Um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional visa antecipar o início da escolarização obrigatória dos sete para os seis anos de idade. O projeto 3675/04, de autoria da deputada e professora Raquel Teixeira (PSDB-GO), tramita em caráter conclusivo e altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. Segundo a autora, o objetivo é auxiliar a obtenção das metas de expansão do ensino infantil, previstas no Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece que, até 2011, 50% das crianças com 0 a 3 anos de idade e 80% das crianças com 4 a 6 anos estejam matriculadas. Atualmente, são atendidas apenas 9,4% das crianças com 0 a 3 anos e 61,4% de 4 a 6 anos.
"A antecipação do início do fundamental também irá ampliar o processo de universalização do ensino já iniciado há alguns anos", afirma a deputada. Segundo ela, a lei poderá garantir um aumento significativo no percentual de crianças matriculadas, o que já está em curso desde que foi adotado o sistema de progressão continuada. A proposta, no entanto, é alvo de críticas de alguns especialistas que defendem outras estratégias para o cumprimento das metas do PNE, priorizando a qualidade do ensino.
O Plano Nacional de Educação foi aprovado pelo Congresso em 2001 e fixou metas educacionais a serem atingidas nos dez anos seguintes à sua aprovação, envolvendo as competências de Estados, Municípios e Governo Federal. Segundo estudos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), divulgados no início de setembro, o cumprimento das metas para o ensino infantil é um dos que exigirá maiores esforços dos gestores e órgãos estatais. Para isto, o Brasil terá que aumentar em 470% o número de crianças matriculadas nas creches, que atualmente são responsáveis pelo ensino de 0 a 6 anos. Será preciso saltar das atuais 4,656 milhões matrículas (dados do Censo escolar de 2003) para 11,5 milhões. O estudo do Inep é umas das iniciativas que irá subsidiar uma rediscussão do PNE que ocorrerá no Congresso em 2005. Na ocasião, deve ser feita uma avaliação do cumprimento das metas e aprovadas possíveis medidas para corrigir deficiências.
Segundo a deputada Raquel Teixeira, o projeto de lei é o primeiro passo para o cumprimento das metas e também colabora para o aprendizado da criança: "Trata-se de incluir as crianças de 6 anos no ensino fundamental, incentivando a formação de uma base cognitiva que contribui para desenvolvimento da capacidade de leitura e a linguagem, entre outras habilidades." A deputada afirma que também está buscando melhorias para as crianças menores de 6 anos por meio de outros projetos de lei, porém a iniciativa atual é mais fácil de ser cumprida: "os recursos já estão garantidos pelo Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), que financia o ensino fundamental como um todo", conclui. Ela menciona ainda que os estados de Minas Gerais e Goiás já implementaram esta iniciativa que agora poderá ser expandida para todo o país.
Para a pedagoga Corinta Geraldi, professora da Unicamp e Secretária da Educação de Campinas (SP), existem experiências muito bem sucedidas neste sentido em alguns municípios brasileiros, com Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Porto Alegre (RS), Blumenau (SC) e Belém (PA). No entanto, a iniciativa implica uma nova forma de organização do ensino infantil e, portanto, pressupõe um projeto amplo que vise uma melhora no processo de aprendizagem da criança, que inicia-se antes dela completar um ano de idade.
Geraldi critica uma visão simplista do problema, na qual o aumento de um ano do ensino fundamental funciona como um artifício para as crianças de 6 anos fazerem parte das estatísticas do Fundef e, assim, o município passará a receber mais verbas para a educação. "Este jogo faz parte de uma das pirotecnias que os gestores fazem para conseguir mais verbas para a educação, mas pode não ser a base de um projeto pedagógico sério", afirma.
A pedagoga entende como correta as diretrizes do Ministério da Educação, que incentiva que as escolas desenvolvam projetos-piloto voltados para a inclusão social, onde o aumento de um ano pode ser inserido. "No caso de Campinas, estamos propondo que as escolas interessadas em implantar essa inovação elaborem um projeto, porém não existe a obrigatoriedade", diz. O projeto está sendo implantado numa escola da periferia da cidade, em que os alunos passarão a freqüentar a escola com seis anos e meio de idade, nas chamadas "salas de transição". Para Geraldi, existem riscos de uma proposta como esta ser aplicada uniformemente em todo país, sem que a cada escola esteja preparada para a mudança, gerando experiências mal sucedidas: "Seria algo equivalente ao atual sistema de ciclos, com progressão continuada, que, na realidade, é uma promoção automática. Diminuiu-se a reprovação e a evasão, mas o aluno conclui o ensino sem ter os conhecimentos mínimos, pois foram atacados os efeitos e não a causa do problema", ressalta.
Uma questão diretamente relacionada ao assunto, no entanto, tem sido pouco mencionada. Segundo um estudo divulgado em Agosto de 2003 pelo Inep, realizado em conjunto com o Instituto de pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a Universidade de Brasília (Unb), o Senado e a Casa Civil, o cumprimento das metas do PNE prescinde de um aumento dos investimentos em educação. Os atuais 4,29% do Produto Interno Bruto (PIB) teriam que ser aumentados para 7,95%, o que não aconteceu.