Reportagens


 

Tecnologias da virtualidade

Carlos Vogt

I

O Brasil é um país de avanços. Também de recuos. Como outros, que recuam e avançam no ritmo das emergências ditadas pelos seus problemas internos - que são muitos - e pela nova ordem da economia mundial - que é pesada.

O peso da economia globalizada para países emergentes é geometricamente proporcional à força de suas economias internas: para participar do concerto das nações é preciso pagar o tributo dessa participação na forma de saque de empréstimos em entidades internacionais, como o FMI, direcionando, a cada ano, parcelas importantes de seus produtos internos brutos (PIBs), para saldar juros e correções da dívida contraída.

Não havendo contratação de empréstimo e conseqüente contração de dívida, o país não tem como se mexer, isolado que fica da ciranda dos investimentos financeiros internacionais e sem ter como atuar nos mercados internacionais, gerando, de seu isolamento, o isolamento progressivo de sua pobreza crescente.

Há hoje continentes inteiros nessa situação dilemática: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

O nosso é um deles, a América Latina, com seus sonhos de liberdade e independência continental, com suas realidades localizadas em bolsões gigantescos de pobreza, violência, descaso e corrupção.

Há um esforço, contudo, às vezes nacional, às vezes de blocos de nações, no sentido de buscar otimizar as condições de participação desses países na dinâmica do processo de produção, de circulação e de reprodução da riqueza gerada nessa nova ordem de valores econômicos e sociais.

Parte desse esforço, se faz representar naquilo que se poderia chamar de conhecimento e domínio das tecnologias da virtualidade, quer dizer, das tecnologias da informação.

No caso do Brasil, esse esforço pode ser acompanhado de modo mais evidente a partir do final dos anos 1980, começo dos anos 1990, quando, deixando de lado, definitivamente, as políticas de reserva de mercado para a informática, o governo as substituiu por leis de incentivo fiscal, como a Lei 8.248, visando à motivação das empresas a participarem do esforço nacional de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no setor.

II

Com esse propósito, foram criados 3 programas prioritários junto ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), como parte do Programa de Desenvolvimento Estratégico em Informática no Brasil (Desi-BR): a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), o Programa Temático Multiinstitucional em Ciências da Computação (ProTeM-CC) e Softex 2000, que daria origem à sociedade Softex (Sociedade para Promoção do Software Brasileiro).

O primeiro desses programas, a RNP, expandiu-se, aperfeiçoou-se técnica e tecnologicamente e, complementada pela Rede ANSP (Academia Network São Paulo), da Fapesp, atende hoje ao mais importante circuito acadêmico do país, interligando-o entre si, internamente, e ligando-o, ao mundo exterior, com conexões cada vez mais poderosas e com o apoio, num caso e noutro, de pesquisas em internet avançada cada vez mais sofisticadas (ver outras reportagens de ComCiência, sobre Sociedade da Informação e O futuro da internet).

Os cenários que foram se desenhando com os avanços das redes e de sua extensão para usos não acadêmicos puderam também consolidar-se, fisicamente, pelas amplas modificações estruturais que ocorreram, a partir da segunda metade da década anterior, nas telecomunicações no Brasil, gerando uma oferta de serviços até então desconhecidos na história do setor no país.

A criação do Comitê Gestor da Internet por portaria interministerial (Ministério da Ciência e Tecnologia e Ministério das Comunicações), também no início da segunda metade dos anos 1990, inscreveu definitivamente o país na ordem mundial das comunicações eletrônicas e deu garantias reguladoras às condições de permanência e de aperfeiçoamento das tecnologias de informação entre nós.

O desenvolvimento da internet no Brasil fez-se acompanhar da necessidade de formação e quadros de competência em ciências da computação, nos níveis do ensino e da pesquisa, e essa necessidade, que está na origem do programa ProTeM-CC, acabou ela própria contribuindo para criar condições de pesquisa e desenvolvimento no setor de software, objeto do Softex, que completa a tríade dos programas prioritários.

O ProTeM-CC deu lugar a várias outras iniciativas com a mesma finalidade formativa e de pesquisa, internacionalizando cada vez mais as parcerias e os projetos cooperados com diferentes instituições de diferentes países e o Softex evoluiu para constituir-se em sociedade, adquirindo um status jurídico-institucional que lhe permitiu, como vem fazendo, atuar com autonomia e eficácia no apoio ao desenvolvimento de software brasileiro.

As parcerias com prefeituras e com instituições de pesquisa, além dos acordos de cooperação com entidades internacionais do setor foram ajudando a traçar uma história de avanços e recuos, de erros e de acertos que, feitas as contas, mostra, contudo, conquistas importantes e desafios não menos categorizados .

III

Entre essas conquistas estão, sem dúvida, as que se manifestam quando se considera o faturamento do setor que, por dados de 2001, foi de 7.7 bilhões de dólares, em níveis equiparados ao da China (US$ 7.4 bilhões) e ao da Índia (US$ 8.2 bilhões), dois países com os quais o Brasil divide semelhanças importantes, e diferenças sugestivas no setor, o qual, no mesmo ano, empregava aqui 158.000 pessoas, na China 186.000, e na Índia, 350.000.

Entre os desafios, que, pelos dados, compartilhamos com a China, está o de aumentarmos significativamente nossa presença nos mercados internacionais: dos US$ 7.7 bilhões do faturamento brasileiro de 2001, somente US$ 100 milhões provêm de exportações, US$ 400 milhões, no caso chinês, enquanto que na Índia, do total de US$ 8.2 bilhões, US$ 6.220 bilhões se devem às exportações.

Há, pois, um desafio apontado para a necessidade urgente de conquistar mercados internacionais para a produção brasileira de software, seja ele livre, aberto, proprietário ou fechado.

Outro desafio é também sugerido pelos números, quando se compara o número de empregos nos três países, verificando-se, novamente, uma maior proximidade entre Brasil e China (158.000 e 186.000, respectivamente) e maior distância dos dois em relação à Índia (350.000).

É possível que, nesse caso, embora altamente capacitado, esses números revelem que ainda falta ao Brasil, como tive oportunidade de escrever no "Editorial" da revista Ciência e Cultura dedicado ao tema do Software, uma política educacional mais clara para a formação de profissionais de nível médio para atuarem, como ocorre na Índia, como "escritores" de softwares, ficando os engenheiros computacionais, hoje atuando praticamente em todas as fases de desenvolvimento do produto, mais dedicados à sua concepção, propriamente dita. Com isso o número de empregos no setor cresceria, as competências melhor se distribuiriam e o objetivo da competitividade do nosso produto nos mercados de exportação ganhariam, quem sabe, oportunidades maiores de inserção.

É à inteligência dos sistemas tecnológicos de informação que este número da ComCiência é dedicado, aprofundando, para entendimento e discussão, aspectos fundamentais constitutivos da intrincada e muitas vezes paradoxal rede de aproximação virtual do mundo contemporâneo.

 
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Atualizado em 10/06/2004
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