Reportagens






Editorial:
À luz da ciência
Carlos Vogt
Reportagens:
Campanha pretende conscientizar e melhorar tratamento
Ocorrência de epilepsia é maior no terceiro mundo
Capacitação profissional é chave para um bom diagnóstico
Tratamento na rede básica receberá investimentos
Quais os avanços no tratamento da epilepsia?
Epilepsia e a físico-química cerebral
A epilepsia no decorrer da história
Grandes personalidades conviveram com a epilepsia
Educação especial tenta afastar estigma da epilepsia
Artigos:
Campanha global contra epilepsia
Hanneke M. de Boer e L.L. Prilipko
Epidemiologia das epilepsias no Brasil
Moacir Alves Borges e Dirce Maria Trevisan Zanetta
Peculiaridades de tratamento no Distrito Federal
Wagner A. Teixeira e Ricardo A. Teixeira
Reduzindo a carga econômica da epilepsia
Ley Sander
Principais equívocos epileptológicos
Paulo Cesar Trevisol Bittencourt
Epilepsia e educação: prevenção e formação ética
Ulisses F. Araújo
Aspectos psiquiátricos em epilepsia
Renato Luiz Marchetti
Mecanismos psicológicos e o estigma da epilepsia
Elisabete de Souza, Paula Fernandes, Priscila Salgado e Fernanda Doretto
A epilepsia retratada ao longo da história
Elza Márcia Targas Yacubian
Epilepsia & gravidez
Alberto Costa e Carlos Guerreiro
O tratamento cirúrgico das epilepsias
Paulo Cesar Ragazzo
Genética das epilepsias
Iscia Lopes-Cendes
CInAPCe: projeto multi-modal para estudo do cérebro
Roberto Covolan e Fernando Cendes
Modelos experimentais em epilepsias
Claudio Queiroz, João Leite e Luiz Eugênio Mello
A Associação Brasileira de Epilepsia
Marly de Albuquerque
Tratamento medicamentoso das epilepsias
Carlos Guerreiro e Marilisa Guerreiro
Qualidade de vida para pessoas com epilepsia
Hanneke M. de Boer
Artes e Epilepsia
Norberto Garcia-Cairasco
Poema:
Identidade
Carlos Vogt
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Bibliografia
Créditos
  Epilepsia
Campanha pretende melhorar tratamento

A Campanha Global contra a Epilepsia é uma iniciativa conjunta da Organização Mundial de Saúde, da Liga Internacional Contra Epilepsia e da Associação Mundial de Pacientes com Epilepsia (OMS, ILAE e IBE, respectivamente), para trazer a epilepsia para "Fora das Sombras," visando a melhorar o diagnóstico, tratamento, prevenção e a aceitação social dessa doença, através de esclarecimento, educação e desestigmatização da epilepsia.

A campanha mundial Driving Epilepsy out of the Shadows foi formalmente lançada em Genebra e Dublin durante o 22º Congresso Mundial de Epilepsia, em 1997, para informar que epilepsia não é contagiosa e nem deve necessariamente ser associada a doença mental. A campanha refere-se também ao fato de que a maioria dos pacientes, profissionais de diferentes áreas, oculta a doença.

A epilepsia quando não é tratada pode levar à morte, porém seu tratamento é relativamente fácil e barato, desde que o diagnóstico seja feito precocemente e o acompanhamento médico seja apropriado. Este é justamente um dos maiores problemas concernentes à epilepsia, pois, apesar dos avanços científicos na compreensão do problema serem grandes, o acesso ao tratamento continua sendo extremamente desigual e está muito aquém do que seria desejável.

Por isso, a Campanha desenvolve projetos em diversos locais do planeta com o objetivo de melhorar a identificação e o manejo dos pacientes com epilepsia, incrementando a participação da comunidade e criando um modelo de tratamento integral que possa ser aplicável globalmente.

O Brasil foi encampado pela Campanha Global, através de um projeto demonstrativo que está começando a ser implantado nas cidades de Campinas e São José do Rio Preto, no interior do estado de São Paulo. Para que esse projeto começasse a ser desenvolvido foi criada uma ONG (organização não governamental) que também tem o intuito de centralizar as ações da Campanha Global aqui no Brasil, a Assistência à Saúde do Paciente com Epilepsia (Aspe, ver texto mais detalhado sobre este assunto nesta edição).

