero” na alimentação. O exemplo do descarte dos chamados dedos de banana, ou seja, a parte lateral das pencas da fruta que não cabe nas caixas padronizadas, é uma faceta da industrialização que foge à sustentabilidade. Esses resíduos estão sendo utilizados para a geração de farinhas, ricas em ácido ascórbico, como uma forma de mitigar o desequilíbrio da produção. O engenheiro Alexandre Martins, que organizou o evento e é um dos que faz essa interlocução entre as instituições, também abordou a busca de soluções e apresentou uma pesquisa sobre o tremoço como uma alternativa viável de alimentação segura.
E, além disso, é importante olhar os desafios dos produtores, para que haja também capacidade econômica de investimento em inovação por parte deles. Gilson Rogério Marcomini, professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), campus São João da Boa Vista, e doutorando em engenharia agrícola na Unicamp relembra os postulados de que, para ser sustentável, uma atividade econômica deve ser economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente correta. Ele cita como exemplo sua pesquisa com produtores de batata, cujo custo de produção está em torno de R$ 41 reais por saca de 50 quilos, mas que ao longo de dois anos do estudo (2017 e 2018), os produtores venderam a saca por valores entre R$ 20 e 25 cada.
Adilson Roberto Gonçalves é pesquisador da Unesp, com especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.