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Viena fin-de-sciècle: política e cultura
Carl E. Schorske. Cia das Letras/Ed. Unicamp, 1988.

por Roberto Belisário

O ambiente no qual Freud realizava suas pesquisas pioneiras era de efervescência e transformação. Movimentos nacionalistas começavam a proliferar pela Europa; o liberalismo político entrava em crise; as Artes conheciam um estranho período de crise aliada a um nível de produção nunca visto; as Ciências eram palco de uma seqüência de rompimentos em várias áreas [1]. A evolução das idéias exibia uma fragmentação generalizada, desafiando qualquer caracterização por meio de categorias abrangentes como "Iluminismo" ou "Romantismo".

Em Viena fin-de-siècle: política e cultura (Cia. das Letras, 1990, tradução de Denise Bottman), Carl E. Schorske, professor do Departamento de História da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, identifica uma ordem unificadora nessa fragmentação, a partir da interação entre a política e a cultura. Para tanto, opta por estudar um universo social delimitado, qual seja, a cidade de Viena nas últimas décadas do século XIX, "para manter intacto o potencial sintetizador da História, enquanto a própria cultura e respectivas análises vinham se desestoricizando e pluralizando".

Viena, capital do vasto e multiétnico Império Austro-Húngaro, era uma verdadeira usina cultural. Habitavam-na personalidades revolucionárias como o próprio Freud, os compositores Gustav Mahler e Arnold Schönberg e o artista plástico Gustav Klimt. Seus pensadores reformularam as próprias tradições em diversas áreas e fundaram escolas de pensamento em várias delas (como Psicologia, História da Arte e Música), num intervalo de tempo muito curto. Ao mesmo tempo, a sociedade vienense passou por uma rápida e intensa transição política, caracterizada pela ascenção e queda do liberalismo burguês.

Foi essa evolução política, ocorrida na Áustria entre 1848 e 1897 - e em particular o processo de queda dos liberais -, que Schorske identificou como o fio unificador da transformação simultânea das diversas áreas culturais. O autor mostra como as investidas dos liberais contra as tradições da classe aristocrática que ocupava o governo até então, bem como as reações e desdobramentos dessas investidas, influenciaram nos rumos das artes, da arquitetura urbana, da política e dos movimentos sociais vienenses.

As reformas políticas e sociais do liberalismo desencadearam as energias de diversos setores da sociedade, tanto os insatisfeitos com os rumos das mudanças quanto os setores reprimidos pela antiga ordem e que se sentiram livres para exigir os seus direitos. Nacionalidades eslavas sob o domínio do Império, sionistas, anti-semitas e seus padrinhos da social-democracia vienense, camponeses e artesãos representantes da velha ordem, a pequena burguesia anti-liberal, pan-germanistas radicais, a velha aristocracia, o Imperador - Viena tornou-se uma mistura complexa de influências e movimentos, uma coleção de forças centrífugas, que acabariam levando ao fim do Império em 1919.

Os liberais, por sua vez, não destruíram totalmente as concepções aristocráticas conservadoras, mas produziram uma curiosa mescla com estas últimas. Além disso, as reações às reformas levaram-nos a diversos retrocessos, nos anos que precederam a perda da prefeitura de Viena, em 1895. A rapidez das transformações culturais e políticas em Viena levou à convivência tensa entre idéias da velha e da nova ordens, dentro do governo e através de toda a sociedade.

Schorske consegue domar essa complexidade, desvendando as relações entre os diversos movimentos e elementos da sociedade vienense, e sua importância para a evolução da cultura da cidade. A análise das ligações entre política e cultura estende-se através da arquitetura modernista dos suntuosos edifícios vienenses, fortemente influenciada pelos projetos liberais, das obras de artistas influentes como Klimt, Schönberg e Kokochka, e mesmo das motivações pessoais de uma obra científica revolucionária, A interpretação dos sonhos, de Sigmund Freud.

A obra é dividida em vários ensaios independentes, mantendo entretanto a unidade. Cada parte aborda um aspecto da cultura da cidade: a política, o sionismo, a literatura, as artes plásticas, a música. A estrutura geral está - salvo alguns capítulos - na forma biográfica. Foram escolhidos alguns representantes estratégicos dos diversos movimentos políticos e culturais, e a transformação da sociedade vienense é apresentada enquanto se desenrola a descrição da evolução do pensamento e da vida dos personagens. Entre esses representantes estão o próprio Freud, o pai da Psicanálise; os escritores e teatrólogos Arthur Schnitzler e Hugo von Hoffmannsthal, o artista plástico Gustav Klimt; os arquitetos Camille Sitte e Otto Wagner; o pan-germanista e anti-semita radical Georg von Schörer; o prefeito anti-semita vienense Karl Lueger; o sionista romântico Theodor Herzl; o escritor Adalbert Stifter; o compositor Arnold Schönberg e o artista Oskar Kokochka.

Nas biografias, a evolução das idéias dos pensadores é condicionada e explicada segundo o ambiente em que viveram - notadamente a influência da família e dos professores. Em vários pontos nota-se um gosto pela abordagem psicanalítica, principalmente pelo eco da figura dos pais nas ações dos biografados. Isso é particularmente evidente em algumas seções, como a do político radical Georg von Schörer, cuja vida tem seu desenrolar fortemente condicionado ao parricídio freudiano. Algumas das próprias idéias centrais do livro são, na Introdução, abordadas segundo uma perspectiva freudiana, como quando Schorske refere-se aos vários movimentos de rompimentos culturais da juventude vienense como uma "revolta edípica coletiva".

A obra é uma boa referência para se compreender a espécie de ambiente cultural em que o judeu Freud e sua obra se inseriram. Esse potencial é explorado no capítulo sobre o próprio Freud, no qual Shorske aplica os mesmos métodos do pai da Psicanálise para investigar as razões que o levaram a escrever A interpretação dos sonhos, sua obra seminal de 1899, a partir das influências do seu pai e do ambiente político - particularmente o governo anti-semita de Karl Lueger na prefeitura de Viena.

Uma profusão de ilustrações estrategicamente colocadas aumenta muito a clareza do texto. O leitor é colocado diante de cada objeto específico que Schorske analisa - edifícios e estruturas urbanas, quadros e estátuas, partituras musicais. Lançado originalmente em 1961, a aclamada Viena fin-de-siècle ganhou o prêmio Pulitzer em 1981. É uma obra instigante pela clareza, pela perspicácia da análise e pelo fato de os elementos tratados poderem muitas vezes ser reconhecidos na nossa própria realidade cotidiana.

Referências: [1] Eric. J. Hobsbawn, A Era dos Impérios: 1875-1914, Paz e Terra (1988), Rio de Janeiro

 

 

           
     
 
   
     
Atualizado em 10/10/00
   
     
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