Por Paula Drummond de Castro e Maria Beatriz Machado Bonacelli
Ecossistema de inovação em desenvolvimento abre terreno fértil para as empresas de tecnologia aplicada ao agronegócio, porém falta de estrutura, como conectividade no campo, ainda é uma barreira.
O encontro das novas tecnologias da informação com o agronegócio impulsionou novas atividades, capitaneadas pelas startups agro. Resultantes, em parte, de um ecossistema de inovação que se consolida a cada dia, com a presença de novos investidores, incubadores e aceleradoras, linhas de crédito, instituições de pesquisa e desenvolvimento e universidades. Entretanto, barreiras como a falta de cobertura de internet no interior do Brasil, mão de obra qualificada e morosidade na adoção das tecnologias ainda são desafios para que agricultura digital avance para todo país.
De acordo com a ONU, em 2050 haverá cerca de 10 bilhões habitando o planeta. Gerar alimentos, combustíveis renováveis, fibras e matérias-primas será um dos grandes desafios futuros a serem pensados no presente. E, segundo a estimativa da FAO, mais de 75% das terras não são adequadas para a produção agrícola, considerando apenas o regime de chuvas. Além disso, há a produção de biocombustíveis em partes dessas terras agrícolas, especialmente em países mais pobres. Assim, como a demanda cresce a cada década e as fontes são limitadas, a produtividade torna-se o fator decisivo. E sustentabilidade não passa mais desapercebida no processo de uso e exploração de recursos naturais.
Não é a primeira vez que a discussão sobre a escassez de recursos e o crescimento da população vem à tona. Tecnologias pautadas em valores de produtividade associadas ao uso racional dos recursos naturais se configuram como a principal saída para se criar soluções sustentáveis, ambiental e socialmente.
Algumas das inovações mais recentes em tecnologia da informação e comunicação (TIC ou, simplesmente, TI) prometem alavancar a pesquisa e o desenvolvimento na agricultura, aplicando as chamadas novas AgroTIC, em múltiplas etapas da produção.
Dentre as aplicações no campo, pode-se destacar: sistema de irrigação inteligente, agricultura de precisão envolvendo a aplicação de inteligência embarcada, automação e rede de sensores locais para mapeamento de solos, monitoramento de doenças e de variáveis meteorológicas, sensoriamento remoto voltado para a produção e captação de aspectos ambientais e climáticos, como exemplos mais explícitos dessa revolução. Nesses processos são produzidos grandes volumes de dados (big data) que, somados às técnicas de mineração de dados e a modelos de inteligência computacional, geram informações para apoiar o suporte à decisão no campo.
O setor agrícola acompanha a mesma tendência do setor industrial, ou seja, ambos vêm lançando mão de tecnologias de ponta que utilizam dados e informações como matéria-prima central dos processos produtivos. Entretanto, o mundo agrícola traz características próprias em relação ao industrial, conforme pontua Martha Bambini, analista de transferência de tecnologia da Embrapa e doutoranda em política científica e tecnológica no DPCT/Unicamp. “No setor agrícola temos que lidar com um universo muito diverso. Por exemplo, os indicadores de produtividade de uma cultura, como o milho, e de uma criação, como a carne bovina, são muito diferentes. São cenários que não se comparam. Adicionalmente, temos muitas variáveis ambientais difíceis de controlar, como mudanças bruscas no clima ou interações ecológicas, como um pássaro que ataca um drone que invadiu seu território. Na indústria existe um ambiente mais controlado, com menos fatores exógenos ao contexto da produção”.
Os dados estão em todos os lugares. Captá-los de forma eficiente e contínua e, sobretudo, integrá-los e analisá-los para gerar informação qualificada é o grande salto da economia digital, base da também chamada quarta revolução industrial ou indústria 4.0. O avanço tecnológico dos sensores, das imagens de drones, da internet das coisas (IoT na sigla em inglês) e dos algoritmos de análise vem possibilitando acessar uma gama de dados antes considerada improvável. “A quantidade de dados que observamos é exponencial. Vai chegar um momento em que não teremos capacidade de analisar esses dados. Daí vêm a computação cognitiva, a inteligência artificial, enfim, ferramentas que nos auxiliam a analisar o grande volume de dados para gerar informação e conhecimento para a tomada de decisão”, explica Silvia Massruhá, chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária. A chave da quarta revolução industrial é a tomada de decisão qualificada.
