Por Carolina Sotério e Karen Canto
Em meio à Pandemia por Sars-Cov-2, cientistas investigam tratamentos e vacinas em busca de soluções. Conheça algumas respostas que a ciência nos deu até agora
Enquanto esforços globais tentam conter o espalhamento do novo coronavírus através de políticas de isolamento físico, cientistas ao redor do mundo correm contra o tempo em busca de alternativas para enfrentar a pandemia, seja por meio de uma vacina ou pela avaliação de medicamentos e tratamentos já existentes. Atualmente são cerca de 1.831 ensaios clínicos em andamento no mundo, segundo a base de dados ClinicalTrials.gov da Biblioteca Nacional de Saúde, órgão ligado ao Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos. No Brasil, de acordo com o último relatório semanal da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), são 97 ensaios clínicos em andamento no país, aprovados pela comissão.
Entre as opções testadas, estão a dexametasona, Remdesivir e cloroquina/hidroxicloroquina – que mesmo sem evidências sobre sua eficácia, segue como aposta do governo brasileiro de combate ao coronavírus. Existem ainda alternativas terapêuticas como a terapia com plasma convalescente. Embora a solução ideal ainda seja desconhecida, a ciência já apresenta algumas respostas sobre a viabilidade de algumas alternativas.
O processo de desenvolvimento de uma vacina ou medicamento não acontece da noite para o dia. Mesmo em situações usuais, há um longo período de avaliação até que uma substância resulte em uma alternativa segura, ética e eficaz. Muitos fármacos continuam a ser aprimorados mesmo após chegarem ao mercado. Para desenvolver um medicamento novo, a pesquisa básica em laboratório é realizada com a molécula em potencial, seguindo as demais etapas de forma análoga. Para Ana Paula Hermann, professora do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), “não existem atalhos e os ensaios precisam ser implementados o mais rápido possível”.
Remdesivir
Outra solução cotada para o combate a Covid-19 é o Remdesivir. O antiviral utilizado contra o Ebola inibe uma enzima necessária para a replicação de vírus de RNA como o SARS-CoV-2. Além disso, o composto apresentou eficácia em estudos in vitro e em animais contra os coronavírus causadores da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), como ilustra o estudo publicado no The Lancet. Mas, como ressalta a farmacologista Ana Paula, o estudo foi interrompido devido ao desafio de recrutar pacientes elegíveis com a desaceleração do surto em Wuhan, dificultando a interpretação dos dados: “o beneficio do Remdesivir, se existe, é no máximo modesto”.
Nos Estados Unidos, houve autorização para o uso emergencial do produto, embora o fármaco apresente algumas limitações: além de não ser livre de efeitos adversos, ele é protegido por patente e requer aplicação intravenosa. “Caso tenha alguma utilidade, dificilmente estará prontamente disponível para uso em todos os hospitais”, pondera .
Dexametasona
Pesquisadores do Reino Unido anunciaram que o uso de dexametasona, um medicamento acessível e já utilizado no tratamento de diversas doenças como asma e alergias, diminuiu em um terço a mortalidade de pacientes em estado crítico precisando de ventilação mecânica. Para pacientes que precisavam de oxigênio, a diminuição foi de um quinto. Os resultados, que ainda não foram publicados, são fruto de um dos maiores ensaios clínicos randomizados para tratamentos da Covid-19 no mundo, o Recovery (Randomised Evaluation of COVid-19 thERapY), lançado em março. A dexametasona é o único medicamento com segurança e eficácia clínicas comprovadas até o momento. Segundo o anúncio, os pesquisadores pretendem publicar os resultados o mais breve possível.
Vacinas
Algumas possibilidades de vacinas já estão sendo testadas em humanos. Entre os destaques internacionais, estão a mRNA-1273 da empresa Moderna Therapeutics (Estados Unidos), a INO-4800 da Inovio Pharmaceuticals (Estados Unidos) e a AD5-nCoV da CanSino Biologics (China).
Em linhas gerais, a primeira se baseia em uma tecnologia que envolve o RNA mensageiro (mRNA), a fim de que ele carregue instruções (a partir do código genético do vírus) capazes de provocar uma resposta imunológica no organismo. A segunda se baseia na injeção direta de um DNA produzido em laboratório a partir do RNA do vírus. Já a última citada utiliza um adenovírus – uma classe de vírus comum em todo o mundo – que causa infecções em diferentes níveis.
Recentemente, o Instituto Butantan anunciou uma parceria com o laboratório farmacêutico Sinovac Biotec para a realização da fase 3. Segundo o governador do Estado de São Paulo, João Doria, o acordo prevê a participação de São Paulo na realização de testes clínicos desta vacina, com o acompanhamento de 9 mil voluntários brasileiros a partir do próximo mês de julho. Caso os testes sejam bem sucedidos, a vacina, que utiliza uma versão do vírus inativado, poderá ser produzida no Brasil e distribuída a população até junho de 2021, segundo anúncio oficial.
