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Resenhas

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A viagem do descobrimento & Náufragos, traficantes e degredados
Eduardo Bueno

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A viagem do descobrimento: a verdadeira história da expedição de Cabral

Náufragos, traficantes e degredados

Objetiva, Rio de Janeiro, 1998.

 

O lance de Eduardo Bueno: entre o discurso historiográfico e o romance de aventura

por Virgínia de Jesus da Silva

As falas nas ruas, as conversas nos ônibus, nas escolas, as pichações nos muros, os outdoors espalhados pelas cidades, as propagandas e os momentos oficiais televisivos, as páginas na internet, os shows musicais, as palestras acadêmicas, as revistas e os livros, dentre tantos outros lugares de expressão, expuseram, com maior ou menor explicitação, de algum modo, alguma peculiar leitura da nação. Tudo era 500 anos, ou pelo menos, tudo girava em torno do aniversário do país.

Em sua maioria, no entanto, as vozes, embora particulares (pois cada indivíduo e cada segmento social faz sua leitura de mundo), refletiam, estavam impregnadas das imagens instituídas de nação. Em outras palavras, essas vozes estavam profundamente centradas no conjunto de versões que denominamos História do Brasil, mas não de maneira analítica, e, sim, na forma como deve ser vista e apropriada ou internalizada a nação.

Um fato notório, que vem confirmar essa constatação, é o de que a historiografia tradicional, seja do país, seja da literatura, sempre ocupou-se em difundir os relatos e registros históricos, através de velhas estratégias - aquelas baseadas em grandes nomes e datas significativas a decorar - sem o essencial propósito analítico-reflexivo, que provavelmente poderia suprir as lacunas que se expõem, quando se tenta entender e sentir, através do passado, nossa identidade e nosso tempo presente.

Muitos discursos, no contexto das comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, todavia, surgiram com a intenção de (re)interpretar o processo de constituição e invenção da nação brasileira; muitos surgiram com o propósito de (re)avaliar nosso processo identitário. Nesse esteio comemorativo, portanto, várias vozes, confluíram numa tentativa clara de ler o Brasil. Ao longo dessa comunicação, pretendo tecer considerações, ainda que breves, sobre o que penso constituir-se em duas novas estratégias de abordagem, surgidas no discurso historiográfico contemporâneo. Antes, porém, faz-se necessário uma pontuação.

Durante minha participação no projeto de pesquisa Reconfigurações do Imaginário e Reconstruções de Identidades (veja texto sobre o projeto), que acompanha, registra e avalia as comemorações dos V séculos do descobrimento, fiz, ao longo do ano 2000, o acompanhamento de três veículos através da Internet, a saber: a revista Época e os jornais Correio da Bahia (Salvador) e O Globo (Rio de Janeiro). Nesses procurei mapear, destacar e analisar discursos, que, de maneira direta ou não, tratassem principalmente das questões relativas aos 500 anos do descobrimento. Em um desses veículos, a revista Época, pude travar contato com uma nova forma de leitura do nosso processo identitário, através dos artigos encontrados na coluna do jornalista e escritor Eduardo Bueno. Esses artigos recuperam e reescrevem recortes de relatos e registros históricos oficiais, em tom informativo, com o propósito de suscitar interesse e, conseqüentemente, divulgar a nossa história colonial.

Dos artigos na revista, passei a trabalhar com as obras do escritor concernentes ao descobrimento. Muitos dos artigos podem ser entrevistos nessas obras. Mais especificamente utilizei como corpus para esse trabalho, os dois primeiros livros da série publicados pelo autor, A Viagem do Descobrimento e Náufragos, Traficantes e Degredados.

A primeira narrativa, A Viagem do Descobrimento - A Verdadeira História da Expedição de Cabral, trata, em forma de aventura, da busca de um novo mundo pelos portugueses. Podem ser vislumbrados detalhes sobre a viagem; o cotidiano dos homens que acompanhavam Cabral (tais como aventureiros, soldados, sacerdotes e degredados); além de curiosidades sobre quanto recebiam, como se alimentavam e os propósitos que os moviam, assim como os dos homens que, longe de estarem sofrendo as vicissitudes da viagem, eram os responsáveis pelos planos que acarretaram na expansão marítima portuguesa.

A segunda, Náufragos, Traficantes e Degredados - As Primeiras Expedições ao Brasil, aborda detalhadamente o período de nossa história compreendido entre 1500 e 1531. Período esse escasso de registros e estudos, no qual é retratada a saga vivida pelos primeiros europeus que aqui chegaram; de que maneira eles terminaram por constituir-se nos primeiros brasileiros, já que segundo o autor, sua atuação direta nos acontecimentos, como por exemplo, no comércio indiscriminado de pau-brasil ou na exploração do Prata (dentre tantos outros) vai colaborar na definição dos caminhos do iminente país.

