A Saúde dos Índios: o caso das epidemias entre os Yanomami
   
 
Poema

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Panorama das línguas indígenas
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Em artigo de Patrick Tierney, publicado no início de outubro na revista The New Yorker, encontram-se várias acusações a pesquisadores americanos que, numa expedição no final da década de 60, vacinaram índios Yanomami contra sarampo. Além do artigo, Tierney escreveu um livro chamado Darkness in El Dorado: How Scientists and Journalists Devasted the Amazon, a ser lançado nos EUA ainda neste mês de novembro. Uma grande polêmica foi criada em torno das declarações do autor, que "aparentemente eram bem fundamentadas", segundo Bruce Albert, presidente da US National Academy of Sciences, em declaração feita no último dia 9. Para Albert, em muitos momentos as conclusões de Tierney são contraditórias ou não corroboradas pelas referências que ele cita.

Em recente entrevista à revista Com Ciência, Bernardo Beigelman, ex-professor titular de genética médica na Unicamp, trabalhando na área por mais de 30 anos e atualmente professor convidado do Instituto de Ciências Biomédicas das USP, se diz 'horrorizado com a malidicência que Tierney e a mídia se referem a Neel'. Faz também questão de salientar o maior antagonista acadêmico de James Neel, o Prof. Newton Morton, da Universidade de South Hampton UK, saiu rapidamente em defesa do trabalho realizado pelo geneticista, declarando-se a favor da postura ética assumida pelo norte-americano.

Não houve ainda um pronunciamento oficial por parte da Sociedade Brasileira de Genética (SBG). Contudo, James Neel foi homenageado, em setembro, na reunião anual da Sociedade. Segundo declaração de Horácio Schneider, presidente da SBG, há um grupo estudando o caso e neste mês de novembro deverá ser feito um pronunciamento oficial.

O superintendente da SUCEN (Superintendência de Controle de Endemias do Estado de São Paulo ), Dr. Luiz Jacintho da Silva, lembra que as vacinas de sarampo produzem reações que se parecem com o sarampo, mas não existem registros da ocorrência da doença devido à vacina, nem contágio a partir dela. A única possibilidade disso ocorrer, embora bastante remota, seria se a vacina estivesse contaminada com o vírus do sarampo. Ele ressalta ainda que a vacinação é altamente recomendada aos índios e deve seguir as mesmas rotinas usadas para as outras populações da região. Contudo, segundo ele, é necessário observar a questão ética, pois "não se pode chegar com uma vacina embaixo do braço e sair vacinando". De acordo com o livro de Tierney, a expedição não teria pedido autorização ao governo venezuelano para fazer a vacinação. Essa acusação foi negada pela historiadora da ciência Susan Lindee, da Universidade da Pensilvania, a partir de anotações de campo e documentação depositada por Neel na American Philosophical Society, da Filadélfia.

O artigo científico referente à vacinação, publicado em 1970 por James Neel, Napoleon Chagnon e colaboradores, conclui que os índios não teriam maior susceptibilidade genética a epidemias que outras populações (caucasianos), como alguns geneticistas humanos e antropólogos acreditam. Foram estudadas as respostas imunológicas ao sarampo e à vacina do sarampo Edmonston B, aplicada na ocasião pelos pesquisadores com a ajuda de missionários, médicos e equipes médicas do governo venezuelano, associada à administração de imunoglobulina (substância que reduz os efeitos colaterais da vacina). De acordo com o artigo de Neel, somente 31 das mil vacinas foram aplicadas sem imunoglobulina, ou seja, teria sido observado o aconselhamento fornecido previamente pelo Center of Disease Control em Atlanta para o uso adequado da vacina. As reações à vacina são apresentadas no artigo como tendo sido semelhantes às apresentadas por caucasianos. Por outro lado, as reações ao sarampo e mortes teriam sido menores que a média relatada para índios e caucasianos, provavelmente em decorrência dos cuidados e antibióticos ministrados pela equipe de Neel, e médicos, enfermeiros e missionários treinados.

O estudo também cita que, como outros índios da América do Sul, os Yanomami tem medo de epidemias, sendo que vários de seus comportamentos reativos tem efeitos importantes na transmissão da doença. Quando ouvem que algum parente está doente, vão visitá-lo e voltam a sua aldeia, contam sobre a doença e as mortes e, assim, sem querer trazem a doença com eles. Alguns ainda sãos, mas incubando a doença, saem de suas aldeias para escapar da epidemia e levam a doença para outras aldeias ainda não afetadas. E finalmente, através de rapto, quando membros invadem uma aldeia que estaria contaminada. Além de se exporem à doença, levam um raptado contaminado. Também se sabe que outras respostas à doenças que poderiam aumentar o índice de mortalidade são o isolamento, a prostração, a inanição, falta de cuidado com os filhos e a resignação perante a morte.

