Parte da esquerda brasileira adere ao modelo neoliberal, diz
pesquisador
Após a queda do muro de Berlim, em 1989, a esquerda mundial
caiu numa posição de recuo, paralelamente à
hegemonia capitalista norte-americana que se afirmava. No Brasil,
durante a década de 1990, foi implantado um modelo neoliberal,
caracterizado pela menor participação do Estado na
economia e pelas privatizações. Nesse contexto, as
correntes trotskistas da esquerda brasileira tomaram posicionamentos
diversos diante da conjuntura nacional. Esse foi o foco do trabalho
do cientista político Andriei Gutierrez, na sua dissertação
de mestrado O trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil:
Democracia Socialista, PSTU e O Trabalho - Uma análise das
campanhas eleitorais de 1998 e 2002, que será defendida
no dia 08 de novembro, no Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas (IFCH) da Unicamp.
No
trabalho, foram estudadas as correntes trotskistas internas ao Partido
dos Trabalhadores (PT) - a Democracia Socialista e O Trabalho
- e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), que
é trotskista. O trotskismo é uma linha teórica
baseada nos escritos de Leon Trotsky, um dos líderes da revolução
de russa de 1917 e, posteriormente, principal opositor, no campo
do socialismo, ao regime político e à teoria desenvolvida
por Josef Stálin, na extinta União Soviética.
A
pesquisa foi feita a partir de materiais primários produzidos
pelas organizações (como jornais, boletins, revistas),
por entrevistas com as direções e por uma pesquisa
teórica sobre a tradição teórica trotskista
e as suas interpretações. Criticando o reduzido tempo
para a realização de uma pesquisa de mestrado, Gutierrez
explicou que não foi possível abarcar em suas análises
toda a década de 90, por isso concentrou-se em dois momentos
principais: as campanhas eleitorais de 1998 e 2002.
De
acordo com o pesquisador, aquele que era o principal partido dos trabalhadores,
o PT, passou gradualmente a abrandar seu programa desde as eleições
de 1989 e incorporou elementos do discurso neoliberal. Por sua vez,
adotando um posicionamento mais à esquerda, o PSTU, que surgiu
na conjuntura de implantação do neoliberalismo no
país, manteve uma posição de forte oposição
ao modelo neoliberal.
Para
Gutierrez, na última eleição o PT já sinalizava
uma postura social-democrata mais próxima da Terceira Via,
caminhando ao centro. A Terceira Via, que teve como um de seus representantes
o atual primeiro-ministro inglês Tony Blair, propunha um caminho
político-econômico alternativo ao Comunismo e ao Capitalismo
e acabou desembocando no que conhecemos como neoliberalismo. "Já
nas eleições de 2002, o PT adotava um programa evidentemente
social-liberal: procurava tranqüilizar o capital financeiro
especulativo e anunciava a adoção de medidas paliativas
focalizadas, a exemplo do Fome-Zero", lembra.
Para
o pesquisador, enquanto FHC procurava cobrir o déficit na
balança de pagamentos por meio de corte de gastos em investimentos
públicos e de empréstimos junto ao Fundo Monetário
Internacional (FMI) - política que marcou o seu segundo mandato,
em contraste com as privatizações do primeiro - Lula
passou a depender do comércio exterior beneficiando setores
da burguesia nacional anteriormente "marginalizados".
No equilíbrio da política econômica de Lula,
o agronegócio, assim como os setores industriais de baixo
valor agregado, assumem um papel importante, já que atraem
dólares para o Brasil e diminuem o déficit da balança
de pagamentos. "Contudo, vale ressaltar que a inclusão
desses setores não implica a mudança do caráter
de classe do governo Lula. Assim como FHC, o atual governo continua
sendo um governo para banqueiros", ressalta.
Mudanças entre os trotskistas
Com a vitória de Lula e a continuidade do modelo neoliberal,
surgiram algumas repercussões na esquerda trotskista do Brasil.
A Democracia Socialista aproximou-se de setores da igreja
progressista e passou a adotar um programa político mais
ao centro; a corrente petista O Trabalho continuou dentro
do PT, procurando manter o seu programa reivindicativo frente a
uma constante guinada do PT à direita.
A
expulsão da senadora Heloísa Helena do partido, que
militava na corrente Democracia Socialista, e a proposta
de criação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL),
resultaram em um racha na Democracia Socialista. Alguns de
seus dirigentes e militantes romperam com o PT e participam da criação
do PSOL, outros continuam no partido e participam do governo Lula,
como o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto.
Para
o pesquisador, a corrente O Trabalho está em uma situação
desconfortável, já que não tem forças
para romper com o PT - o que implicaria a sua dissolução
- e é membro de um partido que vai contra o seu programa.
"O Trabalho ainda acredita que o governo Lula estaria
em disputa, podendo, em algum momento, dar uma guinada à
esquerda", afirma Gutierrez. Já o PSTU continua mantendo
um papel importante de crítica ao neoliberalismo. "O
partido é um forte crítico do PT e da Central Única
dos Trabalhadores (CUT). Mas está em uma posição
de isolamento, resultado de sua posição crítica",
conclui o pesquisador.