Por Karen Canto
Foto Albrecht Fietz by Pixabay
“Nenhuma economia próxima a nossa tem uma matriz energética tão limpa”. É o que diz Marcelo Menossi quando se refere à importância dos biocombustíveis. O coordenador do Laboratório de Genoma Funcional do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp conta que o etanol e o biodiesel são importantíssimos para que o Brasil se destaque em relação a fontes de energia renovável. “Para se ter uma ideia, isoladamente, os derivados da cana de açúcar correspondem a 18% da matriz energética brasileira”, explica Menossi.
Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), biocombustíveis são substâncias derivadas de biomassa renovável, com baixo impacto ambiental, que podem substituir parcial ou integralmente os combustíveis fósseis. De acordo com os dados da Resenha Energética Brasileira de 2020, compilados pela Empresa de Pesquisa Energética em coordenação com outros agentes do setor, entre eles a própria ANP, o Brasil mantém a liderança na proporção de energias renováveis em sua matriz energética. Composta por 46,1% de fontes renováveis, nossa porcentagem é três vezes maior que a média mundial, de 14,2%. Os produtos da cana correspondem a 53% da bioenergia produzida.
Além do etanol de cana e do biodiesel, destacam-se também o biometanol, biogás e bioquerosene – usado como biocombustível aeronáutico. Menossi explica que o etanol derivado da cana de açúcar é claramente a tecnologia mais promissora, pois já atende a demanda brasileira e ainda oferece potencial para dobrar e até mesmo triplicar a produção de cana. Segundo o pesquisador, a logística de distribuição do etanol é uma realidade bem consolidada no Brasil e pode ser exportada. “Se considerarmos ainda o potencial do bagaço da cana para conversão em etanol de segunda geração, temos um ganho extra, pois teoricamente o bagaço pode gerar tanta energia quanto o próprio açúcar, fonte atual do etanol”, pontua Menossi.
O Brasil atualmente é o maior produtor de etanol de cana e o segundo maior produtor de biocombustíveis no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, o que lhe confere a reputação de país dos biocombustíveis. Essa reputação é fruto de esforço e investimento em pesquisa como, por exemplo, o programa de pesquisa em bioenergia (BIOEN) criado pela Fapesp.
Biocombustíveis sustentáveis
Biocombustíveis são considerados fontes de energia de menor impacto ambiental pois representam uma diminuição significativa na emissão de gases causadores do efeito estufa (GEE). “Do ponto de vista da emissão de dióxido de carbono (CO2), não há dúvida que os biocombustíveis oferecem menor impacto se comparados aos combustíveis fósseis. A queima de petróleo e gás natural recupera uma atmosfera de carbono primitiva, enterrada no subsolo há milhões de anos”, explica Luiz Artur Horta Nogueira, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) da Unicamp e consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) para temas energéticos. No caso dos biocombustíveis, as plantas que dão origem à biomassa absorvem o CO2 da atmosfera, armazenando o carbono em forma de açúcar, amido ou celulose, que serão utilizados na produção de biocombustíveis. “Ao queimar o biocombustível, o que retorna para a atmosfera é o CO2 que estava lá inicialmente, resultando num balanço neutro de CO2”, reforça Menossi.
A emissão per capita de CO2 brasileira é menor que a de outros países industrializados. “Enquanto os EUA produzem 15 milhões de toneladas de CO2 per capita, Alemanha e Japão, na casa dos 9 milhões, o Brasil produz apenas 2,24 milhões per capita”, compara Menossi. Horta Nogueira concorda que, relativamente à economia, a contribuição do Brasil para a emissão de CO2 é insignificante se comparada a outros países. “O Brasil não teria uma contribuição muito relevante nas emissões de CO2 se não fosse o desmatamento”. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), de janeiro a novembro de 2020, apenas na região amazônica, foram queimados 76 mil quilômetros quadrados de floresta.
