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Entrevistas
Michael John Gorman
Diretor da galeria de ciência de Dublin exemplifica como provocar a curiosidade e estimular o debate sobre a ciência e seus impactos sociais
Simone Caixeta de Andrade
10/07/2014

Arte e Ciência tem vivenciado “colisões experimentais e mutuamente enriquecedoras”, levando ao surgimento do que o escritor John Brockman chamou de uma terceira cultura, na qual os limites entre arte e ciência se dissolvem, como aponta Michael John Gorman na resenha do livro Colliding worlds: how cutting-edge science is redefining contemporary Art (2014), publicada na revista Nature. Gorman é o diretor-fundador da Science Gallery, da Trinity College Dublin, um exemplo de colisão criativa entre arte e ciência, e está à frente de projetos que fazem da galeria um lugar para conversas através das fronteiras e que têm viabilizado ao público experimentar a ciência não como uma série de fatos, mas como um processo.  


A fronteira entre arte e ciência pode parecer um limite fixo: o lógico oposto ao subjetivo. Alguns críticos questionam o rigor de mostrar assuntos científicos através de uma abordagem mais artística. Qual é o seu conceito de arte? E de ciência?

Eu sou cuidadoso sobre definições demasiado rígidas sobre ciência e arte. Contudo, eu gosto da ideia de (Herbert) Marshall McLuhan sobre a arte como um “avanço preciso do conhecimento de como enfrentar as consequências psíquicas e sociais das próximas tecnologias”, que aparece em seu livro seminal Understanding media. Isso sugere que a arte tem um papel não de explicar a ciência, mas de fornecer ferramentas com as quais se possa enfrentar seus impactos. Eu penso que olhar uma obra de arte simplesmente como uma forma de mostrar ou explicar um conceito científico é diminuir a rica relação entre arte e ciência. Considerando o projeto da terceira orelha de Stelarc, no qual o artista teve uma orelha artificial implantada cirurgicamente no seu braço, ou artistas como Tomás Saraceno, que criou belas estruturas modeladas em teias de aranha, o objetivo desses projetos não é explicar a ciência. No entanto, eles podem certamente provocar a curiosidade e estimular a conversa e o debate sobre a ciência e seus impactos sociais.

Em seu discurso na 13ª Conferência Internacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (PCST 2014), no Brasil, você mencionou as “colisões criativas entre arte e ciência”. Essas são colisões obrigatórias para a construção das narrativas científicas dentro da Science Gallery (Dublin) e de outros museus ou galerias que buscam uma sinergia entre arte e ciência?

Acreditamos que, se quisermos imaginar o futuro, precisamos reunir em “colisões criativas” diversas perspectivas e insights diferentes – arte, ciência, política, poesia, design e tecnologia. Pensamos a Science Gallery como um “acelerador de partículas para as pessoas”, colidindo pessoas de diferentes disciplinas para permitir que novas ideias surjam. Em vez de esperar que os visitantes emerjam dessas experiências com uma única narrativa da ciência, nosso objetivo é fazer da galeria um lugar para conversas através das fronteiras. Essas conversas são facilitadas por estudantes-mediadores presentes na galeria, com experiência em ciência, e também arte, e que podem envolver os visitantes na conversa. Eu acho que pode haver muitas abordagens diferentes para unir arte e ciência. O que é impressionante é que, nos últimos 10 anos, temos visto a explosão de novos espaços “híbridos” em todo mundo, incluindo Wellcome Collection em Londres, Le Laboratoire em Paris, Science Gallery em Dublin, Ars Electronica Center em Linz (Áustria), UCLA Art-Science Lab (na Califórnia), e muito mais. Esses espaços adotam diferentes abordagens – alguns são mais abertos, outros têm curadoria mais rígida, alguns são históricos e, outros, como a Science Gallery, são mais preocupados com o futuro. Reunir ideias de diferentes esferas é um aspecto essencial para quase toda a prática criativa.

Fat: it’s delicious utiliza a exposição para investigar os parâmetros de saúde de uma forma sedutora, usando não só questionários, mas a buffet experience (bufê de experiências). As pesquisas deveriam sempre fazer parte das exposições? Até que ponto o design criativo dos experimentos ou a abordagem “laboratório na galeria” ajudam a aumentar o número de participantes (da pesquisa)?

Fat é um exemplo do que chamamos de projeto “laboratório na galeria”, onde utilizamos os visitantes da Science Gallery como cobaias humanas, em experimentos de pesquisa reais. Isso é de grande interesse para os cientistas, uma vez que eles têm dados que podem ser usados, e nós temos vários exemplos de artigos sendo publicadas por pesquisadores, com a utilização de dados gerados na Science Gallery. Também é de grande interesse para o público, uma vez que eles podem experimentar a ciência de dentro, não como uma série de fatos, mas como um processo, e eles podem discutir com os pesquisadores diretamente. Achamos que, incluir um elemento de pesquisa real nas nossas exposições é uma forma muito poderosa de envolver o público. Claramente, não funciona para todas as áreas da ciência – genética e neurociência funcionam bem mas, por exemplo, física de partículas seria um desafio. No entanto, para o público que quer participar de uma instalação na galeria, os experimentos têm de ser envolventes, e possuir uma forte relevância para suas vidas. Além do design do experimento, acreditamos que vários participantes acham motivador sentir que estão fazendo uma contribuição para ciência.

Você e sua equipe têm alguns critérios na escolha dos artistas com os quais vocês pretendem trabalhar? Que critérios são esses?

