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Reportagem
As celebrações de vida e de morte
Por Carolina Medeiros
10/12/2016

Celebração pode ser definida como a parte cultural que identifica a forma ou método de elaboração de determinada cerimônia, sendo de fundo religioso, político, educacional, militar, familiar ou científico. Pode-se afirmar que as celebrações fazem parte do cotidiano, uma vez que são comuns para celebrar aniversários, vitórias, formaturas, batizados, casamentos e até mesmo funerais. Do ponto de vista social e antropológico, celebrar contribui para reforçar laços.

Maria Margarida Moura, doutora em ciências humanas pela USP, em seu livro Festas, ritos e celebrações aborda o papel e a importância desse tipo de encontro social. A autora começa a obra falando das características das celebrações, e destaca como a “inversão” é a característica mais marcante. “Troca-se a comida do dia a dia por uma comida especial; comida especial é aquela que é preparada para ser compartilhada coletivamente, não é simplesmente comida cotidiana ou comida familiar. (...) A gestualidade torna-se diferenciada, é mais expansiva, não é mais a mesma do dia a dia, o discurso muda, evoca fórmulas de alegria, de tristeza, de saudade, que são super enfatizadas nessas ocasiões”.

Vale lembrar que as celebrações são significadas, entendidas e vividas por conta dos espaços temporais, uma vez que a contagem do tempo é essencial para a produção de significações. Segundo Fernando Nascimento, professor de filosofia da PUC-Campinas, celebrações como a de aniversário não existem, o que existe é um tempo simbólico. Quando uma pessoa diz “meu aniversário passou em branco”, ela quer dizer que ninguém a cumprimentou pela data, logo, é como se a mesma não existisse.  “Criamos um tempo “simbólico” para expressar a importância que atribuímos a determinada pessoa com a qual nos relacionamos e, como somos seres de sentido, o reconhecimento desse sentido é fundamental para que a pessoa conduza sua existência”, afirma Nascimento.

Outro elemento presente na construção dos simbolismos das celebrações é a religião; em O sagrado e o profano, Mircea Eliade afirma que o homem arcaico vivia no sagrado ou em estreita proximidade com ele – e, nesse caso, o sagrado está intimamente ligado com o mito e com o rito. Com isso, Nascimento estabelece uma relação: “é possível afirmar que rito e celebração se aproximam, logo, podemos considerar algumas formas de rito como formas de celebração. Sendo assim, se assumirmos essa aproximação entre o rito e celebração, a relação entre o mito e o sagrado e a sugestão cronológica de que a experiência do sagrado é frequente no homem arcaico, parece possível enxergarmos que a expressão simbólica da celebração já estava presente na experiência humana desde os primórdios da nossa vida cultural”, conclui.

A obra fala ainda de outra celebração, mais precisamente da relação do homem moderno com a morte. Como este vive no profano, ou seja, busca sentido para sua existência na racionalidade empírica e cientificista, a morte lhe causa estranhamento; por conta disso é possível afirmar que, enquanto as celebrações de aniversário são encaradas como momentos de renovação, a morte gera angústia.

Na tentativa de entender um pouco esse papel do peso da religião nas determinações culturais de celebração, a revista médica inglesa The Lancet publicou em 2005 um dossiê sobre o fim da vida em diversas religiões.

Mas afinal, por que celebrações que comemoram a vida são mais bem vistas na maioria das culturas e religiões, do que as celebrações de morte? Em outras palavras, mesmo uma gravidez inesperada é comemorada, mas nunca estamos preparados os suficientes para lidar com a morte, seja em situações inesperadas como a de acidentes, seja em mortes previstas, como em caso de doenças.

Nessa tentativa de entender o peso que a morte tem em cada uma das religiões ao redor do mundo, a The Lancet reuniu diversos artigos de especialistas abordando a questão. End of life aborda como as religiões católica, budista, hindu, islâmica, espírita e judaísta encaram a mais complicada das celebrações da vida: a morte. Porém, independente da religião, muitos especialistas defendem que é necessário passar pelo processo de luto, porque somente dessa forma é que acontece o processo de assimilação, conforme explica Flávio de Sá, médico e professor de bioética da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Morte é um tabu para muitas culturas.

Sá explica que antigamente ocorriam os rituais de morte, os corpos eram velados em casa, na presença de toda a família (inclusive das crianças) e dos amigos, as mulheres permaneciam durante boa parte do velório cozinhando, como uma forma de encarar a situação como “um desfecho provável”. Outra figura importante no processo da morte sempre foi o médico, mas esse exercia funções diferentes antigamente se comparado a hoje. Segundo o professor de bioética, antes este era chamado para proporcionar ao paciente alívio nos momentos finais de vida; hoje, é chamado para prolongar ainda mais a vida, mesmo que por alguns dias.

A origem da celebração de aniversário

 

As comemorações de aniversário (em especial as de nascimento) têm origem na superstição, nos costumes de dar parabéns, presentes e acender velas nos tempos antigos, para proteger o aniversariante de demônios e garantir segurança no ano vindouro. De acordo com a crença judaica, o momento de comemoração do aniversário é a ocasião de se receber presentes, de festejar, agradecer e refletir sobre o que se está realizando atualmente. É o dia em que a pessoa nasceu, em que a vida dela começou e é também o dia em essa vida pode mudar.

 

Já os gregos acreditavam que cada um tinha um espírito protetor, ou gênio inspirador, que assistia seu nascimento e o vigiava em vida. Esse espírito tinha uma relação mística com o deus da data que o indivíduo nascia. Os romanos também endossavam essa ideia. O costume de acender velas nos bolos começou com os gregos. Bolos de mel redondos como a lua e iluminados com velas eram colocados nos altares do templo de Ártemis. As velas de aniversário, na crença popular, são dotadas de magia especial para atender pedidos.

Mas, afinal, para que servem as celebrações?  

Para o professor de filosofia, Fernando Nascimento, “a nossa maneira de estar no mundo é simbólica, ou seja, nós não nos contentamos – se é que poderíamos escolher por isso – em viver no mundo meramente natural. Nossa vida é sempre mediada pelos sentidos que nós mesmos criamos”. Ele enfatiza ainda que a existência é puramente linear, trata-se de um momento após o outro, até que não haja mais vida.

Em outras palavras, é possível afirmar que temos nas celebrações uma forma de comemoração que nos permite entrar nesse mundo simbólico – natural do ser humano – bem como de fortalecer as relações interpessoais. Essas datas especiais permitem que atribuamos um sentido tanto para o tempo quanto para a relação, mas é preciso cuidado para que as tradições modernas não transformem o simbolismo e os rituais em formas de negócio sofisticadas e “enfeitem” o simbólico com toques mercantilistas que funcionem apenas para seus interesses comerciais, como aponta Nascimento.

Se estabelecermos essa relação, de que a celebração é que uma manifestação simbólica da vida, fica clara sua importância. A própria natureza convencional simbólica aponta para as diversas formas com as quais as comunidades celebram determinadas experiências humanas comuns como o nascimento, a reprodução e a morte.