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Reportagem
Ciência com humor
Por Carolina Medeiros e Juliana Passos
10/07/2014

Em quadrinhos ou séries de televisão, a ciência e o dia a dia de acadêmicos são motivo de piadas com cada vez mais frequência. Talvez seja algo como o "triunfo dos nerds", como escreveu a revista The Economist em matéria sobre o crescimento dos cartuns na internet em uma época de crise dos jornais impressos. Entre os destaques estão nomes como os americanos XKCD, Saturday Morning Breakfast Cereal (SMBC) e Piled Higher & Deeper (PHD Comics), que tratam de ciência, durezas e absurdos da vida acadêmica.

A maioria desses cartunistas é capaz de colocar situações inspiradas ou vividas por eles. Randall Munroe, criador do XKCD em 2003, passou muitos anos na Nasa; Rosemary Mosco, criadora do Bird and Moon, é bióloga e trabalha na área; Zach Weiner, do SMBC, é formado em literatura, mas já frequentou aulas nas faculdades de física e biologia, e sua motivação para a criação de tirinhas também vem de sua esposa, estudante PhD em parasitologia, e da convivência com os colegas dela.


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O XKCD está entre os mais famosos nos Estados Unidos. Seu criador, Randall Munroe,
passou muitos anos na Nasa

O criador do SMBC acredita que esse crescimento se deve à capacidade da internet de alcançar nichos. "Antigamente tudo precisava ter apelo massivo. Agora você pode fazer algo que só chame a atenção de 10% da população e ainda assim se dar bem", diz. A página de Weiner tem pouco mais de 280 mil 'curtidas' na rede social Facebook, pouco mais que PHD Comics. Já a série americana The Big Bang Theory, que trata do dia a dia de quatro pesquisadores em Pasadena – dois deles físicos teóricos – conta com mais de 8 milhões de seguidores. A série iniciada em 2007 está em sua oitava temporada e é um verdadeiro sucesso de audiência. Jim Parsons já possui três Emmy Awards por seu personagem Sheldon Cooper.


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Quadinho SMBC, de Zach Weiner, que é formado em literatura, mas já
frequentou aulas nas faculdades de física e biologia

O cartunista do Jornal da Ciência, Julio Mariano, lamenta que não haja tantos exemplos de tirinhas brasileiras como nos Estados Unidos. Ele defende que o humor é um instrumento poderoso de comunicação. "Seu poder de síntese, sua capacidade de simplificar e a simpatia com que é absorvido são recursos preciosos em qualquer tipo de comunicação”, diz. Para o criador do SMBC, Zach Weiner, também é uma forma de mostrar às pessoas novas perspectivas. Ele garante que desconhece o perfil de seus leitores e que apenas desenha aquilo que o faz feliz, e sim, essa é sua principal fonte de renda.


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Julio Mariano é o cartunista do Jornal da Ciência, e defende que o humor é um instrumento
poderoso de comunicação

Na opinião de João Garcia, cartunista da ComCiência (veja seus trabalhos aqui) e assessor de imprensa no Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), o humor deve ser intrometido e persistente. “Apesar dos avanços do humor gráfico na mídia, muitos ainda o veem com desconfiança, especialmente quando focaliza temas com os quais não havia uma proximidade anterior, como no caso da ciência e tecnologia. Seu papel ilustrativo está consolidado, assim como o viés crítico nas charges políticas, socioeconômicas e de costumes. Em ciência e tecnologia ainda há poucos trabalhos com foco crítico, mas o espaço está se abrindo”, avalia.

Estereótipos

A imagem do cientista exótico trancado em laboratório e os longos diálogos com explicações de quem necessita demonstrar uma alta capacidade intelectual são ainda desafios para os cartunistas que procuram fugir dos estereótipos, ou explorá-los de forma inteligente. Zach Weiner e Rosemary Mosco comentam que essa é uma preocupação constante. “Provavelmente eu reforço alguns estereótipos, ainda que alguns deles sejam verdadeiros. Dito isso, eu tento não fazer piadas clichês”, diz Weiner. “Eu faço conscientemente um grande esforço para fazer meus personagens de forma mais diversa possível”, completa Mosco.

