Por Carolina Sotério e Mariana Hafiz
Estudantes de pós-graduação têm seis vezes mais chances de desenvolver depressão e ansiedade que a população geral, e ainda são poucas as iniciativas institucionais para amenizar o quadro.
Prazos, créditos, concursos, publicações e bolsas de pesquisa. São palavras que consomem a rotina da maior parte dos estudantes de pós-graduação no Brasil. Para atingir alto nível de qualificação, são necessários muitos anos de dedicação: depois da graduação (que idealmente leva cerca de 5 anos), o estudante pode optar por fazer o mestrado (2 anos), doutorado (4 anos) e pós-doutorado (de 6 meses a 6 anos), em média, pois os prazos variam conforme seus regimentos.
Em pesquisa publicada na revista Nature desenvolvida com 2.279 estudantes de pós-graduação de mais de 26 países, 39% e 41% deles têm sintomas de depressão e ansiedade, respectivamente, enquanto na população geral esses índices ficam em 6%. O estudo mostra também que os grupos mais propensos a lidar com tais doenças são transgêneros (55% para ansiedade e 57% para depressão), mulheres (43% e 41%) e homens (34% e 35%).
Transição
De acordo com a psiquiatra Tânia Vicchi Freire de Mello, coordenadora do Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante (Sappe) da Unicamp, a transição da graduação para a pós é crítica em muitos aspectos. “Ela ocorre num momento da vida em que outras mudanças também surgem, como casamento e a decisão de ter filhos, por exemplo. É um período de definições importantes”, afirma.
Além disso, outro fator que afeta a saúde mental dos estudantes está relacionado às formas de financiar suas atividades e às perspectivas de emprego. Uma vez que esse exercício é remunerado por agências de fomento, o pós-graduando não tem carteira assinada ou atua sob o regime de leis trabalhistas. “Isso os coloca em uma posição em que são cobrados como profissionais, mas são remunerados como estudantes”, diz Tânia.
Para Ana (nome fictício da entrevistada que prefere se manter anônima), estudante de mestrado em química da Universidade de São Paulo (USP) lidando com ansiedade, o que mais afeta a saúde mental é a competitividade e o fato de que muitos dos colegas da graduação não estão mais presentes na pós. “Observar os outros tendo resultados, e a gente não, torna o ambiente bastante tóxico. É um caminho muito difícil porque é muito solitário”, diz.
Relacionamento aluno-orientador
De acordo com a pesquisa da Nature, 50% dos estudantes que relataram terem sofrido de depressão ou ansiedade discordaram da afirmação de que seus orientadores forneciam uma orientação “real” e amplo suporte. Além disso, a grande maioria não considerou o orientador uma peça essencial para suas carreiras.
Segundo Patrícia Fernanda de Oliveira Cabral, docente na área de química da Universidade Federal da Bahia (UFBA), essas afirmações podem ter diversas razões. Algumas delas são as experiências dos estudantes com orientadores que não atendem aos requisitos do trabalho e também de relações conflituosas que ultrapassam os limites profissionais. “É esperado que o orientador, enquanto professor e pesquisador qualificado, discuta metodologias de pesquisa e acompanhe as atividades realizadas pelos alunos, o que pode ser feito por meio de correções de trabalhos, discussões sobre a pesquisa, dentre outros”, diz a docente.
De acordo com outro estudo publicado na revista Nature, alguns fatores desse relacionamento ruim estão justamente na falta de orientação. Das 6.320 repostas coletadas, 49% dos pós-graduandos tinham encontros semanais com seus orientadores com menos de 1 hora de duração. Além disso, mais de 60% recorriam à internet e outros trabalhos para buscar por orientação sobre a carreira, em vez de perguntar aos próprios docentes e colegas de profissão.
Para que a situação melhore, algumas medidas podem ser tomadas. Para Tânia, é necessário que os orientadores criem um ambiente no qual as expectativas em relação aos seus orientandos sejam mais claras, minimizando possíveis falhas comunicativas. “Manter um canal aberto com o aluno e cultivar um ambiente empático também ajuda”, diz.
Ações da universidade
Para Carolina Serrati Moreno, estudante de psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), as universidades têm notado esses fatores e buscam soluções, oferecendo programas de práticas integrais de saúde e apoio psicológico. No entanto, ela reconhece que, infelizmente, a demanda ainda é maior que a oferta. “É necessário um investimento maior nessas atividades, no entanto sabemos que conseguir não é tarefa fácil”, comenta a estudante.
Como exemplo de tais iniciativas, Carolina foi uma das organizadoras da oficina “Meu amigo está pensando em se suicidar: e agora?”, oferecida duas vezes ao longo de 2019 na UFSCar. Segundo ela, algumas medidas podem ser tomadas nessas situações: primeiramente é necessário reconhecer sinais de mudanças comportamentais que destoam do usual dessas pessoas e depois tentar identificar o nível de risco.
Tânia ressalta que pedir ajuda é extremamente importante, principalmente quando o estudante começa a notar que seu sofrimento está interferindo em áreas da sua vida, como a profissional, acadêmica e/ou pessoal. Apesar de muitas pessoas considerarem uma abordagem invasiva, não há nenhum erro em perguntar como está o outro e demonstrar preocupação. “Há meios de sair desse sofrimento e não há vergonha alguma em buscar ajuda”, diz a psiquiatra.
É válido lembrar que no Brasil existe o Centro de Valorização da Vida (CVV), que atua na prevenção ao suicídio e promove apoio emocional. O atendimento é feito discando 188, por e-mail ou chat. O contato é totalmente sigiloso e disponível 24 horas por dia.
Carolina Sotério é escritora, formada em química (USP), mestranda na área de divulgação científica e aluna do curso de especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.
Mariana Hafiz é jornalista formada pela Unesp/Bauru e cursa especialização em jornalismo científico no Labjor/Unicamp. Além de escrever, atua com divulgação científica na área de astronomia em espaços não-formais.
Imagem: Peter M. Fisher/Getty Images