Se mal implantado, combustível do futuro pode até poluir
Deve haver algo errado se um mesmo assunto faz com que George W. Bush, os ambientalistas, a Shell, os cientistas e a General Motors concordem. Se for perguntado a eles qual será o combustível do futuro a resposta será a mesma: o hidrogênio. Mas algumas vozes dissonantes estão mostrando que pode haver mais por trás da aparente boa fé da indústria. De acordo com Joseph J. Romm, autor de The Hype About Hydrogen: fact and fiction in the race to save the climate (A Moda do Hidrogênio: mito e realidade na corrida para salvar o clima) e ex-assessor do governo Clinton, as corporações do petróleo e dos automóveis podem estar apressando a adoção de uma tecnologia ainda não viável para evitar a adoção de políticas restritivas às emissões de carbono.
A reclamação já começa a ecoar nas entidades ambientais. O Greepeace dos EUA está enfatizando a distinção entre hidrogênio limpo e hidrogênio sujo, e pede a criação de uma "Iniciativa para o Hidrogênio Limpo". Junto com outras sete entidades de peso como a Amigos da Terra e o Public Citizen, lançaram um manifesto da "Coalizão do Hidrogênio Limpo", em que acusam o governo Bush de promover o "hidrogênio sujo" e de proteger os interesses da indústria de carvão e nuclear.
Para abastecer os carros, o hidrogênio, que é abundante na natureza, mas raramente encontrado não associado a outros elementos, precisa ser retirado de substâncias como gasolina, gás natural ou pela eletrólise de água. Mesmo para se fazer a eletrólise é necessário o uso de outras formas de energia, que podem ser sujas, como a queima de carvão ou a energia nuclear, ou limpas, como a energia eólica e solar, embora ainda sejam pouco eficientes. As entidades acusam o governo Bush de priorizar os recursos anunciados da pesquisa com hidrogênio (que chegam a US$ 1,2 bilhão a serem gastos em cinco anos) para a geração de hidrogênio "sujo".
O Greenpeace aceita que, antes que se chegue a um patamar tecnológico em que seja viável economicamente adotar as energias renováveis como base para a obtenção de hidrogênio, este seja obtido a partir de gás natural, num processo que garantiria uma diminuição de 40 a 60% na emissão de dióxido de carbono (um dos gases causadores do efeito estufa) se comparada com a atual emissão de poluentes.
O governo Bush propõe-se a gastar, ao todo, US$ 1,7 bilhão em pesquisas com o hidrogênio nos próximos cinco anos, de modo a garantir que carros movidos a hidrogênio estejam rodando nas estradas dos EUA até 2015. São dois os programas a serem financiados: o Freedom Fuel (combustível da liberdade), destinado a pesquisas para a obtenção de hidrogênio; e o Freedom Car (carro da liberdade), dedicado ao desenvolvimento de veículos.
Infraestrutura cara
Atualmente, há vários outros problemas além da emissão de poluentes e da continuidade do uso de combustíveis fósseis para a geração de hidrogênio. O gás é altamente inflamável, de difícil transporte, pois requer refrigeração para ser mantido em estado líquido e seria preciso criar uma rede de postos capazes de distribuí-lo por todo o país. O governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, já anunciou que pretende construir uma "rodovia de hidrogênio" até 2010, mas Joseph Romm acredita ser esse tipo de iniciativa apenas uma distração do real problema do aquecimento global. "Qualquer um que queira construir uma infra-estrutura agora está sendo prematuro. Nós nem sabemos qual seria a melhor infra-estrutura a se construir", declarou ele à revista eletrônica Salon.
E há ainda um outro alerta feito por Romm. Há duas formas de se utilizar o hidrogênio na propulsão de carros: como combustível para as chamadas células combustível, que a partir dele geram energia elétrica; e pela queima direta do gás, em motores de combustão semelhantes aos atuais. Os motores que fazem a queima do hidrogênio não são limpos como as células combustível e emitem gases como o óxido nítrico, que contribui para o efeito estufa. Como as células são caras, o risco da queima ser adotada é grande.
O perigo, de acordo com Romm, é imaginar que o hidrogênio, usado de qualquer forma, é um gás limpo. Para ele, o investimento não pode repousar em uma única aposta tecnológica como o hidrogênio, e medidas a curto e médio prazo deveriam compreender uma dura redução nos limites permitidos para a emissão de gases estufa e o investimento em carros híbridos, que combinam o uso de gasolina com o de energia elétrica ou álcool.
Grandes empresas como a Shell e a British Petroleum estão na linha de frente da pesquisa com hidrogênio e certamente farão o possível para fazer de seu maior patrimônio, o petróleo, uma fonte de hidrogênio. A General Motors está correndo atrás do hidrogênio para evitar que leis duras contra a emissão de poluentes sejam implantadas na Califórnia, como prevê a lei. Essas corporações e outras montadoras devem ficar com boa parte do dinheiro norte-americano destinado à pesquisa.
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