A OMS vem monitorando os ensaios clínicos para vacinas e, de acordo com os dados da organização, há cerca de 140 candidatas sendo avaliadas no momento, sendo que 13 estão em fase clínica. Para todos os casos, é preciso aguardar o tempo necessário para que os testes tragam respostas confiáveis.
Outras alternativas
A Terapia com Plasma Convalescente, já foi empregada anteriormente no tratamento da Sars e Mers e consiste na transfusão do plasma sanguíneo de um paciente curado para um indivíduo infectado. “Pessoas que foram infectadas pelo Sars-Cov-2 e que se recuperaram, mesmo que não tenham desenvolvido os sintomas, já produziram anticorpos contra o vírus e, portanto, podem ter seu plasma utilizado”, explica Nelson Hamerschlak, um dos pesquisadores a frente do tratamento e também coordenador de Hematologia e Transplante de Medula Óssea do Hospital Albert Einstein, onde a terapia vem sendo empregada desde o início de abril. O médico acrescenta que o protocolo é administrado apenas em pacientes em estado grave, que já apresentam falta de oxigenação no sangue. “ Ainda não temos resultados consistentes, pois para isso seria necessário um estudo randomizado, com uma grande quantidade de pacientes, no entanto, os resultados preliminares são promissores”.
Ensaios clínicos estão sendo delineados em esforços globais, incluindo um mega estudo conduzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) intitulado “Solidariedade”, do qual a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) faz parte. “Por enquanto, a única maneira de conter essa nova doença é com medidas não farmacológicas, o que inclui o distanciamento social”, diz Ana Paula Hermann.
Não existe solução milagrosa
A falta de soluções imediatas pode levar a população a adotar medidas drásticas para combater a doença sem qualquer respaldo científico. A ingestão de água tônica, água prateada e até mesmo desinfetante – este último sugerido pelo presidente Donald Trump -, além de não possuírem qualquer efeito contra o Sars-Cov-2 podem ser prejudiciais ao organismo, como no caso do desinfetante, em que intoxicações foram registradas. “O desinfetante não vai ‘procurar’ especificamente o vírus em seu organismo, não há nenhuma seletividade”, explica o professor do Instituto de Química da Unicamp, Gildo Girotto Júnior. O docente também escreveu na página do Blogs de Ciência da Unicamp sobre outras soluções que representam perigos no combate ao novo coronavírus.
Sobre os vários tratamentos e protocolos testados, Nelson Hamerschlak faz questão de ressaltar: “O importante é que todos os pacientes que recebam esses tratamentos, estejam participando de protocolos clínicos, aprovados por comitês de ética. Isso é crucial não apenas para a segurança do paciente, mas também para que os resultados sejam confiáveis e reprodutíveis”.
Para obter informações confiáveis sobre os estudos que estão sendo realizados em busca de tratamentos para a Covid-19 no cenário brasileiro, acesse o portal da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Cloroquina/Hidroxicloroquina alternativas descartadas pela comunidade científica
Entre as primeiras alternativas anunciadas estavam a cloroquina, um antimalarial utilizado no Brasil desde os anos 1940, e a hidroxicloroquina, seu derivado sintético, mais seguro, porém menos eficaz. O uso de associações entre cloroquina/hidroxicloroquina e outros fármacos foi alavancado como potencial tratamento para a doença pelo presidente Donald Trump e, posteriormente, ganhou a simpatia do presidente Jair Bolsonaro. O medicamento entrou em evidência após um estudo francês divulgar resultados clínicos promissores que, no entanto, foram obtidos sem o rigor científico necessário, e considerados inconsistentes pela comunidade científica. Estudo da prestigiada revista The Lancet realizado com mais de 96 mil pacientes relacionava o uso dos medicamentos a um aumento de mortalidade e de ocorrência de arritmias cardíacas, mas foi posteriormente retratado após receber inúmeras críticas da comunidade científica em relação aos dados utilizados. A Organização Mundial de Saúde (OMS) suspendeu os testes com hidroxicloroquina nas pesquisas coordenadas pela entidade, bem como o próprio governo dos Estados Unidos. O governo brasileiro porém, por meio do Ministério da Saúde insiste na utilização desses medicamentos para casos leves e recentemente estendeu a recomendação para crianças e gestantes. Segundo dados mais recentes divulgados pelo Recovery, não existem evidências científicas do uso do medicamento no combate a Covid-19.
Carolina Sotério é escritora, formada em química (USP), pós-graduanda na área de divulgação científica (USP) e aluna do curso de especialização em jornalismo científico pelo Labjor/Unicamp.
Karen Canto é graduada e mestre em química pela UFRGS, doutora em Ciências pela Unicamp, aluna do curso de especialização em jornalismo científico Labjor/Unicamp e bolsista Mídia Ciência (Fapesp).