Acordo de Paris e RenovaBio
O Brasil é um dos signatários do Acordo de Paris para redução das emissões de GEE assinado em 2015. O acordo tem o objetivo de fortalecer a resposta global à ameaça das mudanças climáticas. Com isso, tem compromisso de reduzir em até 43% a emissão de GEE. Além disso, o Brasil também se comprometeu a diminuir o desmatamento e a restaurar florestas. No início de dezembro o Ministério do Meio Ambiente renovou as metas apresentadas ao Acordo mas, apesar de manter a meta de redução de GEE em até 43%, não considerou que a base de cálculo (valor absoluto de gases emitidos em 2005) foi atualizada.
Um dos mecanismos usados para incentivar o cumprimento das metas no âmbito dos biocombustíveis é o programa RenovaBio. De acordo com Plínio Nastari, é um programa criado para estimular a eficiência energética e ambiental no que se refere aos biocombustíveis e começou a ser implementado efetivamente a partir de 2020. CEO da consultoria agrícola Datagro e representante da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética, Nastari explica que através do RenovaBio o governo estabelece metas de descarbonização e cria a possibilidade de gerar um ativo ambiental com precificação definida pelo mercado. Através de um mecanismo de certificação voluntária, baseado em regras internacionais bastante rígidas, os produtores de biocombustíveis são certificados para emitir créditos de descarbonização cuja negociação em bolsa de valores acaba definindo o valor do carbono em mercado. “É um programa moderno e está sendo muito elogiado em todo o mundo. Ao estimular o aumento de eficiência, o RenovaBio induz ganhos de produtividade, redução de custo e redução de preço para o consumidor”, coloca Nastari.
Entre desvantagens comumente associadas ao uso de biocombustíveis estão a perda de biodiversidade em função do desmatamento de áreas protegidas e redução da área destinada ao plantio de alimentos. Sobre isso, Horta Nogueira diz que se trata de desinformação. Segundo o pesquisador, a própria Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) reconhece que há muito espaço para promover a produção de biocombustíveis e de alimentos no mundo: “É claro que existem países com escassez de alimentos, bem como regiões no Brasil, mas isso não ocorre por falta de terra ou porque a terra disponível está comprometida com a produção de bioenergia”. Com relação à perda de biodiversidade, Plínio Nastari afirma que plantações de biomassa para produção de biocombustíveis situam-se bem longe dos biomas protegidos e não existe conexão entre biocombustíveis sustentáveis e desmatamento. ”O mecanismo de certificação do RenovaBio impede que áreas de desmatamento ilegal sejam consideradas para a produção certificada de biocombustíveis no âmbito do programa e esse mecanismo baseia-se em padrões internacionais de certificação”, enfatiza Nastari.
Inovação em biocombustíveis
Em julho de 2019, a Unicamp inaugurou o Laboratório de Inovação em Biocombustíveis, como parte integrante de seu Parque Científico e Tecnológico. As instalações oferecem espaços como salas de reunião, anfiteatro, laboratórios de pesquisa e também uma planta piloto. O laboratório tem como objetivo a instalação de empresas interessadas no desenvolvimento de projetos de P&D na área de biocombustíveis. “Trata-se de um espaço nobre e diferenciado em termos de infraestrutura, que traz para o ecossistema empresarial de Campinas a possibilidade de instalação de empresas e startups interessadas no desenvolvimento de projetos de P&D na área de biocombustíveis” afirma Mariana Zanatta Inglez, gerente do Parque Científico e Tecnológico da Unicamp.
Considerando o cenário atual, iniciativas de fomento à inovação na área de biocombustíveis são bem-vindas. Horta Nogueira avalia que, com a vitória de Joe Biden, questões ambientais voltem a ser prioridade. “Tenho a expectativa que a partir do ano que vem, com o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, vejamos a retomada da pauta ambiental em nível global. Isso reforça ainda mais a importância dos biocombustíveis e o protagonismo do Brasil no setor”.
Karen Canto é graduada e mestre em química pela UFRGS, doutora em ciências pela Unicamp, aluna do curso de especialização em jornalismo científico Labjor/Unicamp e bolsista Mídia Ciência (Fapesp).