Conheça Mulheres na Ciência, uma comunidade de Facebook criada por ‘revolta e cansaço’ que se multiplicou rápido, gerou site e em breve produzirá podcasts

Por Laura Rocha Prado

O mulheresnaciencia.com.br tem 9 editoras voluntárias responsáveis pela curadoria de publicações divididas em seções de notícias, histórias inspiradoras de trajetórias pessoais, história da ciência, divulgação científica e conteúdos voltados para meninas. Acreditamos que nosso principal diferencial é dar espaço a temas que são pouco abordados em veículos tradicionais de divulgação científica: maternidade, assédio, discriminação. Divulgamos as pesquisas de mulheres incríveis de todo o mundo e fazemos questão de exaltar cientistas do passado como as protagonistas que elas deveriam ter sido.

Toda mulher tem uma história de machismo para contar; e mulheres cientistas têm histórias em dobro no repertório. Fazer parte de um ambiente acadêmico e altamente intelectual não nos protege de sofrer preconceitos. Cientistas são, afinal, apenas humanos. Apesar dos números da participação feminina crescerem lentamente a cada a década, mulheres seguem sendo minoria na maioria das áreas do conhecimento. O estereótipo do cientista não inclui uma versão feminina, e poucas pessoas se lembram de uma mulher quando pensam em ciência. Figuras importantes da ciência ao longo dos séculos tiveram suas contribuições sistematicamente apagadas, apenas por pertencerem ao gênero “mais frágil”. Ser uma mulher em ciência é algo muito solitário, até os dias atuais.

Quando discutimos alguma questão relacionada à nossa condição, sentimos tratar-se de um tabu que deve ser mantido em círculos fechados, por conta das represálias, que são muitas e frequentes. Por vezes somos ignoradas ou consideradas reclamonas e exageradas porque “não existe machismo na Academia”. Já ouvimos que “mulher não é bom pra fazer trabalho de campo, porque mulher é fraca e tem pouca tolerância à dor”; que a vaga de docente “deve ser ocupada por um homem, porque mulher em idade reprodutiva vai logo querer ter um filho e passar um tempão de licença-maternidade”; que certa pesquisadora só chegou aonde está porque “certamente deve ter seduzido alguém importante”. Todos os clichês sexistas que parecem saídos de um filme antigo – nós conhecemos bem.

Uma mistura de revolta e cansaço inspirou minha amiga, a bióloga Rafaela Falaschi, a criar uma comunidade no Facebook, o Mulheres na Ciência, na qual mulheres cientistas do Brasil (e mundo!) todo começaram a abrir seus corações. A velocidade com a qual a comunidade cresceu nos mostrou que havia ali um grande desejo de se fazer ouvir. Assim, decidimos produzir o site mulheresnaciencia.com.br, de modo a suprir essa vontade de ocupar espaços e fazer divulgação científica do ponto de vista feminino.

Nosso site é totalmente colaborativo e conta com a participação de nove editoras voluntárias, responsáveis pela curadoria de publicações divididas em seções de notícias, histórias inspiradoras de trajetórias pessoais, História da Ciência, divulgação científica e conteúdos voltados para meninas. Nossas editoras já participaram de diversos eventos formais e informais, representando nossa comunidade em mesas redondas, debates, simpósios e entrevistas.

Desde o início recebemos inúmeras mensagens de apoio, principalmente de mulheres que se sentem, finalmente, representadas. Também descobrimos que nosso alcance ultrapassa os limites da Academia e que nosso trabalho inspira pessoas de todos os gêneros e idades com um interesse em ciência de modo geral. A resposta do público – seja através de mensagens de apoio ou de manifestação de interesse em colaborar com nosso site – é a nossa grande inspiração, que nos mantém motivadas a continuar o trabalho diariamente.

Acreditamos que nosso diferencial principal é dar espaço a temas que são pouco abordados em veículos tradicionais de divulgação científica, dando atenção à porção humana da ciência: falamos sobre maternidade, assédio, discriminação, desafios da carreira científica no Brasil. Divulgamos as pesquisas de mulheres incríveis ao redor do globo e fazemos questão de colocar cientistas do passado como as protagonistas que elas deveriam ter sido.

Ainda temos uma longa jornada pela frente, e a cada dia pretendemos melhorar nossa representatividade, abordando temas importantes que façam recorte de classe e raça, por exemplo. Esse ano pretendemos ingressar também no universo dos podcasts, que é uma área altamente excludente onde quase só há homens falando sobre ciência.

Gostamos de dizer que saímos do laboratório e estamos no ar; e que o futuro é feminino.

Laura Rocha Prado é graduada em ciências biológicas pela Unicamp (2007), mestre em ciências (zoologia) pela USP, especialista em jornalismo científico pelo Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor-Unicamp, 2010) e doutora em ciências (zoologia) pela USP (2015).

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência promove em sua sede nesta segunda-feira (11 de fevereiro), das 9h às 17h, o seminário "SBPC e as Mulheres e Meninas na Ciência". Endereço: Rua Maria Antônia, 294, 4º andar, Vila Buarque, centro de São Paulo (SP).

O dia 11 de fevereiro foi declarado pela Assembleia Geral da Unesco como o “Dia de Mulheres e Meninas na Ciência”, tornando-se data mundialmente reconhecida.

Em todo o mundo, menos de 30% dos cientistas são mulheres.

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As mulheres negras e a ciência no Brasil: “E eu, não sou uma cientista?”, por Bárbara Carine Soares Pinheiro (UFBA)