As atividades da Campanha incluem:

  • Incentivar o desenvolvimento de políticas nacionais contra a epilepsia.
  • Estimular a conscientização sobre as necessidades das pessoas com epilepsia.
  • Estabelecer projetos demonstrativos que sustentem práticas a serviço das pessoas com epilepsia.
  • Treinar pessoal da saúde dentro das áreas estratégicas escolhidas (veja reportagem nesta edição).
  • Assegurar que os medicamentos antiepilepsia estejam disponíveis (veja reportagem nesta edição).
  • Assegurar que a maioria das pessoas com epilepsia recebam tratamento adequado.
  • Dar particular atenção às necessidades dos jovens com epilepsia, de modo que eles estejam aptos a freqüentar a escola.
  • Reduzir o estigma da epilepsia e quando for necessário, ajudar a mudar a legislação discriminatória contra as pessoas com epilepsia (veja reportagem nesta edição).
  • Capacitar as pessoas com epilepsia e seus familiares visando habilitá-los a melhorar suas condições de vida.
  • Dar suporte aos grupos que trabalham em benefício das pessoas com epilepsia, e aonde estes grupos ainda não existirem, providenciar sua instalação.

O documento "ILAE/IBE/WHO - Global Campaign against Epilepsy" (2001), diz que é alarmante que milhares de pessoas continuem morrendo em países em desenvolvimento, da mesma forma como acontecia há séculos. A incidência da doença nos países em desenvolvimento é bem maior do que nos países desenvolvidos, conforme pode ser visto no gráfico a seguir, que demonstra que a epilepsia afeta cerca de 50 milhões de pessoas no mundo, dos quais, 40 milhões vivem em países em desenvolvimento.

Países desenvolvidos
Países subdesenvolvidos
Total

A alta ocorrência deste fenômeno nos países mais pobres sugere que existem causas peculiares para isso nestas regiões. Doenças infecciosas e parasitárias como a malária, meningite e a neurocistecircose, são enormes fatores de risco para a epilepsia.

Dos distúrbios mentais graves, a epilepsia é o mais comum, afetando pessoas de todas as idades, etnias e classes sociais. Estima-se que estes distúrbios sejam responsáveis por causar a perda de 11% dos dias úteis de trabalho em todo o mundo. A epilepsia sozinha contribui com 1% do total dos dias perdidos, o que gera grande impacto negativo na economia, sobretudo nas regiões subdesenvolvidas.

Durante o ano de 2001, a Organização Mundial de Saúde (OMS), usando tribunas como o "Dia Mundial da Saúde" e a "Assembléia Mundial da Saúde", chamou a atenção da opinião pública sobre o assunto, ao expressar que a Organização e seus Estados Membros se comprometiam a assumir plenamente e sem restrições suas responsabilidades neste âmbito da saúde pública. A mensagem foi clara e inequívoca: "A OMS, na qualidade de principal organismo mundial dedicado à saúde pública e à saúde mental, tem a missão e a obrigação de velar para que a ciência e a razão prevaleçam sobre a ignorância, a superstição e o estigma."

Consultado sobre a atuação do governo brasileiro nessa área, o coordenador da área de saúde mental do Ministério da Saúde (ASTEC/SAS/MS), Pedro Gabriel Delgado, informou que o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Saúde se reuniram para definir formas de apoio a Campanha Global promovida pela OMS. Segundo ele, está sendo elaborado um programa de capacitação de multiplicadores a ser aplicado a profissionais da rede básica de saúde.

A dimensão social da epilepsia
A epilepsia é um distúrbio do cérebro que se expressa por crises epilépticas repetidas, decorrentes de inúmeras causas, detectáveis ou não. Uma delas é a neurocisticercose, que significa a presença, na carne, da larva da Taenia solium, cujo hospedeiro intermediário é o suíno, sendo hospedeiro definitivo o homem, que uma vez infectado pelos ovos, desenvolve cisticercos nos tecidos que podem atingir o cérebro.

A cisticercose

A cisticercose é uma infecção que se produz como decorrência de ingestão de ovos de um parasita, a Taenia solium. Ela surge se origina quando o embrião ingressa, através do tubo digestivo, na corrente sangüínea e se espalha pelo organismo até se hospedar em algum órgão. Os mais freqüentes são o cérebro (neurocisticercose), os músculos e a retina do olho e, em menor medida, a região sob a pele e os ossos.