“A quarta revolução industrial vai mudar o modo de vida das pessoas, das organizações e do trabalho. Vão surgir novos modelos de negócio na indústria, na saúde e também na agricultura focados na economia de dados”, conjectura Massruhá.
Ecossistema de inovação em pleno desenvolvimento
Novos negócios digitais no mundo da agricultura têm crescido exponencialmente no Brasil e no mundo. Em 2011, contabilizaram-se apenas nove pequenas empresas atuando no setor no Brasil. Em 2016, estimou-se 76 unidades. “A expectativa conservadora para 2018 é que este número chegue a 250 startups do agro. A taxa de crescimento é de 15% ao mês”, afirma um dos idealizadores da pesquisa, Augusto Tomé, gestor do ecossistema de inovação e empreendedorismo da AgTech Garage, um hub de inovação localizado em Piracicaba (SP audemars piguet replica). O hub engendra esforços para catalisar novas parcerias entre empresas de tecnologia aplicada ao agronegócio, as chamadas Agtechs.
A configuração do ecossistema de inovação permite que se opere em uma atmosfera colaborativa e instrutiva, envolta por uma relação de “ganha-ganha”, na qual todos se apoiam para progredir. “O nosso modelo de negócio tem que mudar no âmbito da agricultura 4.0. Precisamos trabalhar de forma cooperativa e não hierárquica”, explica Massruhá. Um exemplo é o protocolo de transferência de dados entre os instrumentos que coletam dados, transmitem e analisam seus resultados. Quanto maior a interoperabilidade entre dados, são maiores as chances de novos desenvolvimentos e novos negócios.
As Agtechs surgem com um papel muito importante no ecossistema de inovação agrícola pela facilidade em levar as inovações para dentro das empresas, sejam essas nas áreas de TI, biotecnologia, nano, automação ou robótica.
O 1º Censo AgTech Startups Brasil, realizado em 2016, trouxe um perfil mais detalhado das pequenas empresas que se aventuram pelo mundo digital do agronegócio. Foi realizado pela Esalq/USP e o hub de inovação AgTech Garage, de Piracicaba, ao longo de quatro meses, por meio de um formulário online, com perguntas de múltipla escolha e descritivas.
Observou-se um aprimoramento no modelo de gestão. Ainda que com poucos funcionários (entre quatro e cinco pessoas), os agrônomos dividem o espaço com especialistas de TI e de gestão. A maioria está na faixa de 31 a 40 anos (44%), seguida por jovens de 26 a 30 anos (25%).
Em 2016, os empresários brasileiros desse setor tinham muita dificuldade para alavancar recursos financeiros para iniciar o seu negócio, lançando mão de recursos próprios ou empréstimos bancários, da família, dos amigos e, em menor parte, de “investidores anjos”. Fundos de venture capital, por exemplo, representavam menos de 5% do dinheiro captado até aquele momento.
Dois anos depois, Tomé, da AgTech Garage, antevê startups mais maduras, sobretudo como decorrência da estruturação de um ecossistema de inovação com mais conexões que favorecem a interação entre os atores. “De lá pra cá várias iniciativas surgiram. Antes do censo não existiam hubs, fundos focados em agro, aceleradoras, fundos privados, crowdfunding, capital anjo. Hoje, o empreendedor tem suporte, permitindo que ele não erre por muito tempo. Ele vai conseguir ter um apoio maior para desenvolver a ideia dele. Antes não tinha todo esse ecossistema. Muitas vezes, o empreendedor não tinha com quem compartilhar uma ideia, não sabia com quem falar, demorava a chegar ao produtor ou a um possível interessado. Hoje, pode ir direto para uma aceleradora ou um hub e trocar informação, validar se o problema dele é real. As chances de sucesso são maiores”.
Entre as startups que surfam na onda do agronegócio digital está a Agrosmart. Com pouco mais de três anos, a empresa já conta com um escritório em Campinas e outro em Salinas (EUA) – a capital mundial da tecnologia voltada para a agricultura. O carro chefe da empresa é um produto que possibilita a irrigação inteligente das lavouras, por meio de sensores no solo que controlam temperatura, umidade, vento, entre outros parâmetros. A empresa fechou o último ano com crescimento de 400% em área monitorada, o que representa 120 mil hectares e mais de 50 grupos agrícolas como clientes. Em 2016, havia 15 funcionários, e um ano depois já eram 36 funcionários. A CEO, Mariana Vasconcelos, de 25 anos, está na lista das 100 personalidades mais influentes na área de inovação tecnológica do agronegócio.
