Como certa democracia pode ser o maior inimigo do planeta

Por David Runciman

A crise climática é uma questão que requer reflexão a longo prazo, cruzando gerações. No entanto, a política eleitoral é orientada a reagir em direção a queixas imediatas. A solução está na ‘democracia deliberativa’ (assembleias livres da representação partidária) e na democracia direta mais radical (protestos de rua de longos períodos). Publicado originalmente na revista Foreign Policy (20 de julho de 2019), sob o (péssimo) título “Democracy is the planet’s biggest enemy”.

Na Grã-Bretanha de hoje poucas figuras públicas conseguem unir os defensores e os opositores do Brexit, os conservadores e os trabalhistas. No entanto, a adolescente ativista do clima Greta Thunberg fez exatamente isso em uma visita a Londres em abril, quando foi festejada pelos políticos britânicos de todos os espectros políticos.

Dirigindo-se ao Parlamento, Thunberg disse que falava pelas crianças que haviam sido traídas por políticos e eleitores que falharam em impedir as mudanças climáticas. Também alegou que falava por bilhões de pessoas que ainda não nasceram mas que suportarão as consequências de um mundo que está aquecendo rapidamente. “Eu tenho 16 anos,” disse ela. “Venho da Suécia e falo em nome das futuras gerações… Agora provavelmente nem temos mais um futuro.”

Seria preciso um político muito corajoso para minimizar o poder moral absoluto dessa mensagem. Nenhum dos interlocutores britânicos de Greta Thunberg ousou fazê-lo: nem o líder trabalhista Jeremy Corbyn nem o líder conservador Michael Gove e nem o orador da Casa dos Comuns, John Bercow. Ao contrário, todos aceitaram as acusações feitas contra eles e prometeram melhorar.

As observações de Greta Thunberg expuseram o profundo abismo entre as gerações mais jovens e as mais velhas quando se trata de política climática: o choque entre os indivíduos que têm o poder de agir e os que precisarão viver com as consequências se as medidas não forem tomadas. A crise climática é uma questão que requer reflexão a longo prazo, cruzando gerações. No entanto a política eleitoral é orientada a reagir em direção a queixas imediatas. Os políticos podem falar sobre a forma como praticamos a democracia, mas, sem mudanças institucionais na maneira como praticamos democracia, não há chance de que enxerguem além dos ganhos políticos a curto prazo.

Os jovens e os idosos cada vez mais se parecem com duas tribos políticas diferentes e talvez as diferenças sejam mais absolutas a respeito das mudanças climáticas. Uma votação recente no Reino Unido indica que, para quase metade de todos os eleitores na faixa etária de 18 a 24 anos, o aquecimento global representa a questão mais urgente de nossos tempos. Menos que 20% dos eleitores com idade acima de 65 anos pensam o mesmo. Nos Estados Unidos, apenas 10% dos possíveis eleitores na faixa etária de 18 a 29 anos descrevem as mudanças climáticas como um “problema não muito grave”, em comparação com 40% dos indivíduos acima dos 65 anos.

Observar a separação entre gerações a respeito do tema das mudanças climáticas é mais fácil do que explicar tal separação. A retórica de Thunberg implica que a distinção é uma questão de moralidade: as gerações mais antigas simplesmente não se preocupam com os interesses dos mais jovens. No entanto, está longe de ser evidente que os eleitores mais velhos estejam menos preocupados com as mudanças climáticas porque não estarão aqui para testemunhar sua pior parte. Os eleitores mais velhos se preocupam com muitas coisas que não lhes dizem respeito diretamente. Por exemplo, na Grã-Bretanha, a educação fica num lugar quase tão importante para as pessoas acima de 65 anos como para os que têm menos de 30.

No entanto, as mudanças climáticas se tornaram uma disputa ao longo das linhas geracionais em que os eleitores mais velhos estão ganhando, o que não deve ser surpresa. Afinal de contas, são mais numerosos e mais propensos a votar do que suas contrapartes mais jovens. Quando Thunberg fala pelas gerações que estão por vir, ela tem os números a seu favor — os ainda não nascidos superam infinitamente os vivos. Mas quando se trata de eleitores reais, a matemática favorece os céticos do clima ou, pelo menos, as pessoas que têm outras prioridades. Nosso mundo não só se aqueceu rapidamente nas últimas décadas — também tem envelhecido ainda mais depressa.

Se os políticos democráticos pretendem cumprir suas promessas a Greta Thunberg e a seus pares, uma das maiores barreiras no seu caminho são seus próprios eleitorados. E os cidadãos podem se tornar mais antagônicos à medida que os governos pressionarem rumo a novas políticas. Enfrentar as mudanças climáticas exigirá uma significativa mudança comportamental: o que comemos, onde vivemos e como viajamos. Os atuais padrões de consumo de alimentos e energia são insustentáveis. Se nós e o planeta queremos sobreviver, isso significará menos carne, casas menores e menos carros.

Os idosos, no entanto, tendem a achar que mudar seu comportamento é mais difícil do que os jovens acham. Mais uma vez, isso não ocorre porque os idosos não se importam com o futuro do planeta, nem simplesmente porque não terão que viver com as consequências da inação. É porque a idade traz experiência, e a experiência traz uma aversão à perda. Quanto mais velhos formos, maior a probabilidade de termos coisas das quais não queremos abrir mão. As pessoas que nunca dirigiram um carro vão achar muito mais fácil passar sem carro do que as pessoas que usaram automóvel toda a vida.

