A caça por um novo neutrino

Por Janet Conrad, originalmente publicado em junho de 2017

Um novo neutrino poderia ajudar a resolver mistérios astrofísicos, oferecendo um possível candidato para a matéria escura que engloba a maior parte do universo: não podemos ver a matéria escura, mas podemos observar seus efeitos gravitacionais em aglomerados de galáxias. Alguns teóricos pensam que um novo neutrino também poderia ajudar a explicar outros mistérios fundamentais, tais como a razão pela qual há tal desequilíbrio na presença de partículas de matéria e de antimatéria (as partículas de antimatéria são relativamente raras). Em resumo, um novo neutrino, se existir, criaria todos os tipos de excitação e abriria novas direções para pesquisa em física básica e astrofísica.

Os neutrinos talvez sejam as partículas mais exóticas que a ciência conhece. Estão em todos os lugares — estima-se que bilhões deles encham cada metro cúbico de espaço e trilhões mais são emitidos por nosso sol a cada segundo — mas não podemos vê-los. Os neutrinos são uma forma de matéria, mas interagem com matéria normal tão raramente e tão fracamente que é difícil detectá-los. Os cientistas sabem produzir neutrinos em reatores e aceleradores há mais de 50 anos. No entanto, mesmo após múltiplas descobertas e três Prêmios Nobel, ainda sabem pouquíssimo sobre eles. Mas essas fagulhas elusivas de matéria podem guardar a chave para o próximo grande avanço em nossa compreensão da física básica e da natureza do universo.

Há neutrinos de três tipos, ou sabores [é assim mesmo que se diz, “sabores”]. Nas últimas duas décadas, os cientistas descobriram um efeito chamado oscilações de neutrinos, em que os neutrinos mudam de um sabor para outro. Esse é um efeito mecânico quântico que pode ocorrer se os neutrinos tiverem massa, em contradição às atuais teorias que descrevem as partículas fundamentais e suas propriedades, conhecidas como Modelo Padrão. Talvez o modelo ainda possa ser modificado; será preciso observar isso. Mas a descoberta foi uma indicação clara de que a compreensão dos neutrinos pode exigir uma nova física.

As surpresas na física dos neutrinos não pararam com a massa de neutrinos. Experimentos mais recentes detectaram anomalias adicionais nas oscilações dos neutrinos. As indicações de comportamento sem explicação dos neutrinos vêem de várias direções e são razoavelmente consistentes. A primeira indicação são experimentos baseados em aceleradores que procuram oscilações de um sabor de neutrino para outro. A segunda indicação são experimentos baseados em reatores que procuram um sabor de neutrinos que oscilam e desaparecem — os experimentos chamados de “desaparecimento”. A última são fontes de deterioração beta que também mostram desaparecimento de neutrinos. Na última década, como as oscilações passaram de especulação para fato estabelecido, acumularam-se evidências que não podem ser explicadas por simples extensões da teoria atual.

Uma solução que poderia explicar essas anomalias seria a existência de neutrinos que simplesmente não interagem com a matéria normal absolutamente — os assim chamados neutrinos “estéreis” — com a sugestão que os neutrinos podem oscilar tanto entre diferentes tipos e entre formas regulares e estéreis. Isso seria muito surpreendente.

Crédito da imagem: Daniel Winklehner
FAZENDO NEUTRINOS NO LABORATÓRIO – Um feixe de partículas H2+ (dois prótons e um elétron) em um centro de testes no MIT. O feixe excita uma pequena quantia de ar introduzido na câmara, produzindo uma luz que mostra a presença do feixe de partículas. Em um subterrâneo profundo no Japão, esse feixe será usado para gerar uma fonte intensa de neutrinos, cujo comportamento poderá, então, ser medido com precisão.

 

Porém, experimentos ainda mais recentes sugerem mais anomalias: parecem mostrar que os neutrinos estão mudando de sabor com uma frequência completamente diferente (mais alta) do que se havia observado antes. Caso esse resultado seja confirmado, significaria que uma partícula fundamental adicional, na forma de um novo e mais maciço neutrino ou conjunto de neutrinos, está causando essas oscilações.

É importante notar que as anomalias observadas recentemente ou oscilações inesperadas de neutrinos, embora tenham sido observadas de várias formas com vários tipos de experimentos, ainda não são definitivas. Isso não é surpresa, porque é preciso ou uma fonte muito mais intensa de neutrinos, ou um período de observação muito mais longo (muitos anos) bem como uma configuração física ideal da fonte de neutrinos e um detector, regulado para combinar com o caráter ou com a frequência das oscilações esperadas.

É exatamente um experimento definitivo desse tipo que nos propomos a fazer. Nosso experimento tem vários elementos exclusivos:

[1] Um acelerador reprojetado, muito compacto, utilizando tecnologia de ponta que será uma fonte muito forte de neutrinos, encurtando, assim, o tempo de observação;

[2] Colocação da fonte de neutrinos imediatamente ao lado de um enorme detector de mil toneladas, com a geometria precisa (distância de viagem da fonte de neutrinos até o alvo de aproximadamente 16 metros) para observar as oscilações anômalas que sinalizariam uma nova partícula de neutrino;

[3] Uma colaboração internacional de cientistas da Europa, dos Estados Unidos e do Japão que permitirão o uso de um detector de neutrinos existente, chamado KamLAND, em um laboratório subterrâneo profundo no Japão, economizando assim tempo e as despesas de se construírem tais instalações a partir da estaca zero.