Sim, claro que nós temos critérios para selecionar os projetos, por exemplo, buscamos um equilíbrio temático entre os projetos e, frequentemente, escolhemos trabalhar com artistas emergentes, assim como incluir alguns artistas mais estabelecidos. Vários de nossos projetos são desenvolvidos através de editais públicos para a apresentação de ideias.

Game foi uma exposição da Science Gallery que levou a interatividade a um outro nível. A gameficação é uma forma de explorar a ciência e envolver crianças e adolescentes, até mesmo adultos, na curiosidade científica?

Hoje em dia, há um grande interesse em falar sobre gameficação, e certamente a gameficação, se bem feita, pode envolver crianças, adolescentes e adultos, em vários temas. O perfil típico do jogador mudou e não é mais de um adolescente. Hoje em dia, o mais provável é de uma mulher com 35 anos de idade. Nós utilizamos algumas vezes elementos de gameficação nas exposições na Science Gallery, mesmo em temas diferentes de Game, o qual era explicitamente sobre jogos e sobre o futuro do jogo. Eu acho que a gameficação é uma forma extremamente codificada de desenhar um experimento, e talvez seja mais adequada para espaços com um ritmo mais lento de mudanças, ao contrário do Science Gallery. Então, talvez ironicamente, um caminho para a gameficação através de um museu histórico estático e não interativo possa fazer mais sentido do que em um espaço muito dinâmico, onde nada é permanente. Algumas vezes, você precisa ter cuidado ao adicionar muitas camadas de interação.

Em outra exposição Grow your own, outros limites foram superados, como ética e a nossa relação com a inovação científica, assim como Fail better é outro exemplo de uma abordagem provocativa. A provocação é um caminho a ser seguido na divulgação científica?

Eu penso que Grow your own foi uma exposição importante, porque lidou com um tópico muito desafiador – biologia sintética e as implicações éticas e sociais do design de organismos. A biologia sintética é uma área na qual precisamos urgentemente engajar o público no diálogo informativo. O desafio é que é uma área que está mudando muito rapidamente, e até mesmo os profissionais discordam sobre muitos aspectos. Nossa exposição não teve como objetivo simplesmente provocar, embora muitas exposições fossem provocativas ou especulativas, por exemplo, o trabalho de Ai Hasegawa I wanna deliver a dolphin, que foi uma exploração provocante da ideia de permitir que humanos deem à luz espécies ameaçadas de extinção, como forma de suprir o desejo maternal e para trazer um impacto positivo ao nosso meio ambiente. Nós achamos que esse trabalho é muito valioso como uma conversa inicial, e quando os visitantes têm a oportunidade de discutir suas preocupações com os estudantes-mediadores, podem realmente iniciar um diálogo que conduz a um melhor entendimento dos riscos potenciais e benefícios dessa área emergente do conhecimento. Essa exposição envolveu biohackers, designers, artistas e cientistas seniores que coordenam importantes laboratórios. Foi muito difícil conseguir com que esse grupo concordasse sobre qualquer coisa e, ao invés de esconder esse fato, decidimos destacar as tensões e diferentes pontos de vista sobre biologia sintética. Achamos que é muito importante tratar nossos visitantes como adultos, que podem participar de uma conversa significativa sobre onde a ciência deve ir.

Como vocês planejam as exposições?

Quando planejamos um projeto, antes de tudo consideramos um tema que tenha potencial para reunir diferentes tipos de participantes, por exemplo Infectious, que explorou os fenômenos contagiosos, de epidemias ao marketing viral e pânico financeiro. Definimos uma equipe de curadoria multidisciplinar, relevante ao tema, e apresentamos um edital público para sugestões, às vezes recebemos mais de 500 propostas de artistas, cientistas, designers e engenheiros. Depois, selecionamos entre 25 a 30 projetos que poderão ser realizados como instalações, experimentos, conversas, workshops ou performances. Essa abordagem não tem a intenção de produzir uma narrativa linear, ao contrário, uma miscelânea de diferentes abordagens sobre o tema.

Você tem outros exemplos de museus, galerias ou exposições específicas, que atingem “colisões criativas da arte e ciência”?

Como eu mencionei anteriormente, há uma explosão de novos espaços de arte-ciência que tem acontecido nos últimos 10 anos, por exemplo: Le Laboratoire em Paris, Ars Electronica Zentrum em Linz, Wellcome Collection em Londres. ZKM em Karlsruhe (Alemanha) faz um trabalho muito interessante. O Exploratorium em São Francisco tem um programa de arte-ciência forte e de longa data; SymbioticA, na Universidade Western, Austrália, é um programa de residência maravilhoso, que permite aos artistas trabalhar com ferramentas e materiais das ciências biológicas. O CERN (European Organization for Nuclear Research) agora tem o programa de residência artística Collide@CERN. Paola Antonelli tem feito algumas exposições muito interessantes no MoMA (The Museum of Modern Art) explorando arte, ciência e design, como em Design and the elastic mind. Arthur Miller acabou de publicar um livro Colliding worlds, que eu resenhei recentemente para a Nature, que documenta vários exemplos. Além disso, nós estamos desenvolvendo o Global Science Gallery Network, planejando uma galeria em Londres, em parceria com o King’s College London, e também estamos discutindo sobre uma parceria da Science Gallery com universidades em Nova York, Bangalore e Melbourne, então há mais por vir!


Acesse aqui a entrevista original em inglês.