A história da Agrosmart prosperou fortemente em função da existência de um ecossistema de inovação, que possibilitou a empresa engendrar boas ideias. A startup foi fundada em Itajubá, sul de Minas Gerais, em 2014, por três jovens recém-formados da Universidade Federal de Itajubá. Curiosamente, nenhum deles se formou na área agrícola; porém, dois vinham de famílias com negócios no campo. Logo que abriram a empresa, submeteram uma proposta ao edital do CNPq, StartUps Brasil, e foram aprovados. “Foram 200 mil reais de bolsas, que possibilitaram contratar seis profissionais, agrônomos, meteorologistas e especialistas em TI, durante um ano. Algo decisivo para o desenvolvimento do produto”, relembra Raphael Pizzi, um dos fundadores da empresa e diretor de operações. O edital do CNPq também exigia que a startup fizesse um contrato com uma aceleradora, o que acabou provocando a transferência da empresa para Campinas.
Sem sinal
Todavia, ainda existem muitas contrariedades para os avanços da agricultura 4.0 no Brasil. O mais lembrado é a deficiência da cobertura da internet no campo. A falta de infraestrutura, principalmente a dificuldade em levar internet ao meio rural, a limitação para atender demandas em larga escala, além dos altos investimentos necessários, são algumas das barreiras. Ainda que seja possível desenvolver soluções que contornem a ausência da internet, o acesso à rede possibilita um maior tráfego de informação, além de permitir ao usuário acessar, por meio do celular, aplicativos que processam os dados coletados no campo.
O CPqD, em parceria com o Grupo São Martinho, um dos maiores empreendimentos do setor sucroalcooleiro do Brasil, desenvolveu o projeto AgroTICs, cujo objetivo é a implantação de uma rede móvel privada de banda larga, baseada no conceito de internet das coisas no setor de agronegócios. A ideia é conectar áreas rurais e remotas da empresa. O projeto contou com apoio do BNDES e da Finep.
Outro desafio é a capacitação da mão de obra. A mudança do trabalho no campo é necessária e urgente, mas é também um desafio, dado que se caminha cada vez mais para a automação das atividades rurais. A substituição do trabalho braçal avança e exigirá pessoas capacitadas para interpretar os dados coletados no campo, com conhecimento, discernimento e habilidades para a tomada de decisão – rápida e precisa. “Haverá uma redistribuição da força de trabalho. As pessoas no campo precisarão ser capacitadas para manusear tratores inteligentes, sensores, internet. Haverá um novo perfil do trabalhador do campo”, prevê Masshurá.
Outra dificuldade da implantação do novo paradigma da agricultura digital é o ritmo mais lento da adoção de novas tecnologias no campo. A desconfiança é uma característica própria do setor. “O produtor rural tem algumas particularidades: uma alta aversão ao risco e uma desconfiança em relação à adoção de novas tecnologias. Antes de fechar o negócio, ele pede um teste, uma validação. Se o vizinho adotou, e teve sucesso, ele adota. Geralmente é um processo mais lento do que uma venda do setor industrial. As Agtechs precisam exercer um trabalho de convencimento, em um processo mais lento”, destaca Martha Bambini.
O Brasil, país agrícola por tradição, não pode, portanto, estar alheio a tais mudanças. Engajar centros de pesquisa e universidades, apoiar e apostar em startups, em novos perfis de investidores e em diferentes opções de financiamento e de valorização do capital da agricultura, é também papel do Estado. O fortalecimento de ecossistemas de inovação voltados ao novo agro é, por sua vez, o caminho mais curto para alcançarmos a revolução advinda da agricultura 4.0.
Paula Drummond de Castro é formada em ciências biológicas (Unicamp), com mestrado e doutorado em política científica e tecnológica (Unicamp). Pesquisadora associada do Geopi (Grupo de Estudos da Organização da Pesquisa e da Inovação). Atualmente é aluna do curso de especialização em jornalismo científico (Labjor/Unicamp).
Maria Beatriz Machado Bonacelli é professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT/IG/Unicamp).
Imagem de destaque: minhocos/Flickr