Uma solução para esse desequilíbrio geracional poderia ser simplesmente esperar que ele passe, já que em breve as gerações mais novas substituirão as mais velhas. Se as divisões geracionais são basicamente atitudinais em vez de materiais, não há motivo para pensar que os jovens não persistirão em sua preocupação sobre as mudanças climáticas conforme envelhecerem. Em algum momento os jovens com educação universitária do presente se tornarão os idosos com educação universitária do futuro. A crise climática aumentará a agenda política à medida que as gerações preocupadas com o clima galgarem os degraus da idade.

O problema é que o clima não pode esperar tanto assim. Os jovens esclarecidos de hoje não vão envelhecer com a rapidez suficiente; medidas decisivas precisam ser tomadas antes de 2030, como insiste o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas.

Uma forma de fazer isso acontecer seria corrigindo o desequilíbrio diretamente pela redução da idade mínima para votar. Ao se assistir Thunberg, de 16 anos, colocando os líderes políticos britânicos em seu lugar, ficou difícil encontrar um bom motivo pelo qual ela não poderia votar. Mas ainda assim, as propostas politicamente plausíveis — tais como reduzir a idade mínima de voto para 16 ou 17 anos, não seriam suficientes para fazer uma diferença decisiva. As mudanças que poderiam realmente alterar o equilíbrio numérico — como ampliar o direito de voto para todas as crianças em idade escolar — são polêmicas demais para serem viáveis. Conceder direito de voto a crianças provavelmente não diminuiria as divisões geracionais a respeito das mudanças climáticas. Poderia até piorar essas divisões — e assim atrasar o progresso sobre a política climática — caso fique parecendo uma manobra óbvia para diminuir o poder de voto de seus avós. Manter a idade atual para votar, mas acabar com o direito a voto dos muito idosos provavelmente seria igualmente divisório. Parecer querer manipular todo o sistema eleitoral, mesmo que com as melhores intenções, não vai ajudar a unir as tribos.

Superar a divisão geracional talvez exija outros tipos de mudança institucional. A constatação dos últimos 30 anos (ou mais) sobre a política climática sugere que a democracia eleitoral não é bem adaptada para se chegar a um consenso sobre o que deve ser feito. O inevitável partidarismo dessa forma de política reforça divisões sociais mais amplas. Diferentes perspectivas no futuro a longo prazo se tornam posições polarizadas sobre as mudanças climáticas, tornando mais difícil chegar a uma perspectiva compartilhada sobre emissões de carbono e energia renovável. A política partidária encobre a busca por um campo em comum.

Se a democracia eleitoral é inadequada para a tarefa de tratar das mudanças climáticas e essa tarefa é a mais urgente que a humanidade enfrenta, então é urgentemente necessário encontrar outros tipos de política. A alternativa mais radical de todas seria considerar ir totalmente além da democracia: a regra de partido único significa a “libertação” dos ciclos eleitorais e menor necessidade de consulta pública. As soluções tecnocráticas que colocam o poder nas mãos de especialistas não eleitos poderiam retirar decisões chave das mãos dos eleitores.

Porém há dois motivos para duvidar que seja disso que precisa a emergência climática. Em primeiro lugar, qualquer transição de um sistema democrático para um sistema pós-democrático seria enormemente perturbadora. As barreiras no caminho da ação a favor do clima também são barreiras contra outras formas de mudança política radical. Haveria resistência, inclusive das gerações mais velhas. Em segundo lugar, tampouco satisfaria a geração de Greta Thunberg. Ela não estava pedindo por menos democracia. Ela estava pedindo por uma democracia na qual ela pudesse ser ouvida.

Em vez disso, o que é necessário são reformas democráticas capazes de superar o conflito de gerações em política eleitoral. Uma alternativa é uma democracia mais deliberativa, que permitiria aos indivíduos com diferentes pontos de vista se engajarem uns com os outros diretamente, livres de representação partidária. Eles poderiam acabar não concordando, mas pelo menos estariam falando por si próprios e encontrando novas oportunidades de chegar a um consenso. Em assembleias de cidadãos, as crianças em idade escolar e a geração de seus avós poderiam participar conjuntamente da discussão política e da tomada de decisões — contanto que os elaboradores de políticas concordem em vincular suas próprias decisões aos resultados dessas deliberações.

Outra alternativa seria uma democracia direta mais radical. Os políticos que ficam insensíveis a ameaças eleitorais e os cidadãos comprometidos com a política do status quo de alguma outra maneira às vezes podem ser espicaçados para agir diante de protestos de rua, especialmente se tais protestos forem sustentados por longos períodos. A viagem de Thunberg a Londres coincidiu com protestos generalizados feitos pelo grupo Extinction Rebellion (Rebelião da Extinção), que adotou táticas inspiradas por Martin Luther King Jr. e pelos movimentos de direitos civis dos Estados Unidos. Os atos de desobediência civil paralisaram partes de Londres a fim de aumentar a conscientização da urgência moral da questão. Algumas das pessoas que estavam participando eram muito jovens — a Extinction Rebellion tem uma ala jovem. Mas outros não eram, incluindo Phil Kingston, com 83 anos de idade, que foi preso depois de subir no teto de um trem.

Canalizar mais energia para essas outras formas de democracia — para as assembleias de cidadãos e desobediência civil, em vez de eleições e construção de partidos — irá alterar drasticamente nossa política. Mas pode ser o único jeito de garantir que nosso planeta não mude ao ponto de ficar irreconhecível.

David Runciman é professor de política na Universidade de Cambridge e autor do livro How democracy ends (Londres: Profile, 2019). Este artigo é da edição impressa da revista Foreign Affairs (20 de julho de 2019).