Quando os cisticercos se hospedam no cérebro, o organismo, pela reação imunológica natural, pode reabsorver o quisto em qualquer uma de suas instâncias: antes, durante ou depois de estabelecido. Se, através dos anticorpos, consegue "quebrá-lo" e calcificá-lo, os efeitos são minimizados. Caso isso não aconteça, o parasita se enquista, forma uma vesícula (cada uma delas contem um embrião, uma larva da Taenia solium) e pode ficar latente vários anos, sem originar complicações na pessoa. O aparecimento de sintomas depende da quantidade de vesículas (quanto maior for a quantidade de embriões que atinjam o cérebro, maior será a quantidade de quistos futuros), da quantidade de agente infectante que contenham e da sua localização.

O professor do Departamento de Neuropsiquiatria da Faculdade de Medicina da UFBA, Antônio de Souza Andrade Filho, explica que a neurocisticercose é uma parasitose típica de regiões em desenvolvimento, associada a precárias condições de higiene e saneamento básico. Encontra-se difundida mundialmente, alcançando extrema importância no perfil socioeconômico das regiões acometidas, uma vez que 75% dos pacientes apresentam-se em plena idade produtiva.

Em artigo publicado no periódico Arq Neuropsiquiatr, Trevisol-Bittencourt, Silva e Figueiredo relatando pesquisa feita na UFSC, dizem que a neurocisticercose - expressão usada para designar a infecção do sistema nervoso pelo Cysticercus cellulosae - é, muito provavelmente, a principal responsável pela elevada prevalência de epilepsia no Brasil. Constatando que em diversas áreas do país, possui um caráter endêmico, o que gera grande dispêndio financeiro para um enfrentamento das diversas complicações neurológicas relacionadas a ela, afirmam que a região sul do Brasil, por suas peculiaridades sócio-econômicas, com a suinocultura disseminada, é considerada pelo Ministério da Saúde como uma área de alto risco.

Os dados coletados em Chapecó, principal cidade do oeste de Santa Catarina, mostram que a despeito desta região sediar agroindústrias de projeção internacional, a cisticercose grassa endemicamente na área. Um controle deste flagelo terceiro mundista poderia ser obtido com a difusão de mensagens educativas, em linguajar apropriado, para uma sensibilização de toda a população que vive naquela região. Além disso, todos aqueles indivíduos envolvidos em suinocultura, independentemente de como esta seja classificada, deveriam ser objeto de atenção especial, sugerem os pesquisadores.

"Não há, porém, estudos confiáveis que indiquem, qual é a real contribuição das lesões causadas pela neurocisticercose para a causa da epilepsia no Brasil. Para que se possa determinar com razoável grau de certeza esta correlação, é necessário que se determine com exatidão quais áreas cerebrais foram afetadas", explica o professor Aldo von Wangenheirn da UFSC.

Segundo ele afirma em reportagem da revista de jornalismo científico do Centro Tecnológico da Universidade Federal de Santa Catarina, essa é uma tarefa complicada efetuada por meio da inspeção visual de material radiológico ou pela utilização de softwares encontrados nas estações de trabalho radiológicas. Por isso, a meta da sua equipe de pesquisadores é substituir a lupa e o negastocópio (aparelho para observação dos negativos ou chapas radiográficas) pelo computador. Para tanto, vêm investindo no desenvolvimento de um método de visão computacional para identificação, contagem, mensuração e localização de calcificações relacionadas a neurocisticercose em imagens de Tomografias Computadorizadas de Cérebro.

Os estudos vêm sendo desenvolvidos através de um trabalho conjunto do Departamento de Informática e de Estatística da UFSC com o Grupo de Sistemas Baseados em Conhecimento da Universidade de Kaiserslautern e a Clínica Radiológica Budedenbrock, Blasinger e Benz, da Alemanha, e o Ambulatório de Epilepsia de Florianópolis.

"Nossa meta é viabilizar a elaboração de estatísticas confiáveis acerca da participação da neurocisiticercose na origem da epilepsia secundária no Brasil e em outros países. A comprovação das hipóteses será argumento decisivo para o incentivo a campanhas de informação e de saneamento básico, medidas simples que poderiam evitar diversos casos de epilepsia no país," ressalta o professor.

