Como é ser mulher no mercado de trabalho?

Por Juan Mattheus 

Levará 95 anos para que haja igualdade entre homens e mulheres no Brasil, aponta relatório do Fórum Econômico Mundial. O documento, divulgado em outubro de 2016, mostrou as diferenças no mercado de trabalho em 144 países – o Brasil ocupa o 79ª lugar. No topo, ficaram a Islândia (1º), Finlândia (2º) e Noruega (3º). O relatório aponta, também, que há um desperdício de talentos quando não são dadas oportunidades profissionais às mulheres.

De acordo com o artigo “Gênero, mercados de trabalho e o trabalho das mulheres”, escrito pelo economista da Organização Mundial do Trabalho (OMT) Richard Anker e pela professora de economia da Bowdoin College, Deborah Degraff, a desigualdade de gênero se apresenta de diversas formas, podendo-se destacar a participação diferenciada na força de trabalho e a segregação ocupacional por sexo, bem como outros aspectos, tais como os baixos salários recebidos pelas mulheres ou o assédio.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em conjunto com o Ministério do Trabalho, divulgou, em março de 2016, uma nota técnica denominada “Mulheres e trabalho: breve análise do período 2004-2014”. A nota apresenta um estudo sobre os postos que ocupam e a evolução de salários femininos, e confirma que os homens continuam sendo a maioria no mercado de trabalho. “Enquanto os homens, sejam brancos ou negros, apresentam taxas de atividade da ordem de 80%, as mulheres de ambos os grupos raciais não alcançam 60%. Ou seja, de cada 10 mulheres, 4 não conseguem se colocar disponíveis para uma ocupação no mercado de trabalho”.

O salário médio do brasileiro passou de R$ 1 mil, em 2004, para quase R$ 1.600 em 2014, um aumento considerável. Entretanto, mesmo com a nota apontando leve melhora entre 2004 e 2014, a desigualdade entre os salários ainda persiste: a média do homem, em 2014, era de R$ 1.831, enquanto a da mulher era de R$ 1.288.

Doutora em história social da Universidade Federal Fluminense (UFF), Nikelen Witter aponta que as mulheres, em geral, precisam ser melhores que a maioria dos homens ao seu redor para ascender em qualquer profissão. “Hoje em dia é mais fácil para uma mulher entrar em profissões ditas ‘masculinas’, pois, em tese, todas lhe são franqueadas. O discurso do mérito dirá o contrário: que se escolhe o mais competente, o mais engajado, o que trabalha com mais afinco. Mas há nisso uma enorme falácia. No geral, os homens conseguem estar mais disponíveis para trabalho pois têm o universo doméstico resolvido, enquanto, no caso das mulheres, elas é que precisam resolver esse universo em jornadas duplas ou triplas”, explica.

Witter ainda diz que há, de forma muito forte, a ideia de que o homem precisa ganhar mais, pois sustenta mais pessoas que a mulher, enquanto o salário delas entraria como um complemento das despesas da casa. “Essa percepção não é apenas de empresas ou leis, mas dos homens e das mulheres. Alguns homens chegam mesmo a se sentir diminuídos se ganham menos que as mulheres”.

A fragilidade construída

A segregação da mulher dentro do mercado de trabalho vem de uma sociedade considerada patriarcal, colocando a mulher em posição submissa ao homem. Segundo o artigo de Anker e Degraff, as mulheres ainda são as maiores responsáveis pelo cuidado dos filhos, por outros cuidados, e pelo trabalho doméstico. Aos homens tocaria o papel de principais provedores (mesmo que, na prática, muitas mulheres assumam essa responsabilidade).

“Em todo o mundo as mulheres dominam as ocupações que envolvem cuidados (por exemplo, enfermeiras, assistentes sociais, professoras nos níveis educacionais mais baixos, parteiras) e as ocupações que requerem habilidades e/ou destreza manual relacionadas às tarefas domésticas (por exemplo, trabalhadora doméstica, governanta, garçonete, costureira, fiandeira, tecelã)”, consta um trecho do artigo.

Na opinião de Witter, de fato, o trabalho doméstico passou a ser naturalizado como parte de um papel de gênero, como próprio da “natureza biológica” das mulheres, e criou-se um modelo em que o trabalhador é aquele disponível e pronto para o trabalho, portanto, não precisa se preocupar com a domesticidade (cuidado do lar, limpeza das roupas, comida e criação dos filhos).

“Para solidificar esse formato de divisão do trabalho, foi construída toda uma cultura sobre as capacidades masculinas e femininas para determinados tipos de trabalho (…) mulheres são mais frágeis, emocionais, delicadas, limpas, maternais, pouco afeitas a trabalhos que exigem força, inteligência técnica, destreza, arte, comando etc. Mas tais atribuições são culturais, e não naturais, não estão inscritas num código genético, mas na história e na cultura e, portanto, como já foram em outras épocas, podem ser transformadas”, afirma Witter.

O trabalho doméstico remunerado abrange cerca de 14% da população feminina (aproximadamente 6 milhões de mulheres). Indo mais a fundo, dentro desse ramo, há outra diferença marcante: 17% das mulheres negras que trabalham são empregadas domésticas, contra 10% de mulheres brancas.

O trabalho para a mulher trans

Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% das travestis e transexuais estão se prostituindo no Brasil. Ainda que muitas queiram um emprego com rotina, horário de trabalho e carteira assinada, o preconceito fica evidente quando se candidatam a uma vaga.

Quem passa constantemente por essa situação é a estudante do último período de ciência da computação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Thamara Blair. A estudante, que já trabalhou em um estúdio de arte, conta que a maior dificuldade é lidar com o preconceito por ser mulher e por ser trans. “Geralmente não somos consideradas nem para a entrevista de emprego. Já rasgam nosso currículo assim que viramos as costas, às vezes até na nossa frente. Quando somos chamadas, ainda há o fator da opressão sobre nosso gênero e a mega sexualização, algo constrangedor e traumático”, comenta.

De acordo com Blair, é preciso começar a impor leis e mais respeito ao trabalho feminino. “O homem tem medo da masculinidade ser afetada quando descobrem que temos capacidade de fazer melhor, já que tentam, a todo momento, inferiorizar o trabalho feminino como menos produtivo, o que não é a realidade. É preciso criar a cultura de que temos valor e somos capazes”, conta.