Esse tipo de estudo sobre biologia humana, visando aspectos genéticos e evolutivos, inclui coleta de dados demográficos (natalidade, mortalidade, fertilidade e etc), epidemiológicos, e amostras de sangue para análise de proteínas. Contudo, explica Francisco Salzano, geneticista humano e colaborador de James Neel, professor do Departamento de Genética da UFRGS, as expedições a áreas indígenas somente ocorrem após acordo prévio com órgãos do governo, como a Funai e o CNPq (para acordos de cooperação internacional). Também seriam consultadas lideranças indígenas, sucedidas de reuniões gerais com as aldeias para explicar os objetivos dos estudos e oferecer assistência médica como benefício decorrente. No estudo a que se refere o artigo de Tierney, segundo Salzano, essas medidas teriam sido tomadas e as coletas de sangue realizadas em duplicata, com amostras tendo sido enviadas para três instituições: a Universidade de Michigan; a UFRGS (quando eram de Yanomami brasileiros); e o Instituto Venezolano de Investigación Científica (quando dos venezuelanos). As amostras recebidas pelo Prof. Salzano ainda são objeto de estudos sobre polimorfismos genéticos em humanos.

Outras epidemias importantes que atingem os Yanomami e outros índios amazônicos, de acordo com técnicos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa ou FNS), são a malária, a tuberculose, a pneumonia e a coqueluche.

Como descreve a professora Alcida Ramos, do departamento de Antropologia da UNB, no artigo "O papel político das epidemias: o caso Yanomami", a partir do Projeto Calha Norte, em 1985, que visava a ocupação e o desenvolvimento da Amazônia, e principalmente depois de 1987, "as Forças Armadas se omitiram na prevenção e no controle das atividades desordenadas e ilegais, dezenas de milhares de garimpeiros invadiram as terras Yanomami". Os garimpeiros teriam levado doenças como a malária, que praticamente não existia na região. Médicos, missionários católicos e antropólogos que trabalhavam com os Yanomami foram expulsos da área e durante dois anos nada do que acontecia lá dentro era divulgado.

Segundo Ramos, em junho de 1989, após várias denúncias, incluindo fotos e vídeos, sobre as péssimas condições de saúde dos índios e dos estragos ambientais causados pelo garimpo, uma comitiva da Ação pela cidadania foi a Roraima. O grupo era formado por parlamentares, membros da Igreja, representantes de associações científicas e organizações não governamentais e procurou averiguar o caso, levantando as atribuições dos órgãos governamentais responsáveis. Eles encontraram algumas comunidades na região de Paapiú e Surucucus, onde 91% dos habitantes foram infectados pela forma mais severa de malária, o Plasmodium falciparum.

Alcida Ramos explica que, a partir de janeiro de 1990, quando a situação crítica de saúde dos Yanomami atraiu a atenção internacional, começaram a ser avaliados os efeitos letais da invasão dos garimpeiros, forçando o governo brasileiro a criar às pressas um programa emergencial de saúde e a retirada dos garimpeiros. Por fim, em 1991, o governo federal fez a demarcação das terras Yanomami, porém as invasões não pararam. Ela afirma que "como, ao final do século XX, não seria politicamente correto exterminar essas populações indígenas pela força, o caminho mais econômico, prático e 'limpo' é criar condições para que ataques epidemiológicos desempenhem a tarefa de fazer desaparecer os índios das regiões que estão na mira da conquista".

A Urihi - Saúde Yanomami, uma ONG criada para ampliar a assistência à saúde dos Yanomami, estará atuando agora em mais nove postos juntamente com a Funasa, além dos três que já vinha administrando há seis anos. A Urihi foi criada por membros da CCPY (Comissão Pró-Yanomami), que há 20 anos desenvolve projetos com a etnia.

Segundo dados da Funasa, a tuberculose está se espalhando entre os Yanomami, sendo que em algumas aldeias 50% da população foi contaminada, diminuindo a sua resistência a doenças como a pneumonia e outros problemas respiratórios. Para melhorar este quadro, a CCPY e ONGs estão fornecendo cuidados médicos, programas de vacinação e treinamento de agentes de saúde Yanomami.

Contudo, políticos locais tem discordado da ação do governo em apoiar estas ONGs, alegando que elas representam um passo a favor da internacionalização da Amazônia. Para eles a OTAN poderia invadir a área com o pretexto de assegurar os direitos humanos e proteger o ambiente. Devido a esta grande pressão política, a Funasa reduziu a ação da Uruhi programada para administrar 18 dos 25 postos sendo, então, aprovados doze.

Bibliografia:

Neel, J.V., Centerwall, W.R., Chagnon, N.A., and Casey, H.L.. Notes on the effect of measles and measles vaccine in a virgin-soil population of South American Indians. Am. J. Epidemiol. 91: 418-429. 1970.

RAMOS, Alcida Rita. "O papel político das epidemas: o caso Yanomami"em Série Antropologia 153. Brasília: Dep. Antropologia, 1993.

   
           
     

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Atualizado em 10/11/2000

   
     

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