Outro exemplo da gravidade deste problema é o estado de Roraima, localizado ao norte do país, integrante da Amazônia Brasileira e formado por quinze municípios com uma população de 247.724 habitantes. Segundo o resumo da pesquisa de Lemes de Campos (BVS/Escola Nacional de Saúde Pública), "a população suína do Estado é estimada em 65.000 animais, criados na sua maioria com baixo grau de tecnologia, soltos no campo e alimentados com frutas, pastagens, legumes e restos de comida. No estado, não há frigorífico que abata suínos para a comercialização da carne in natura, sendo consumida a carne proveniente de abatedouros clandestinos (sem inspeção sanitária) ou de frigoríficos de outros estados (com inspeção sanitária). Na capital do estado, Boa Vista, o índice de saneamento básico (esgoto) é de 13,13%; nas cidades do interior não há esse serviço."

"A investigação epidemiológica da doença em humanos e animais no estado, com o tratamento dos doentes; o incentivo para que se construa abatedouros dentro das normas higiênico-sanitárias com o serviço de inspeção no abate de suínos; a orientação técnica para criadores de suínos; a fiscalização de hortas e pomares com exames laboratoriais da água para irrigação; o aumento da rede de esgoto no estado; a conscientização do consumidor para que só adquira produtos de boa qualidade para consumo; campanhas educativas de medidas higiênicas básicas e distribuição de vermífugo para a população, entre outras medidas, contribuirão muito para que a cisticercose, quando notificada, seja de fácil controle pelas autoridades de saúde", analisa Lemes de Campos.

Para Paulo César Bittencourt, do Departamento de Neurologia da Universidade Federal de Santa Cataria (UFSC), o Brasil deverá se tornar um dos principais fornecedores de alimentos para o mundo e tem que tomar medidas para combater a doença. "O interesse internacional pelos produtos das nossas agro-indústrias aumentará substancialmente quando este flagelo terceiro-mundista for banido destas bandas. Erradicar cisticercose e suas diferentes apresentações do Brasil é algo exequível, bastando a decisão política para seu enfrentamento eficaz. Nossas autoridades deveriam ter em mente que pelo menos um quarto da população epilética nacional tem na neurocisticercose sua origem", diz.

Além dessas ações, ganham relevância no combate à epilepsia, que tem se tornado um assunto de fundamental importância para a saúde pública, um conjunto de temas que envolvem o saneamento básico, quais sejam, o abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta e destinação final do lixo, dentre outros, todos temas eminentemente urbanos e de prioridade indiscutível em um país como o Brasil.

Saneamento como prevenção
É a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão executivo do Ministério da Saúde, que tem a missão de ser uma agência de excelência em promoção e proteção à saúde, mediante ações integradas de educação e de prevenção e controle de doenças visando à melhoria da qualidade de vida da população.

A Funasa atua de forma descentralizada, com uma Coordenação Regional em cada estado, com estrutura técnico-administrativa para promover, supervisionar e orientar as ações de prevenção e controle de doenças e de engenharia de saúde pública. Direcionando as ações de saneamento para as comunidades cujos indicadores de saúde denotam a presença de enfermidades causadas pela falta e/ou da inadequação de saneamento.

Entre 1995 e 1999, a Funasa investiu R$ 890,64 milhões em saneamento no país, alcançando 3.500 municípios brasileiros, sendo que mais de 80% desses municípios possuem população menor que 30 mil habitantes. Essas ações compreenderam o fornecimento contínuo de água de boa qualidade para o consumo humano, coleta regular, acondicionamento e destino final adequado do lixo e esgotamento sanitário.

Apesar dessas ações de saneamento em saúde, que contribuem para a redução e controle de várias doenças, dentre elas a cisticercose, muito ainda precisa ser feito pois, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, realizada pelo IBGE em 2000, dos 5.471 municípios existentes no país, apenas 1.814 têm 100% de domicílios com lixo coletado e 247 não possuem sequer área para a disposição final dos resíduos de coleta de lixo.

A pesquisa mostra também que, de um total de 9.848 distritos das grandes regiões metropolitanas e municípios das capitais, 5.751 não possuem rede coletora de esgoto. Dentre os 4.097 distritos que têm coleta de esgoto, 2.714 não dispõem de tratamento do esgoto sanitário. Desses distritos, 1.192 não têm rede geral de abastecimento de água e em 5.428 distritos não existe flúor na água distribuída.

Mais informações

(MP)

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Atualizado em 10/07/2002
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