Nessas obras, portanto, o leitor se depara com uma narrativa povoada dos mais variados detalhes acerca de nossa história colonial. A linguagem que o autor utiliza termina por suscitar imagens e o leitor consegue assim, sentir e vivenciar os acontecimentos narrados. A linguagem é atrativa, bem-humorada, detalhada, prendendo o leitor e o instigando a conhecer e entender o contexto que movia os homens da época, seus desejos, suas relações, as forças políticas e econômicas que atuaram na expansão marítima e conseqüentemente em nossa história.

Também, pode-se dizer que com esses dois livros, principalmente, um oportuno estudo sobre o passado da nação, se dá. O que é importante ressaltar aqui é que Eduardo Bueno aparece assumindo o papel de contador de histórias. Ao desvencilhar-se do tom costumeiro utilizado nos livros didáticos destinados aos estudantes de 1º e 2º graus, e do tom acadêmico, o escritor - sem preocupações maiores além de informar, de maneira interessante, as curiosidades e peculiaridades de nossa história, assim como também os aspectos que antes tratei - conseguiu destacar-se no circuito das publicações que tratam das questões referentes aos 500 anos.

Destaco aqui, uma das estratégias que pude observar: a de popularização da história. Ou seja, por ter imprimido à narrativa o tom informativo a que me referi, libertando a história dos bancos de escola, como ele mesmo diz. É através dessa estratégia, através dos recursos lingüísticos, estilísticos e narrativos que mencionei que a história, segundo Eduardo Bueno, constitui-se numa forma prazerosa de mergulhar no passado do país, e suas obras conseguem atingir um público que sempre, mesmo que intuitivamente, rejeitou o tradicionalismo existente nos compêndios de história. O autor, inclusive, chegou a comentar que seus livros estavam sendo adotados por várias escolas. A razão para que tais livros tenham alcançado a marca de 300 000 exemplares vendidos, lembrando-se que falamos de livros de história, pode estar contida em suas palavras, em uma entrevista:

... achado é o conjunto da obra (...) a linguagem, a costura, é o delineamento dessa história e o jeito como ela foi apresentada. Eu libertei a história colonial do banco de escola... para que ela retornasse para lá mais livre e com mais frescor, fragrância e dinamismo.

A outra grande estratégia a que me proponho a apontar aqui pode ser indicada retomando-se Friedrich Nietzsche, em suas Considerações Extemporâneas, ao fazer uma breve explanação sobre a história monumental, definindo-a como a história dos mitos, dos grandes homens, dos fatos e heróis oficiais. Um outro mérito de Eduardo Bueno talvez seja exatamente o de destituir a história enquanto monumento, pois, na verdade, o escritor, ao re-escrever a história inicial do país, resgata personagens que sempre foram considerados secundários ou até apagados pela historiografia tradicional.

São nomes e indivíduos que sempre foram preteridos ao de Pedro Álvares Cabral, mas que muito mais que ele (sem querer aqui emitir valorações) habitaram, intermediaram, direcionaram, persistiram, dizimaram, roubaram. Ele dá corpo e voz àqueles, que como antes ressaltei, foram os que aqui estiveram, os que intermediaram o comércio com as potências européias, que exploraram os vários pontos do litoral brasileiro, que constituíram as primeiras expedições de incursão no interior do país, amancebaram-se ou eventualmente casaram com filhas de chefes indígenas e assumiram posição de destaque na nova terra, que iniciaram o processo de miscigenação; que escravizaram e mataram várias nações indígenas.

Ao longo do trabalho, deparei-me com algumas críticas ao escritor Eduardo Bueno, considerado muitas vezes superficial; com uma noção primária e factual de processo histórico. O escritor, por sua vez, se explica e defende, admitindo a existência de problemas em suas obras e afirmando que seu objetivo é apenas fornecer dados e informações - levar o leitor a tirar sua própria conclusão, a interpretar a história por si.

A maioria dos leitores, que escreve para muitas revistas, parece concordar e muito com o escritor. Penso que seu discurso literário figura como uma forma eficaz de procurar fazer emergir no leitor o interesse em entender seu passado, os caminhos trilhados pela construção da nação (seus personagens principais e secundários), nossa identidade cultural. É importante ressaltar que o que está em jogo não é o fato da narrativa de Bueno ser mais verossímil ou verdadeira, mas o fato dela deliberadamente incluir "os de baixo", com os quais o público em geral ao qual se dirige pode identificar-se. O escritor terminou, na verdade, ao adotar uma postura desvencilhada do conceito rígido de historiografia e ao mesclar deliberadamente discurso histórico e ficção literária, por apresentar uma nova versão do país no processo comemorativo, lendo, divulgando, analisando e criticando contemporaneamente o processo de constituição e invenção do Brasil.

Virgínia de Jesus Silva é pesquisadora do projeto Reconfigurações do Imaginário e Reconstrução de Identidades ligado ao Centro de Estudos de Migrações Internacionais (CEMI)

Atualizado em 10/04/01
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