Em capítulo do livro Imprensa, caricatura e humor, Rui Zink, escritor e professor da Universidade de Lisboa afirma que “não é possível, numa sociedade saturada de imagens, de espetáculos e de informação vertiginosa, numa sociedade de massa, em suma, fugir de estereótipos. Assim, o estereótipo é, queiramos ou não, um instrumento de conhecimento. Um mapa que ajuda a ver a realidade”. Ele lembra ainda que se apegar aos padrões impede a capacidade de reflexão a que o humor deve se propor. “Infelizmente um mapa no qual tenhamos sempre o nariz enfiado acabará por nos impedir de ver a realidade. Seja como for, o olho humano tende a ver padrões. Perante a realidade diversificada, multiforme, o olhar humano necessita de padrões, de formas, de alguma ordem no 'desenho'”, escreve.

No mesmo livro, o cartunista Rick Goodwin avalia que “estereótipos são ferramentas essenciais para o humor. Os conceitos preestabelecidos são os blocos com que os humoristas constroem seus castelos de piadas. Em suas instâncias mais afiadas e criativas, provoca a reflexão junto com os risos e, ao usar estereótipos, desnuda seu uso”. O editor de notícias do Sci.Div.Net, Micó Tatalović tem a mesma opinião. “Os quadrinhos podem reforçar alguns estereótipos, mas eles também podem ser quebrados ao escolherem com cuidado seus personagens, por exemplo, incluindo mulheres e pessoas com diferentes origens”, diz.

Quadrinhos e educação

A partir de uma pesquisa exploratória dos quadrinhos de ciência, Tatalović afirma que os cientistas e educadores estão se tornando mais conscientes do apelo que os quadrinhos têm para os jovens, e estão começando a usá-los mais frequentemente como um meio para comunicar ideias científicas. “Embora quadrinhos educativos sobre ciência não sejam invenção nova, sua produção parece estar florescendo no clima atual de foco na compreensão pública da ciência e participação do público com a ciência e tecnologia”, define.

Como resultado, na última década uma série de histórias em quadrinhos e desenhos animados de ciências educacionais foram produzidos, e a tendência é a continuação do uso no âmbito dos recursos voltados para o ensino de ciências. “As narrativas devem ser utilizadas como recurso didático em sala, não apenas nas aulas de línguas, e essa tendência é particularmente significativa para as disciplinas científicas”, aponta Stephen Noriss, diretor do Centro de Investigação em Juventude, Ciência, Ensino e Aprendizagem da Universidade de Alberta, no Canadá. Para Norris, as narrativas são ferramentas essenciais para a educação em ciências, uma vez que possuem potencial para organizar a apresentação dos conteúdos, facilitar a memorização e a compreensão, e aumentar o interesse dos alunos. E uma das mais utilizadas formas de narrativas para a ciência, dentro e fora das salas de aula, são as caricaturas e charges, as chamadas narrativas de humor.

Na comunicação por meio do humor, o lúdico, particular dos cartuns, charges e HQs, proporciona um confronto de ideias e curiosidades sobre o tema, o que leva o leitor a buscar mais informações. Vale ressaltar que esse tipo de narrativa nem sempre é engraçada, porém pode proporcionar um modo diferente de enxergar um mesmo objeto e produzir reflexão, tanto para o leitor quanto para o cientista.

E foi com esse pensamento que Adriana Yumi, bacharel em química pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), criou o site Sigma Pi, que aborda questões de química presentes no cotidiano por meio de histórias de mangás (quadrinhos japoneses). “Pensei que seria interessante unir a química com os mangás, em especial o “shoujo mangá”, que são histórias voltadas para o público feminino, mas com um diferencial, que é a inserção de conceitos de química na trama”, afirma a desenhista.


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Adriana Yumi criou o site Sigma Pi, que aborda questões de química
por meio de histórias de mangás

Yumi acredita que essa é uma forma de despertar ainda mais o interesse dos alunos, uma vez que faz uso de elementos como linguagem simples, imagens e humor. Mas ela alerta que esse tipo de material deve ser utilizado como complemento para as aulas, para torná-las mais dinâmicas e também para facilitar o entendimento de algum conceito que ficou confuso, mas sem substituir os livros didáticos. Isso porque, segundo Yumi, é necessário o ensino tradicional, pois conceitos mais complexos e cálculos só são aprendidos por meio de livros teóricos e exercícios.