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Editorial
Ciência, linguagem e literatura
Por Carlos Vogt
10/07/2014

Já se disse que o homem é um animal que não apenas vive em sociedade, como necessita da sociedade para viver.

O fato fundamental dessa necessidade é a linguagem e, consequentemente, a comunicação.

Ao formular, há algum tempo atrás, a proposta de representação, da dinâmica da cultura científica sob a forma de uma espiral (Vogt, 2012), procurei enfatizar precisamente esse aspecto, tão relevante da ciência e da cultura contemporâneas, que não é outro senão o da comunicação.

Assim, ao estabelecer, pelo cruzamento do eixo vertical e do eixo horizontal, os quadrantes do processo social de produção e circulação da cultura científica, pudemos identificar em cada um deles um momento característico do processo de comunicação da ciência e do conhecimento, de forma geral, que nos permite também uma reflexão sobre as relações entre a ciência e a arte, no caso, mais especificamente, a literatura.

Para efeito de exposição, reproduzo abaixo a figura da Espiral, com os seus quadrantes e a caracterização de cada um segundo a ênfase da atividade que os distingue e dos atores principais das ações de comunicação que neles se desenrolam.



Fig. 1 – A espiral da cultura científica, reprodução e adaptação de Vogt, 2012.

No que importa aqui considerar, do ponto de vista da comunicação da ciência, a linguagem própria do Quadrante I, da produção e difusão científicas, é uma linguagem altamente especializada e num nível de codificação que requer uma formação de especialista para poder interagir com pares, nesse nível de atuação.

No Quadrante II, a linguagem, ainda bastante codificada tem, contudo, a flexibilidade que as finalidades pedagógicas e didáticas das ações de ensino exigem para que os processos de aprendizagem se consubstanciem.

No Quadrante III, do ensino para a ciência, as ações se voltam para um público um pouco mais amplo, jovem sobretudo, buscando motivá-lo para o conhecimento científico e visando nele despertar e fomentar o amor da ciência. As ações têm como alvo o jovem amador da ciência no duplo sentido que a expressão permite: aquele que ama a ciência, não sendo dela um profissional.

Com o Quadrante IV, o da divulgação científica, a volta da espiral se completa e ao mesmo tempo, no mesmo lado do mesmo eixo de partida, se reabre para um novo giro.

Neste quadrante, a linguagem de comunicação, que visa ao público em geral, deve já ter-se transformado num código aberto que permita uma espécie de tradução sensível dos conceitos abstratos formulados pela ciência no nível do Quadrante I, de sua produção e difusão. Daí as oposições marcadas, na figura da Espiral, por seus pontos cardiais: discurso esotérico x discurso exotérico, no eixo vertical; discurso monossêmico x discurso polissêmico, no eixo horizontal.

Em outras palavras, para usar uma metáfora, a linguagem, neste quadrante, busca, de modo analógico, sensibilizar conceitos, que, de outro modo, no Quadrante I, são formulados de forma digital e essa transposição permite enxergar a grande volta do conhecimento que une, pelas pontas espiraladas, a ciência, a literatura e a arte, de um modo geral.

Arte e ciência têm propósitos comuns no que diz respeito ao conhecimento: ambas são formas de agir que procuram dar sentido à nossa existência, ordenando-a de modo a fazê-la compreensível, revelando as estruturas subjacentes a essa organização, descobrindo-lhe as leis e os princípios de funcionamento e equilíbrio, quer isso valha para as relações do homem com a natureza, ou do homem com o homem, em sociedade.

A natureza do conhecimento é o segredo; o de sua revelação é o conhecimento da linguagem de sua formulação.