A descoberta de uma nova partícula fundamental — exatamente quando, com a recente descoberta da partícula de Higgs, os físicos acreditavam que haviam acabado de catalogar tais coisas — revolucionaria completamente a física das partículas e exigiria revisões significativas das teorias atuais. Um novo neutrino também poderia ajudar a resolver mistérios astrofísicos, oferecendo um possível candidato para a matéria escura que engloba a maior parte do universo: não podemos ver a matéria escura, mas podemos observar seus efeitos gravitacionais em aglomerados de galáxias. Alguns teóricos pensam que um novo neutrino também poderia ajudar a explicar outros mistérios fundamentais, tais como a razão pela qual há tal desequilíbrio na presença de partículas de matéria e de antimatéria (as partículas de antimatéria são relativamente raras). Em resumo, um novo neutrino, se existir, criaria todos os tipos de excitação e abriria novas direções para pesquisa em física básica e astrofísica.

Como buscar um novo neutrino
A pesquisa que propomos, o projeto IsoDAR (Isotope-Decay-At-Rest), está na vanguarda da pesquisa com neutrinos. Envolve a construção de um acelerador cíclotron avançado com dez vezes mais capacidade da corrente de feixes dos atuais cíclotrons comerciais. Esse avanço deve-se em grande parte à aceleração de partículas de H2+ íon consistindo de dois prótons e um único elétron em vez de prótons simples, mas também inclui avanços na eficiência da injeção de íons no acelerador e em extração de feixes.

crédito da imagem: Maggie Powell
ACELERADOR DE PARTÍCULAS CÍCLOTRON – Partículas de íon são injetadas no centro do acelerador. Um poderoso campo magnético mantém as partículas confinadas em um caminho em espiral à medida que são aceleradas por ondas de rádio. O cíclotron IsoDAR é semelhante em projeto ao primeiro cíclotron construído por E. O. Lawrence em 1934, porém maior e muito mais poderoso — 10 vezes mais do que qualquer dispositivo comercialmente disponível.

Os íons são injetados no centro do acelerador circular. O campo magnético do cíclotron faz com que as partículas de movimento lento se dobrem e comecem a orbitar. Acrescenta-se energia através de ondas de radiofrequência (RF), geradas por cavidades de RF, impulsionando as partículas para velocidades cada vez mais rápidas à medida que giram em torno do acelerador seguindo voltas cada vez maiores no campo magnético. Quando o feixe deixa o acelerador, o elétron é descoberto e o feixe de próton energético resultante é dirigido a um alvo de berílio, gerando uma cascata de nêutrons e muito calor — tanto que o alvo precisa ser continuamente resfriado com água. Os nêutrons, por sua vez, são capturados por uma camada de um isótopo de lítio, formando o instável Li8 emitindo um antineutrino. O acelerador pode rodar continuamente, e o processo é relativamente eficiente, gerando aproximadamente 16 neutrinos por mil prótons, muito mais do que a quantia produzida em qualquer acelerador convencional.

Os antineutrinos correrão através da blindagem e das paredes do túnel subterrâneo até o detector de neutrinos KamLAND existente no Japão, que é um tanque de mil toneladas, de óleo cintilador que contém hidrogênio (prótons). As paredes do detector são revestidas com fototubos que detectam clarões de luz emitidos quando um antineutrino se choca contra um dos prótons; a interação também libera um nêutron, cuja detecção oferece confirmação coincidente. A grande proximidade do detector de uma fonte intensa de neutrinos — apenas 16 metros separarão a fonte do centro do tanque detector — permitirá detecção de uma oscilação nos neutrinos, caracterizada pelo desaparecimento e reaparecimento dos neutrinos produzidos, já que alguns mudam de sabor para tornarem-se “estéreis” ou não interagindo. Tal oscilação, indicada por experimentos anteriores, confirmaria a existência de um ou mais novos neutrinos.

O custo da construção deste acelerador cíclotron avançado e da fonte de neutrinos na caverna subterrânea em KamLAND está estimado em 50 milhões de dólares. Espera-se que a construção leve três anos. Com apenas seis meses de operação, o experimento pode determinar definitivamente se as anomalias existentes se devem a um novo neutrino. Com cinco anos de funcionamento, a onda de oscilação pode ser mapeada com precisão de forma a estabelecer o número real de novos neutrinos contribuindo para as oscilações. Depois que a tecnologia estiver totalmente desenvolvida, pretende-se instalar um número desses aceleradores pequenos, de baixo custo e portáteis ao lado de vários grandes detectores de neutrinos em todo o mundo, levando a um número de oportunidades dentro de um programa maior de neutrinos.

Além de sua importância central na física de partículas, física, astrofísica e cosmologia, esses aceleradores também têm probabilidade de embutir importância comercial. Em especial, são de interesse para a produção mundial de isótopos médicos e reatores subcríticos, acionados por aceleradores.

Janet Conrad é professora de física no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Este texto foi originalmente publicado na Nautilus–Science Philanthropy Alliance